- Mariana
Mariana recebe audiência pública de Comissão Externa da Câmara de Deputados
Objetivo da comissão é fazer diligências para acompanhar a repactuação do acordo com a Samarco, referente ao rompimento da barragem de Fundão
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Com objetivo de verificar in loco a situação dos atingidos e dos municípios, quase sete anos após o rompimento da barragem que vitimou 19 pessoas e espalhou lama por dezenas de municípios nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a Comissão Externa de Acompanhamento da Repactuação do Acordo referente ao rompimento da barragem de Fundão (Samarco/Vale BHP Billington) realizou audiência pública no Centro de Convenções Alphonsus de Guimaraens, em Mariana, nesta quinta-feira (24).
Coordenada pelo Deputado Federal Rogério Correia (PT/MG), e com relatoria do Deputado Federal Helder Salomão (PT/ES), a comitiva foi ainda integrada pelo Deputado Federal Padre João (PT/MG) e por um representante do também Deputado Federal Leonardo Monteiro, com o acompanhamento da Deputada Estadual Bia Cerqueira (PT). Para Rogério Correia, o descaso das empresas com a reparação ultrapassa completamente os limites da razoabilidade. “Os atingidos que tiveram suas casas destruídas continuam morando de aluguel, vivenciando diariamente um drama psicológico que parece não tem fim. A repactuação do acordo com as mineradoras deve garantir termos justos aos atingidos e ao meio ambiente”, afirmou o deputado.
Enfatizando o papel da comissão, de garantir que a voz dos atingidos na repactuação, o coordenador da comissão, ao final da audiência, destacou a importância do evento, bem como das demais atividades ao longo da bacia do Rio Doce, concordando com as críticas feita à atuação do Judiciário e ressaltando que, enquanto a reparação não chega aos atingidos, a Vale continua acumulando recordes de lucros. “Foi importante saber o que vocês [atingidos e atingidas] estão propondo, para que a gente possa defendê-los, né? Junto com vocês, junto ao Conselho Nacional de Justiça. Quero reiterar as críticas feitas à Justiça e nós comungamos com isso. Depois de seis anos e meio, no caso de Mariana, simplesmente a Justiça Federal tem arquivado tudo aquilo e tem que começar agora com recurso do Ministério Público. E, no caso de Brumadinho, simplesmente eles jogaram o caso, que já tinha três anos, ‘pra’ ser julgado na Justiça Federal, e tem um recurso ‘pra’ tentar trazer ‘pra’ Minas Gerais. Isso não é justiça, né? Tem que ser protelação e com certeza tem o dedo, ‘pra’ não falar outras coisas da Vale, que teve um lucro, esse ano, de R$146 bilhões, o maior lucro de toda a história! É a empresa que mais lucrou no Brasil, e isso mostra que precisamos saber com quem a gente ‘tá’ tratando, e a necessidade da nossa união e da nossa luta!”, declarou Rogério Correia.
Prometendo tomar providências imediatas no âmbito da comissão, decorrentes da diligência em Mariana, duas delas relacionadas às observações feitas no antigo Paracatu e no reassentamento, Helder Salomão, considerou que os objetivos foram alcançados. “Nessa oportunidade, creio que nós cumprimos o nosso objetivo aqui em Mariana, fazendo visita hoje lá em Paracatu de Baixo, depois na área onde estão sendo feitas as obras de assentamento daquelas famílias, além desta reunião aqui hoje, que nos deu muitas informações importantes. Vamos fazer um requerimento na comissão para a Renova sobre o assoreamento do córrego lá em Paracatu de Baixo e um outro requerimento nós assumimos quando visitamos a área do reassentamento. As famílias não sabem quando vão poder se mudar ‘pra’ lá, porque não tem nenhuma casa construída ainda. Nós visitamos hoje, tem 16 casas que estão em fase de construção e vimos um problema de uma movimentação de terra num talude por causa das chuvas que nós tivemos agora e nós vamos apresentar um requerimento cobrando prazos, querendo saber informações mais detalhadas. Nós já estamos há mais de seis anos e nenhuma casa foi construída ainda. Nenhuma! E eles estão ainda fazendo as obras de infraestrutura”, reclamou o deputado.
