- Mariana e Ouro Preto
Concessão do parque do Itacolomi recebe duras críticas em audiência pública
Intenção do Governo de Minas é conceder a exploração de serviços turísticos à iniciativa privada
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A audiência pública contou com uma fase de apresentação do Programa de Concessão de Parques Estaduais (PARC), do Governo de Minas e do Programa de Concessão de Unidades de Conservação, lançado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela elaboração dos estudos e modelagem destas concessões, seguida por uma explanação de aspectos específicos da proposta de concessão conjunta dos parques estaduais do Ibitipoca (situado nos municípios de Lima Duarte e Santa Rita de Ibitipoca) e do Itacolomi (localizado em Mariana e Ouro Preto), este último criado pela Lei Estadual 4.495, de 14/06/1967.
Em dois momentos subsequentes, os participantes da audiência puderam apresentar questionamentos orais e por escrito, assim como aqueles que participavam remotamente do evento, com a posterior apresentação de esclarecimentos prestados pelos integrantes da mesa.
As justificativas apresentadas para a implantação do PARC foram: a não vinculação à atividade-fim do Instituto Estadual de Florestas (IEF) das ações que demandam prestações de serviços específicos, como os turísticos; a intenção de “tornar as UCs [unidades de conservação] mais acessíveis à sociedade, valorizando os espaços e engajando na conservação ambiental”; e a implantação de “melhorias na infraestrutura, visando atender com mínimo impacto, segurança e qualidade”.
Um ponto bastante enfatizado na audiência foi a questão relativa à diferença entre privatização e concessão, sendo destacada a permanência da responsabilidade do IEF na gestão do parque, sendo concedida apenas a autorização de exploração de serviços turísticos, portanto sem a transferência da propriedade e controle à iniciativa privada. Na publicação do IEF, relacionada à realização das audiências, foi incluída a declaração de Pedro Bruno Barros de Souza, Superintendente da Área de Governo e Relacionamento Institucional do BNDES, declarando que a concessão “é um modelo que é ganha-ganha para todos os atores envolvidos, seja sociedade – que vai poder desfrutar de uma melhor estrutura e uma melhor experiência de visitação -, seja pela geração de empregos e pela garantia da preservação ambiental e todo o aspecto arqueológico”, sendo o programa baseado nos pilares da preservação ambiental, no fomento ao turismo sustentável e na geração de renda e desenvolvimento regional.
Entre os objetivos do PARC foram relacionados os “investimentos nos parques, que de outra forma não seriam feitos (reformas e criação de infraestruturas), o desenvolvimento do turismo por meio do investimento privado; a criação de oportunidades e empregos para populações locais; a desoneração dos órgãos que realizam a gestão dos parques; a geração de recursos que podem ser destinados à gestão e proteção dos parques bem como ao desenvolvimento do entorno, e o aumento da conscientização ambiental, em razão do aumento da visitação”
Um fato que chamou a atenção foi a baixa participação popular, estimada em 30 pessoas, incluindo o Prefeito Interino de Mariana, Juliano Duarte; a Secretária Municipal de Meio Ambiente de Mariana, Denise Almeida; o Secretário de Meio Ambiente de Ouro Preto, Francisco (Chiquinho) de Assis Gonzaga, o Diretor de Turismo da Secretaria de Patrimônio Histórico, Cultura, Turismo e Lazer de Mariana, Silas Sampaio; e do vereador marianense Ricardo Miranda (Republicanos).
Fortes críticas e apoios resignados
A primeira parte das manifestações dos participantes foi marcada, já no início, por críticas veementes ao processo de concessão dos parques, com menções, em especial, à questão das nascentes, da falta de investimentos do estado e ao risco de elitização do acesso. O geólogo Francisco Assis Silva, da Associação Comunitária Passagense (distrito de Passagem de Mariana), manifestou sua preocupação com o abastecimento de água para o distrito, e defendeu que a concessão seja feita aos municípios nos quais o parque está demarcado. “Nós temos uma preocupação muito grande, porque o Parque do Itacolomi é a nossa fonte de água. E na minha cabeça, sempre o Itacolomi vai ser nossa caixa d’água. Seja ‘pra’ Mariana, seja ‘pra’ Passagem, sempre será. Então, isso ‘pra’ mim é o principal fator. (…) Eu não sou a favor da concessão à iniciativa privada. Eu sou a favor da concessão aos municípios de Ouro Preto e Mariana. (…) Isso que é importante ‘pra’ gente, porque lá é a nossa caixa d’água”, defendeu Francisco.
