- Mariana
Restaurada, Igreja do Rosário é reaberta em Mariana
Cerimônia civil de reabertura foi marcada por forte conotação política e contou com a presença do Ministro do Turismo, deputados, representantes do IPHAN e autoridades locais
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A restauração dos elementos artísticos e bens integrados foi iniciada em 2017, ao custo total de R$1,6 milhão, quando foram restaurados os altares esculpidos pelo português Francisco Vieira Servas, falecido em 1811, e o forro da Capela Mor obra do pintor Manuel da Costa Ataíde, conhecido como Mestre Ataíde, falecido em 1830, entre outras boras de arte inseridas na igreja. Dois anos depois foi iniciada a restauração dos elementos arquitetônicos e estruturais da igreja, com aporte de pouco mais de R$1,9 milhão, além de R$ 200 mil alocados pela Prefeitura de Mariana e do Conselho Municipal de Patrimônio (COMPAT), utilizados para a fiscalização e acompanhamento da obra.
De acordo com a arquiteta Anna de Grammont, coordenadora do PAC Cidades Históricas, lançado em 2009, a execução da restauração dos elementos artísticos antes da parte civil, foi uma imposição da situação de degradação das obras de arte inseridas na Igreja do Rosário. “O que aconteceu foi que os projetos de elementos artísticos foram aprovados antes, e por isso essa inversão. Mas, de fato, foi [uma situação] muito positiva, porque estava acontecendo um desprendimento da pintura do Ataíde no forro da Igreja. Então se a gente começasse efetivamente por uma obra de telhado, a gente poderia ter perdido parte dessa pintura, mas normalmente é o inverso”, explicou a arquiteta.
A coordenadora local do PAC demonstrou muita satisfação pela entrega da restauração, ressaltando a integração de uma grande equipe para o sucesso da iniciativa e consequente preservação da importante construção, tombada pelo IPHAN. “É uma emoção muito grande, realmente são alguns anos na parte de elaboração de projetos, de aprovação, até que se conseguiu recurso e até que se consiga realizar a obra efetivamente. Então é uma alegria imensa, porque a gente sabe que, de alguma forma, nosso trabalho junto com uma equipe, com várias pessoas, ‘tá’ contribuindo para que este templo possa existir possa existir mais alguns anos”, finalizou Anna de Grammont.
Depois da rápida retirada da fita na entrada principal da Igreja foi realizada a cerimônia propriamente dita. Coube ao regente da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Padre Marcelo Moreira Santiago, a abertura da cerimônia. “Com grande alegria, nossa comunidade recebe oficialmente hoje, totalmente restaurada, sua histórica e artística igreja, uma das mais belas de nossa querida Mariana. São 264 anos de história, de fé, de religiosidade, desde a conclusão desse imponente e majestoso templo religioso”, iniciou o pároco, apresentando, em seguida, os agradecimentos ao Ministério do Turismo, à Secretaria Especial da Cultura, ao IPHAN e à Prefeitura de Mariana.
“Não podia ter uma data mais simbólica para a cerimônia civil de reabertura dessa igreja, verdadeiro relicário de arte e devoção religiosa, pois neste ano celebramos 270 anos do início de sua construção civil, em 14 de maio de 1752, com o lançamento de sua pedra fundamental pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, com a devida aprovação eclesiástica. Assim atesta o primeiro livro de atas, desta irmandade (…), preservado no Arquivo Eclesiástico de Mariana”, acrescentou Padre Marcelo, referindo-se ao livro exposto diante do altar mor.