Helder Salomão também se comprometeu com mais uma reivindicação apresentada pelos atingidos e atingidas, durante a audiência pública, referente à burocracia para reconhecimento da situação de atingido e para cumprimento das decisões judiciais, manifestando a necessidade de união para que as vítimas do rompimento sejam ouvidas e atendidas em seus direitos. “O terceiro requerimento que nós vamos apresentar, é para que a gente cobre da Renova sobre essas exigências de documentação. Isso na prática é uma forma de ganhar tempo com a burocracia, para que o benefício não chegue à família. É preciso que o Governo de Minas, o Governo do Espírito Santo, a Renova, a Vale, a Samarco, a BHP, o CNJ, o Ministério Público saibam que nós não estamos brincando. Nós vamos ficar de olho. Esta comissão não pode tudo, os atingidos não podem tudo, mas se a gente estiver unido, a gente pode muito mais do que a gente já conseguiu até hoje. Então, vamos nos unir, vamos manter vigilância!”, convocou o relator da comissão.
Uma questão muito enfatizada na audiência, foi o suposto uso eleitoral dos recursos decorrentes da repactuação, em detrimento de atingidos e atingidas. A esse respeito, Leleco Pimentel, suplente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e representante da Comissão para o Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana, falou sobre as promessas de recursos da repactuação feitas a prefeitos da bacia do Rio Doce, citando o ex-prefeito de Mariana e o governador de Minas Gerais como os maiores beneficiários do uso político dos recursos da repactuação. “Nós estamos denunciando a utilização da possível repactuação pelos políticos que, ao avizinhar o processo eleitoral de 2022, tanto o governador Zema, que tem apresentado interesse em buscar os mais de R$100 bilhões, quanto também agentes locais que tem procurado prefeitos, vereadores dos municípios, prometendo valores astronômicos na casa de milhões de reais. E esta forma de agir em cima de recursos em que os atingidos sequer foram consultados, aqueles que tem o direito de serem reparados tanto naquilo que foram violados nos seus direitos humanos, quanto a própria bacia, que nós temos denunciado, que prefeitos e vereadores têm denunciado a presença do ex-prefeito [de Mariana], dizendo que estes milhões serão alocados [para os municípios]”, denunciou Leleco Pimentel.
Por mensagem de voz encaminhada à Agência Primaz, Duarte Jr., ex-prefeito de Mariana, rebateu a acusação de uso político, esclarecendo que a repactuação diz respeito a direitos coletivos, enquanto os direitos individuais são discutidos no Novel e na 1ª instância, na Comarca de Mariana. “Eu só quero dizer que ‘tô’ nesse processo desde 2015, e entendo e defendo sempre o interesse dos atingidos e dos municípios. Mas o importante é a verdade sempre prevalecer. Direito individual é discutido com o Doutor Mário [de Paula Franco Júnior], no Novel [Sistema Indenizatório Simplificado]. Direito coletivo é discutido na repactuação no CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. Não há um único tema em relação a direito individual sendo discutido na repactuação. Na repactuação é direito coletivo de municípios, estados e governo federal. Em termos de direitos individuais, nós conseguimos aí o Novel, nós conseguimos as indenizações, e também o direito individual é discutido na primeira instância, como tem feito aí um excelente trabalho o poder judiciário de Mariana. É uma pena que pessoas desinformadas, que não sabem qual o real sistema de buscar o justo direito das pessoas tentam, nesse momento, denegrir a minha imagem. Basta buscar e falar a verdade”, declarou Duarte Jr.
Para resolver essa questão, o relator da comissão anunciou a intenção de incluir no relatório um mecanismo de controle dos recursos que forem repassados aos governos estaduais e municipais. “Nós estamos pensando em incluir, no relatório, que o dinheiro que for para o Governo de Minas e para o Governo do Espírito Santo, que esse dinheiro não fique misturado com o dinheiro do Tesouro Estadual, que tenha um fundo específico ‘pra’ isso. A ideia é que a gente trabalhe com o CNJ a constituição de um fundo específico e que tenha um conselho ou uma comissão ‘pra’ fiscalizar a aplicação desses recursos”, prometeu Helder Salomão.