A manifestação contrária mais contundente foi a do advogado Bernardo Campomizzi Machado, integrante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) de Mariana e colunista da Agência Primaz para questões ambientais. “A justificativa de promoção de desenvolvimento econômico, ineficiência e incapacidade da administração pública para explorar, de maneira sustentável, é falácia dos nossos tempos de um projeto político em que se privilegia o ganho econômico privado em detrimento do ganho ambiental coletivo e difuso. O Estado passa para a iniciativa privada a gestão de um território se, ao menos, ter resolvido questões importantes, como a regularização fundiária, por exemplo”, destacou Bernardo, criticando a falta de investimentos governamentais e apontando possíveis fontes de recursos. “Fontes de financiamento e receitas para o Estado são inúmeras. Nós temos aí a compensação ambiental, o CFEM [Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais], doações de empresas, associações e organismos internacionais, todos capazes de garantir ao Estado condições suficientes para a gestão da unidade de conservação”, afirmou.
Bernardo Machado ainda ressaltou o anseio do município de Mariana em ter acesso ao Parque do Itacolomi, a partir de seu próprio território, a despeito de todas as solicitações feitas. “Aliás, essa é uma questão que é muito cara a Mariana, porque sempre foi solicitada ao IEF uma na região da Serrinha, para controlar o uso e o acesso àquele local. (…) Por que o Estado ainda não instalou uma portaria na Serrinha, apesar de incessantes cobranças? A consequências estão aí a olhos vistos. Nós temos muito lixo, supressão de vegetação, caça e avanço de ocupações no entorno”, afirmou Bernardo, deixando ainda questionamentos a respeito da falta de investimentos em órgãos responsáveis pela conservação ambiental, do acesso ao complexo de cachoeiras de Serrinha, da utilização da cachoeira da matriz e do sistema de captação de água pelo SAAE (Sistema Autônomo de Água e Esgoto de Mariana, solicitando
a restrição de participação, caso a concessão realmente ocorra, de pessoas jurídicas que fazem uso direto de recursos naturais, impactando negativamente o meio ambiente, além de isenção total para o acesso de moradores de Mariana e Ouro Preto, para evitar a elitização caso a empresa altere aleatoriamente, e à sua livre vontade, os valores de ingressos e taxas de utilização de equipamentos do parque.
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Atleta, subsecretário de Esportes de Mariana e empreendedor da área de ecoturismo, Rui foi o primeiro manifestante a declarar apoio à concessão, mas reafirmou a necessidade de isenção total, principalmente para corredores e ciclistas que frequentam o parque do Itacolomi, a importância da portaria em Mariana e de melhorias em trilhas e locais de caminhada e ciclismo. “Todos com quem eu converso mencionam a isenção do acesso ao parque. E um dos nossos anseios é a construção de uma portaria de acesso ao parque, além da estruturação de uma travessia Pico [do Itacolomi], Sertão, Serrinha. Até porque o parque tem vários acessos [não oficiais] e a gente vê as pessoas acessando ao parque, acampando de forma irregular. (…) Eu, ao contrário de muitos, eu vejo a concessão com bons olhos, e espero que, de fato, cada uma dessas intervenções venha a ser feita”, declarou.
Enfatizando a questão dos possíveis efeitos de elevação de preços para acesso e utilização das atrações do parque, Pedro Rodrigues, da Secretaria de Meio Ambiente de Ouro Preto, mencionou a importância da contratação de mão de obra local, levando em consideração o conhecimento existente. “Que se tenha prioridade na contratação, em todos os níveis, de moradores da região. A gente conhece a região, a gente tem expertise, mais que qualquer empresa”, solicitou Pedro, pedindo também a retirada da possibilidade de utilização da Casa Bandeirista como restaurante. “Nós estamos falando do primeiro prédio público de Minas Gerais, um prédio construído entre 1706 e 1708. E não se deve privar a comunidade de frequentar aquele espaço. Não se deve ter um restaurante privado ali”, finalizou.
Outra voz favorável à concessão, mas lamentando a incapacidade do Estado de alocar recursos para oferecer serviços turísticos adequados na unidade de conservação, foi a de Silas Sampaio, Diretor do Departamento de Turismo da Secretaria de Patrimônio Histórico, Cultura, Turismo e Lazer de Mariana. “Sou totalmente a favor de uma concessão, [porque] infelizmente o Estado não consegue oferecer tudo que é de sua obrigação. Mas desde que essa concessão não seja excludente. Infelizmente, ao analisar o que foi apresentado, principalmente nessas intervenções iniciais, nada em Mariana está sendo contemplado“, declarou Silas, insistindo na questão relativa à portaria reivindicada há muito tempo pelas autoridades e pela população marianense.