Leia abaixo a transcrição, com a grafia mais próxima à da época, exposta durante a cerimônia ao lado do livro de atas, encaminhada à Agência Primaz, por Efraim Rocha, ex-Secretário de Cultura de Mariana:
Aos quatorze dias do mês de mayo de 1752 se deittou a primeyra pedra da nova Capella de N. Snra. do Rozario desta Irmandade, cujo acto celebrou o Exmo. e Revmo. Snr. D. Fr. Manoel da Cruz primeiro Bispo deste Bispado, com toda solemnidade e foy conduzida da Ponte do Monção donde se achava, sem hum altar, pelo Dr. Silverio Teixra., Juiz de Fora desta Cide., e de prezente Ouvidor de Villa Rica por impedimento do acttual e por Manoel Matheus Tinoco, Vereador mais velho e Juiz de Fora pela Ordenação e pelo Redo. Dr. Giraldo Jozé de Abranches, Arcediago desta Cathedral, Provizor e primeiro Vigr. Geral deste Bispdo. e pelo Redo. Thezoureiro Mor da mma. Cathedral João de Campos Lopes Torres, sendo escrivam desta Irmandade Manoel Soares Bernardes, Thezoureiro Migel. Teixra. Guimez. e Provedor João Ferr. Faryas, cuja pedra está lançada no alicerce do árco cruzeyro de frente do Evangelho e celebrou Missa neste acto o Revdo. Capellão da Irmandade Joze dos Santos Coelho e pa. que a todo tempo conste do dia, mez, e anno, em que teve principio a fundação desta Capella se mandou fazer este termo, que assignarão os condutores da mesma pedra, e os offeciaes nomeados da Irmande. Eu Joaquim José de Oliveira, escrivam de devoção, que a subscrevi por empedimento do actual.
(Seguem as assinaturas)
Silverio Teixeira – Giraldo José de Abranches – João de Campos Lopes Torres – Miguel Teixeira Guimaraens – Pe. Jozé dos Santos Coelho – João Ferreira Farias – Manoel Matheus Tinoco – Manoel Soares Bernardes
Em uma curta fala, o Prefeito Interino, Juliano Duarte, comemorou a ocasião festiva e aproveitou para pedir a liberação da igreja matriz da cidade ainda este semestre. “É um sonho, a gente podia abrir novamente as portas desse tempo tão importante ‘pra’ Mariana e ‘pro’ Estado. E [gostaria] de pedir também, encarecidamente à Débora [França], à Larissa [Peixoto] e ao nosso Ministro, para que a gente possa, quem sabe no final de maio ou até início de junho, inaugurar também a nossa Basílica Catedral da Sé, que é a única basílica no país, do período colonial, que ainda está aberta para religiosidade, para visitação das pessoas”, solicitou.
Juliano também ressaltou a atuação do município em termos de investimento na preservação de seu patrimônio histórico, destacando ainda a liderança da cidade no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) Patrimônio Cultural. “Mariana é cidade que mais investe no seu patrimônio. Nós somos o primeiro município do estado de Minas Gerais no um ranking do ICMS Cultural. Isso é fruto de um trabalho sério da Prefeitura Municipal. E queria dizer aqui, em nome de todos os secretários municipais, que nós trabalhamos em rede, em grupo, onde Mariana tem hoje R$40 milhões em investimentos de recuperação do seu patrimônio público, de seus tempos religiosos, E muito em breve nós teremos todos esses templos abertos ‘pra’ nossa população”.
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Politização de cerimônia
Larissa Peixoto, Presidente do IPHAN, apenas saudou as autoridades presentes e, pedindo licença para a quebra de protocolo, cedeu a palavra a Débora França, superintendente do órgão no estado. “Eu sempre digo, Juliano, que quando o município ele assume o protagonismo, claro, apoiado pelo IPHAN, pelo governo federal, a preservação do patrimônio, o êxito, é certeiro, e a gente vê isso aqui, em Mariana”, afirmou Débora, dirigindo-se ao prefeito interino da cidade.
Eu prefiro, mil vezes, um presidente temente a Deus, que reze o Pai Nosso, do que um que roube o pão nosso (Gilson Machado, Ministro do Turismo)
A politização da cerimônia foi iniciada nas manifestações dos deputados estaduais Marcelo Álvaro Antônio e Alê Silva, subindo mais um pouco o tom na fala do deputado estadual Bruno Engler. E prosseguiu durante a exibição de um vídeo com as realizações do Governo Federal na área de restauração de monumentos históricos e recuperação de espaços culturais, com a afirmação que eram “obras paradas”, mas concluídas pela atual administração federal.
O auge da instrumentação política do evento, entretanto, ocorreu durante o discurso do Ministro de Turismo que, fugindo do tradicional roteiro de saudação inicial a todas as autoridades presentes já no início da fala, optou por saudar um por um, fazendo comentários comparativos da atuação dos governos petistas com a do governo Bolsonaro.