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Reivindicações e homenagem aos falecidos
Logo após a composição da mesa diretora da audiência, e ainda antes das manifestações das entidades, autoridades e atingidos e atingidas, foi prestada uma homenagem às pessoas das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e da zona rural que, mesmo tendo escapado do mar de lama, não vão conseguir viver nos reassentamentos. Mônica Santos entrou no local da audiência pública carregando uma coroa de flores fúnebres exibindo uma faixa com a mensagem: “Estão tirando nossas vidas. 81 não voltarão”, enquanto atingidos e atingidas cantavam alguns versos da música Anunciação, composição de Alceu Valença: “Tu vens, tu vens [Justiça] Eu já escuto os seus sinais”, enquanto portavam cartazes com reivindicações e denúncias (Veja galeria de imagens).
Em sua manifestação, Mônica Santos, que residia em Bento Rodrigues, destacou a morosidade da reparação, em especial quanto aos reassentamentos, lamentando as vidas que foram perdidas antes da realização do sonho de ver os reassentamentos concluídos. “Seis anos! A gente está caminhando ‘pra’ sete anos e o que que foi feito até agora? Quando a gente vai nessas visitas, a olho nu a gente consegue identificar problemas. Problemas esses que, quando elevado ‘pra’ Fundação Renova, a resposta que a gente tem é que, quando a empresa entregar a edificação, a gente vai fazer um checklist ‘pra’ entregar ‘pro’ atingido. Só que quando entregar, não vai ter mais tempo de fazer nada. Por quê? Porque o problema vem da estrutura, o problema vem da base. Se não for consertado a tempo, não adianta fazer maquiagem, não adianta! Maquiar, eles maquiaram a barragem. E o quê que aconteceu? A barragem rompeu. Então, essa coroa é ‘pra’ representar as 81 vidas que não voltarão para os reassentamentos. E a gente ainda não sabe quantas mais não voltarão”, declarou a atingida.
Aí, imagina, você já ‘tá’ com a dor de todo o processo, você ‘tá’ com a dor, porque não deve ser fácil ‘pra’ uma mãe perder um filho, e você ainda ter que passar com o corpo do seu filho debaixo da barragem que acabou com a sua vida, que acabou com toda a nossa história, que acabou com tudo (Mônica Santos, atingida de Bento Rodrigues)
Em declaração à reportagem da Agência Primaz, Mônica ainda reclamou da omissão da Fundação Renova em relação à manutenção da estada ao antigo distrito, obrigando a comunidade a atravessar a área da barragem de Santarém para conseguir velar os corpos dos falecidos na antiga igreja da comunidade. “Nossa comunidade está sem o acesso principal ‘pra’ chegar ao Bento desde as chuvas de janeiro. Mas não foram só as chuvas que causaram isso. Foram os caminhões com toneladas de pedras que passaram nela na construção do dique 4. Reparação na estrada é obrigação da Fundação Renova. E com as chuvas a estrada veio a ceder, não passa nada. Inclusive nós perdemos um morador nesse meio tempo, no dia 11 de março, e a gente teve que passar com o cortejo pela barragem Santarém, que é um acesso mais perto e que a gente conseguiu depois de muita luta, depois de muita procura, depois de implorar muito ‘pra’ gente não ter que dar a volta por Santa Rita, que são 30 e tantos quilômetros a mais. E não tem condição da gente passar na estrada de Camargos porque corre o risco da hora que a gente está passando ela ceder então a gente teve que passar pelo acesso com hora marcada e com batedor ‘pra’ fazer o translado. E esse morador, a mãe dele hoje ela está com 82 anos. Ela é uma sobrevivente da lama, ela quebrou o fêmur, ela ficou 45 no hospital João XIII, em Belo Horizonte. Aí, imagina, você já ‘tá’ com a dor de todo o processo, você ‘tá’ com a dor, porque não deve ser fácil ‘pra’ uma mãe perder um filho, e você ainda ter que passar com o corpo do seu filho debaixo da barragem que acabou com a sua vida, que acabou com toda a nossa história, que acabou com tudo”, desabafou.