“Entendo quando vocês falam que essa parte da Serrinha não faz parte, inicialmente, ou também de forma permanente, nesse momento de concessão, mas vamos continuar excluídos? Hoje Mariana possui um Plano Municipal Integrado de Turismo, aprovado pela Câmara Municipal, [possui] um Conselho Municipal de Turismo que tem atuação deliberativa, e almejamos [implantar] um grande programa de ecoturismo para a cidade. Se mais uma vez a gente ficar excluído, sendo que nós temos 75% ou mais dessa área, sem termos o nosso portal de entrada no parque e investimentos de trilhas turísticas dentro da área da Serrinha, como nós vamos promover esse programa de ecoturismo?”, insistiu o Diretor do Departamento de Turismo.
Falando à reportagem da Agência Primaz, ao final da audiência, o Secretário de Meio Ambiente de Ouro Preto, Chiquinho de Assis, reafirmou alguns dos pontos levantados por ele durante sua intervenção, enfatizando, inicialmente, sua resignação com a questão da concessão. “Em primeiro lugar, é importante destacar que a concessão é uma decisão governamental. Não é uma decisão da população, vamos dizer assim, nem dos operadores do parque, nem dos frequentadores. Então, é o que o governo nos oferece. Ele não investe, a gente percebe a falta de investimento na área ambiental no estado. A gente percebe que o que se faz é com compensação minerária, muitas vezes com acordos decorrentes de graves problemas causados pela mineração. Então é preciso arrebentar Brumadinho, é preciso descer Bento Rodrigues, ‘pra’ que a gente consiga dinheiro ‘pra’ ser investido no meio ambiente. Isso é um absurdo!”, afirmou Chiquinho de Assis.
Criticando a forma de atuação dos órgãos governamentais, o Secretário Municipal reforça enfaticamente o pleito de Mariana em termos da construção de uma portaria na área da Serrinha. “Eu sou totalmente solidário ao povo de Mariana, acho que a portaria aqui da Serrinha tem que virar realidade. Não se pode só ficar falando a título de informação, que 70% do parque, 75% estão dentro de Mariana, e Mariana não ter esse pertencimento por parte do Itacolomi. É um parque que une as duas cidades a Primaz de Minas e a ex-capital de Minas Gerais. Estão embarrigando Mariana de novo, sem dúvida a palavra é essa! Não tem um comodato com a Novelis? Porque a portaria do parque não é do parque. É da Novelis. Então por que que não se busca um instrumento jurídico ‘pra’ que possa construir a portaria por Mariana? Acho que está faltando vontade política, está faltando desenho e sobretudo está faltando território. As pessoas têm que parar com seus projetos apenas de gabinete e vim pisar no lugar. Vir a Mariana e visitar o Itacolomi, entrando pela cidade, entrando por Passagem de Mariana. Será que vão se sentir seguros? Será que é isso que está faltando, para que as atitudes sejam tomadas?”
Estão embarrigando Mariana de novo, sem dúvida a palavra é essa! (Chiquinho de Assis, Secretário de Meio Ambiente de Ouro Preto)
Outras preocupações do titular da pasta de Meio Ambiente de Ouro Preto foram os aspectos relacionados à utilização da Casa Bandeirista como restaurante, e à cobrança de ingresso e taxas para que a população local possa usufruir do parque. “O parque tem uma importância histórica gigantesca. Essa história de tentar fazer um restaurante na Casa da Bandeira é um absurdo. Eu coloquei a minha preocupação também da cobrança de produtos diferenciados. O sujeito pagar a entrada, depois ter que pagar estacionamento, depois ter que pagar num restaurante, depois ter que pagar ‘pra’ ir no banheiro, depois ter que pagar pra tirolesa, depois ter que pagar pra poder banhar no lago. É muito preocupante tudo isso, porque isso vai excluindo a população, sobretudo a população carente que é a nossa grande maioria. Já que o governo tem essa decisão, legitimado pelas urnas, e vai fazer essa forma de concessão, a gente primeiro tem que garantir que essa concessão não seja excludente”, finalizou Chiquinho de Assis.
Abordada pela Agência Primaz, durante um dos intervalos da audiência pública, Denise Almeida, Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Mariana, preferiu não se manifestar, alegando que o assunto ainda não havia sido discutido no âmbito da administração municipal.
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Resultados da audiência pública
Ao final da audiência, a Agência Primaz ouviu Cecília Vilhena, do Núcleo de Projetos Especiais do IEF, que se mostrou satisfeita com o resultado do encontro realizado em Mariana. “O saldo é positivo, eu acho que a gente cumpriu [o previsto] e até extrapolamos um pouquinho o horário, e tivemos diversas contribuições, todas elas significativas. E esse é mesmo nosso objetivo aqui nesse momento, colher as contribuições, escutar a população. A gente percebe que apesar de todo o cuidado que foi feito [o estudo da concessão], algumas questões específicas ainda podem ser aprimoradas. Então, o objetivo da audiência é dar essa ampla participação, escutar os anseios, as preocupações, trazer alguns esclarecimentos, que eu acho que também é sempre muito produtivo, e levar aí o dever de casa de reavaliar, fazer a última revisão final, para ter um projeto o mais adequado possível”, afirmou.
