- Mariana
Tarifa Zero completa um terço de seu período experimental em Mariana
Ônibus lotado é a principal reclamação dos usuários
- Alexandre Coelho, Yasmim Paulino e Luiz Loureiro
- Atualizado em: 14/04/2022 - 16:54
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Com a gratuidade do transporte público, ocorreram dois movimentos entre a população marianense. Inicialmente, um alívio financeiro para quem já tem uma renda baixa e convive com a necessidade de pagar para se locomover, ir trabalhar, estudar e outras atividades. Por outro lado, a quantidade de pessoas que utilizam os ônibus aumentou consideravelmente. Além disso, a prefeitura e a Transcotta, empresa contratada para o serviço, mantiveram as mesmas linhas e frota do contrato anterior.
Wellington do Carmo conta que a mudança veio para auxiliar a população de Mariana, principalmente quem antes não tinha condição de pagar o transporte público. Para quem já utilizava o ônibus com a tarifa, a partir da isenção houve um recurso a mais dentro de casa que foi distribuído em outras áreas, mas em contraponto, ficou ainda mais cansativo e estressante depender do transporte.
Um dos pontos mais comentados pelos moradores é a superlotação dos ônibus, que em horários de pico ficam abarrotados de gente. Entre as linhas mais disputadas estão o Rosário, Colina e Cabanas. Jucimara Magalhães pega o transporte público diariamente para trabalhar e desabafou em entrevista para a Primaz sobre as dificuldades encontradas após a implantação do Tarifa Zero: “Eu moro no Cabanas há quinze anos e o transporte coletivo não está ajudando os trabalhadores de forma alguma porque está todo mundo em pé”. Além da quantidade de pessoas que estão utilizando os ônibus ter aumentado, o número de carros não foi adaptado para receber a experiência do programa, assim como os horários e linhas. Jucimara ainda comenta que o valor financeiro que economiza não compensa o desgaste do acesso aos ônibus e muitas vezes conta com carros clandestinos para fazer o trajeto. “Para mim não mudou nada porque descontar sessenta reais meu, né? Tá sobrando dinheiro seu? Porque se passar um carro clandestino eu vou embora”.
Alguns moradores acreditam no potencial da iniciativa e acham uma boa ideia, mas não tem conseguido acesso ao transporte e acabam preferindo o modelo anterior, com a cobrança das passagens. Uma fonte anônima que frequenta a linha do Alto Colina comentou sobre os pontos positivos do programa: “Ah, mas com certeza ‘tá’ ajudando muito financeiramente. Mas do outro lado, assim, ‘tá’ atrapalhando um pouco, porque ‘tá’ descendo muito cheio. (…) Às vezes as pessoas saem para trabalhar naquele horário, não consegue às vezes chegar no horário certo porque está muito cheio, fica gente ‘pra’ trás”. Para os estudantes de Mariana, como Alessandro Júnior, aluno do curso de Serviço Social, que costuma pegar as linhas do Rosário ou Alto Colina para trabalhar e frequentar as aulas, a iniciativa foi muito bem recebida. “É muito mais fácil né? E ficou mais barato, né? Porque senão eu ia ter que gastar muito com passagem ‘pra’ poder subir e descer”. .
Outro ponto de vista importante é a situação dos moradores dos distritos que precisam de acesso ao transporte público. Assim como as linhas urbanas, os horários seguem os mesmos e o número de carros disponíveis também. Um desses casos é o de Marluce Helena, moradora do distrito de Cachoeira do Brumado, que possui apenas três horários de rota diários, às 5:50h, 8h e 13h, partindo de Cachoeira do Brumado e às 7h, 12h e 17h, saindo de Mariana. Apesar do alto valor cobrado pelas passagens para quem mora nos distritos, a agricultora contou que a proposta de gratuidade das passagens tem suas desvantagens. “Atrapalha muito ‘pras’ pessoas que precisam ir ao médico, que precisa de vim trabalhar, entendeu? Eu acho que atrapalha, eu acho que não precisava de ser passe livre, não. Se abaixasse o preço era melhor”, comenta Marluce.
Passe Livre pelo Brasil
A Prefeitura de Mariana não é a primeira a implementar um programa que garante a gratuidade do transporte público urbano. Desde setembro de 2015, foi promulgada a Emenda Constitucional 90/15 que institui o transporte como um direito social do cidadão, assim como educação e saúde. Essa mudança no texto constitucional revelou a urgência de discutir novamente a destinação de recursos extra tarifários ao setor de transporte público urbano. A gratuidade ou uma diminuição no valor das tarifas é viável na maior parte das cidades brasileiras, segundo um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), de 2019. Algumas localidades do nosso país que já implementaram um programa semelhante são: Potirendaba (SP), em 1998; Vargem Grande Paulista (SP); Paulínia (SP); Jaboticabal (SP); Agudos (SP); Holambra (SP); Macatuba (SP); Maricá (RJ), Volta Redonda (RJ), Porto Real (RJ), Silva Jardim (RJ), Ivaiporã (PR), Muzambinho (MG), Itatiaiuçu (MG), Mount Carmel (MG), Campo Belo (MG), Eusebio (CE), Anicuns (GO), Pitanga (PR), Pirapora do Bom Jesus (SP) e agora Mariana (MG).