Questionada sobre a possibilidade dos atingidos serem ouvidos e terem suas reivindicações atendidas na repactuação, Mônica demonstrou uma mistura de esperança e desilusão com as negociações. “Eu não acompanhei a fundo como foi o acordo em Brumadinho, mas eu conversei com pessoas que acompanharam, e assim, é um acordo que não foi nada em benefício para os atingidos. E aqui eu não vejo que vai ser diferente. A gente querendo ou não, a gente brigando ou não ‘pra’ participação, ele vai ser assinado. A gente tem que ter esperança, mas eu não tenho confiança de que alguma coisa vai ser feita em nosso benefício. Porque não precisava fazer uma repactuação, era só obrigar as criminosas a cumprir com o que foi acordado e [com] o que está homologado na Comarca de Mariana. Isso não vem acontecendo. Se isso estivesse acontecendo, [se] ela tivesse cumprindo com os acordos que já foram homologados, hoje eu não estaria aqui. Hoje eu estaria dentro da minha casa. (…) Não tem lei que obrigue ela a cumprir o acordo, ela cumprir o dever para o qual ela foi constituída. Aqui em Mariana o Doutor Guilherme [Meneghin] tenta. Mas tem alguém superior a ele, alguém superior que vai dar a palavra final, né? Eu tenho muita esperança que dê alguma coisa, que seja feita alguma coisa favorável à gente, mas eu acho que mais bonito seria, ao invés da repactuação, obrigar as empresas a cumprir com os acordos que já foram homologados”, finalizou Mônica.
Dedicada a Nossa Senhora Aparecida, a pequena igreja da localidade de Paracatu de Baixo, ainda com as marcas do mar de lama, continua sendo utilizada pelos moradores para velar seus mortos, mas já houve ocasiões em que isso foi feito no local da antiga quadra da escola local. De acordo com o relato de moradores do local, também em Paracatu de Baixo a Fundação Renova demonstra descaso com os atingidos, não realizando os serviços de desassoreamento do córrego que, no período de chuvas, inunda a antiga pracinha defronte á igreja, impedindo o acesso à mesma.
Na visita ao reassentamento (imagens na galeria abaixo), realizada no final da tarde de quinta-feira (24), após o encerramento do turno de trabalho, a comissão foi informada que apenas 16 casas se encontram em construção, assim como a escola da comunidade, com aproximadamente 95% da infraestrutura concluída.
Além do atraso das obras, o reassentamento preocupa por dois motivos. O primeiro, segundo Anderson Jesus de Paula, integrante da comissão de atingidos de Paracatu de Baixo, é a questão da água. A previsão é que o reassentamento seja abastecido unicamente por poços artesianos de um aquífero com água em plenas condições de potabilidade, mas sem uma avaliação precisa do volume disponível. O problema é que essa água, que terá um usto para os futuros moradores do local, também será utilizada para atividades de agricultura familiar e criação de animais, já que o local não vai dispor de uma fonte de abastecimento de água bruta, uma das reivindicações dos atingidos ainda sem resposta da Fundação Renova.
O outro ponto mencionado por a Anderson é a questão da sustentabilidade. O local escolhido para o reassentamento era uma fonte de renda da população de Paracatu de Baixo, no manejo de plantação de eucalipto e de manejo e colheita de café. Com a extinção dessa atividade, os futuros moradores temem pela própria subsistência, agravada pelo aumento de custos com energia, IPTU e outras taxas, já que o local vai passar a ser zona urbana. “Aqui antes era tudo plantação de café e eucalipto. Então as comunidades trabalhavam aqui colhendo café ou dando manutenção no café. A maior renda que a comunidade tinha daqui, era da época das colheitas. Hoje o reassentamento está nessa área. Então, não se pensou e não está se pensando numa geração de renda na entrega ou pós-entrega. Certo. Porque a pós-entrega também acaba com os benefícios, [auxílios], né? E não existe outra alternativa, vai ter que ir ‘pra’ sede ou ‘pra’ outras comunidades. Não se tem ainda nenhuma coisa definida sobre do quê que a comunidade vai viver depois, ou qual que vai ser a renda dela. Para agricultura familiar, vai ter um custo muito alto, visto que com você vai ter que pagar água e impostos que antes não tinha. Paracatu era um subdistrito. Então, ou você pagava ITR, ou em alguns casos não tinha metragem nem ‘pra’ isso. Aqui já vai ter um IPTU específico. E com o reassentamento, isso vai virar zona urbana. Vai ter um custo maior de iluminação, uma série de coisas, uns custos maiores que antes não havia, e isso vai ser repassado ‘pra’ produção, ou ‘pra’ dificuldade da produção”, finaliza Anderson.