Em relação à utilização da Casa Bandeirista, Cecília informou que o parque do Itacolomi já tem uma estrutura de restaurante, mas a ideia era maior acesso ao imóvel, ressaltando que isso será reavaliado no âmbito do plano de negócios da concessão. “A gente contou como equipe de consultores muito ampla para desenvolver esse projeto. Foi uma proposta que veio dessa equipe e que foi acatada inicialmente pela equipe do Estado, envolvendo Secretaria de Turismo e Cultura, do próprio Parque do Itacolomi e do IEF. Mas o fato é que o parque, hoje, já conta como estrutura de restaurante, mas a equipe do consórcio entendeu que a Casa Bandeirista, pela beleza que ela tem, poderia ser melhor aproveitada, até mesmo criando algum tipo de serviço, para que as pessoas pudessem aproveitar melhor aquele ambiente tão bonito e tão rico, e que isso pudesse estar integrado com a história, com a exposição. Enfim, mas havendo essa resistência, eu acho que algo que vai ter que ser avaliado é essa adaptação do modelo econômico, por isso que hoje aqui não é momento de trazer respostas. Eu, Cecília, não tenho como tomar uma decisão sem a gente estudar os documentos e avaliar o que a gente vai tentar fazer em conjunto”.
Também sobre a questão da isenção, Cecília reafirmou a necessidade de mais estudos para encontrar uma proposta que atenda á população local, mesmo que não contemple integralmente a solicitação, tendo em vista o equilíbrio econômico-financeiro do projeto. “O que a gente vai fazer, com toda a equipe, com a equipe do BNDES, é encontrar a melhor alternativa para manter o equilíbrio econômico-financeiro do projeto, e ao mesmo tempo atender à população local. A gente sabe que dar isenção total para dois municípios muito habitados, isso gera um desequilíbrio muito grande no contrato. Mas a gente quer tentar contemplar de uma maneira justa. A gente não quer, de forma alguma, enquanto política de Estado, ter uma política excludente. Ela já não é excludente [hoje]. O Estado já contempla descontos de 90% nos preços de ingressos ‘pra’ população local continuar frequentando, e eu considero esse valor simbólico. Já contempla descontos e isenções totais para a população carente local e para as comunidades do entorno também. Se o objetivo é viabilizar o programa, a gente precisa buscar esse equilíbrio. E para buscar esse equilíbrio a gente precisa pensar o que mais dá para fazer para atender, ainda que não seja 100% do pleito. Qual alternativa, qual proposta, eu ainda não sei, e isso vai ter que ser estudado”, afirmou Cecília Vilhena.
Próximas etapas do processo
Ficou acertado que o IEF vai se empenhar, juntamente com o Executivo de mariana, em encontrar uma solução para a viabilização da construção de uma portaria na região da Serrinha, mesmo sem a inclusão da área no projeto de concessão. Entretanto, Cecília Vilhena ressaltou que isso passa mais pela aceitação do proprietário do terreno “Para isso, a gente só precisa do apoio do proprietário da terra, né? Foi o apoio que a gente obteve da Novelis na cessão, então a gente já tem um termo de comodato publicado. Não é um processo um processo complexo, é algo que dá para viabilizar. E isso não impede que a empresa, futuramente, seja indenizada, devidamente regularizada, e que o estado cumpra o seu devido papel na aquisição, até mesmo por via de compensações florestais e minerárias, que hoje a lei já está flexibilizando melhor esse processo. Então é perfeitamente possível, mas a gente vai precisar contar [também] com o apoio do município com o empenho do município, para entender quais são os anseios do proprietário da terra, e de que forma a gente consegue uma solução”, finalizou a coordenadora do Núcleo de Projetos Especiais do IEF.
A proposta de concessão encontra-se em consulta pública até o dia 14 de fevereiro, e as contribuições podem ser feitas mediante o preenchimento de um formulário. Depois de analisadas pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) as contribuições aprovadas serão incorporadas ao projeto, conforme promessa do órgão, ou devidamente justificadas, em caso de indeferimento.
Todos os documentos relativos à proposta de concessão estão disponíveis no site do IEF e, de acordo com o cronograma anunciado, o edital da concessão deverá ser publicado em maio, com a realização do leilão dois meses depois.