“Eu prefiro, mil vezes, um presidente temente a Deus, que reze o Pai Nosso, do que um que roube o pão nosso”, declarou Gilson Machado Neto, ao saudar o pároco Padre Marcelo, estabelecendo comparações sobre o número de obras e realizações dos governos posteriores a 2002, afirmando que o país está há três anos sem ser roubado, sem encaminhar recursos para Venezuela, Cuba, ou “qualquer país, que seja do estrangeiro” (sic),
“São três anos sem nenhum ministro preso, três anos sem nenhum diretor de autarquia preso, presidente de banco preso, três anos de uma gestão exemplar”, disse Gilson Machado, repetindo literalmente as palavras proferidas durante a reabertura da Igreja matriz de Santo Antônio, realizada na manhã do mesmo dia, no distrito ouro-pretano de Glaura.
Sob visível constrangimento de muitos presentes, o Ministro do Turismo, estabeleceu um confuso paralelo entre o período colonial e o dos governos petistas, acertando o resultado, mas confundindo as parcelas e exagerando o montante transferido para o exterior via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
“Vou dar um exemplo. 300 anos de Portugal no Brasil, 800 quilos de ouro, 40 centavos, Padre Marcelo, 40 dólares, perdão, a grama do ouro. 800 toneladas de ouro, 800 mil quilos de ouro, perdão. A 40 dólares a tonelada, dá 32 bilhões de dólares. Transformando em real, conta de padaria, cinco reais o dólar, dá R$160 bilhões [que], durante 300 anos foi levado do Brasil por Portugal. Hoje, desde 2003 até 2019, quando o Presidente Bolsonaro assumiu, R$3 trilhões, comprovadamente, [foram] desviados do nosso país”, declarou Gilson Machado que, juntamente com toda sua comitiva (exceto seguranças), não utilizou máscara durante toda a cerimônia.
Após outras afirmações de teor semelhante, o Ministro do Turismo empunhou uma sanfona e tocou, em ritmo de forró, a Ave Maria de Gounoud, uma música de sua autoria e Asa Branca, de Gonzaguinha.
O ato final do evento foi o descerramento da placa comemorativa da reabertura da igreja, quando Gilson Machado, repetindo que havia sido feito durante a retirada da fita na entrada principal, fez a contagem regressiva e girou várias vezes o pano branco sobre a cabeça.
Não quero politizar mais ainda essa situação. (…) A gente respeita as manifestações das pessoas, mas entende que, realmente, o nosso caminho não é o caminho, digamos assim, da politização das obras entregues. Deve ser sempre mais um caminho que vislumbre a luz da fé (Padre Marcelo Moreira Santiago)
Terminada a cerimônia, a reportagem da Agência Primaz procurou saber a opinião do Padre Marcelo Moreira Santiago, a respeito da politização da cerimônia, obtendo uma resposta polida, mas que não escondia o constrangimento do religioso. “Não quero politizar mais ainda essa situação. Da minha parte, é o agradecimento do registro do trabalho aqui realizado e desse momento, agora, em que nós vamos retomar a vida desta comunidade com o nosso povo, com seus trabalhos, suas iniciativas, suas atividades religiosas, promocionais, e também sociais, se Deus quiser”, respondeu Padre Marcelo, afirmando que respeita as manifestações, mas considera que o momento pede destaque para o reconhecimento do trabalho feito e a exaltação da fé e da fraternidade.
“A gente respeita as manifestações das pessoas, mas entende que, realmente, o nosso caminho não é o caminho, digamos assim, da politização das obras entregues. Deve ser sempre mais um caminho que vislumbre a luz da fé, em que, através da cultura, do esforço, da paz e da fraternidade, nós possamos realmente buscar, né, tempos melhores de vida do nosso povo. Então, eu entendo muito mais que a perspectiva nossa é um pouco nessa frente de considerar a importância histórica, artística, patrimonial desse espaço, e sobretudo religiosa, como relicário. Porque, realmente, essa igreja representa uma expressão do nosso Brasil colônia, uma das mais belas de Mariana, um relicário de fé e de arte”, concluiu.