Na Região dos Inconfidentes, Itabirito e Ouro Preto optaram, por implantar subsídio à tarifa, mediante recursos repassados diretamente às concessionárias locais do transporte público, evitando o reajuste do custo bancado diretamente pelos usuários.
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Poder público e concessionária
Em entrevista concedida à Agência Primaz, Tenente Freitas, titular da Secretaria de Defesa Social, lembrou que o programa Tarifa Zero vem sendo estudada por ele desde a campanha eleitoral de 2020, quando foi candidato a vice-prefeito, na chapa encabeçada por Newton Godoy. Segundo Freitas, isso permitiu que a proposta fosse implantada agora e, inclusive, que fosse colocada em execução experimental, para que fossem feitos os ajustes necessários antes da realização de uma licitação. “Durante a candidatura mesmo, a gente já estava estudando outras cidades, conhecendo como é que funcionava. Algumas coisas que aconteceram, a gente já imaginava que pudesse acontecer, e outras coisas que foram surgindo, que vão surgindo, que também a gente imaginava que pudesse surgir, algumas demandas, algumas situações… E que esses seis meses, inclusive que é o prazo que a gente estipulou ‘pra’ fazermos uma nova licitação, é exatamente o prazo também ‘pra’ gente fazer essas análises, né? Daquilo que foi positivo, do negativo, onde temos que mexer, como vamos mexer, se realmente valeu a pena, né?”, declara o secretário.
Mencionando especificamente a questão dos distritos, Tenente Freitas revelou que a única situação crítica aconteceu na linha que atende o distrito de Furquim, mas foi um caso isolado. “O primeiro momento, o que nós podemos dizer ‘pra’ vocês é que nós tivemos algumas surpresas, né? ‘Pra’ mim não foi surpresa não, mas teve gente, por exemplo, que achava que os distritos iam ter muitos problemas, dos ônibus ficarem lotados. Isso não aconteceu, tivemos uma situação ou outra. Houve um dia por exemplo que, na comunidade de Furquim o ônibus veio com 70 pessoas, um dia só. Então é algo esporádico e provavelmente pode ter sido um dia de pagamento, a pessoa vai receber, mas também é algo que a gente sabe que aos poucos vai sendo diluído pela própria população, porque a pessoa mesmo fala, ‘bom eu não tenho necessidade de ir hoje, eu posso ir amanhã, posso ir depois de amanhã. Porque foi exatamente só num dia, no outro dia o ônibus foi lá embaixo, né? Então é coisa que a própria sociedade e as pessoas vão acostumando com isso”.
O secretário afirmou que tudo está sendo feito para que a licitação seja lançada a tempo de ser concluída até o final do prazo do período experimental, ressaltando que, na sede do município, alguns importantes ajustes já estão sendo feitos. “A gente vem medindo essas questões de itinerário, de horário, o que precisa ser ajustado, o que nós necessitamos melhorar. Percebemos, por exemplo, que aqui na sede, os horários do Cabanas- Rosário Rosado era onde a gente tem mais demanda. Aí a gente teve que colocar mais horários. Nós estamos aumentando 26 horários, né? E todos os estudos estão sendo feitos nesse momento, porque nós temos uma licitação mais à frente, e tem algumas coisas que a gente tem que olhar com muita calma”, finalizou Freitas.
A Agência Primaz solicitou uma avaliação dos primeiros 60 dias de implantação do Tarifa Zero à empresa Transcotta, concessionária do transporte coletivo em Mariana, mas não obteve resposta até o momento da publicação desta reportagem.
Às 13h39, a Agência Primaz recebeu a seguinte manifestação da Transcotta:
“Entendemos, enquanto operadora do transporte coletivo urbano e distrital do município de Mariana, que o Tarifa Zero é um programa inovador e totalmente alinhado ao que preconiza a Constituição Federal, que a partir de 2015, incluiu o Transporte Coletivo como um direito básico do cidadão.
Durante os quase 75 dias de experiência do Tarifa Zero em Mariana, acreditamos que em grande parte o programa tem sido um sucesso, pois tem oportunizado a muitas pessoas, que antes não tinham condições de pagar pelo transporte, se deslocar para quaisquer partes da cidade, seja para o trabalho, estudo ou outras atividades.
Muitos pontos precisam ser ajustados para que o programa seja integralmente bem aproveitado por todos, como por exemplo, ajustes pontuais em algumas linhas e horários, seja através da inserção de mais veículos, seja através de alteração nos horários e trajetos. Para tanto, é fundamental que poder público, concessionária e usuários estejam em constante diálogo, buscando assim o modelo mais adequado para o sistema.
Algo que esperamos e acreditamos para um futuro próximo é que, de uma forma natural, as pessoas comecem a se adequar melhor ao sistema de mobilidade urbana da cidade, entendendo melhor a sua dinâmica, conscientizando-se cada vez mais sobre a importância de utilizar de forma correta este benefício, com ações simples que vão desde a maneira segura de se adentrar nos veículos (pela porta da frente), passando por outros pontos como utilizar o transporte nos horários fora do pico, caso não tenha necessidade de utilizá-lo nos horários de pico, além de outras questões relacionadas ao bom uso deste importante programa.
Por fim, o modelo adotado pela prefeitura proporciona o equilíbrio econômico-financeiro da operação, o que é imprescindível para garantir a continuidade dos atendimentos com segurança e regularidade, permitindo ainda a melhoria contínua do sistema”.