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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Semana Santa, em Mariana, tem retorno de manifestações tradicionais

Com a retomada das celebrações presenciais, Procissão da Almas e tapetes devocionais voltam a encantar moradores e turistas

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Fotomontagem: Luiz Loureiro/Agência Primaz
Madrugada do Sábado de Aleluia e manhã do Domingo de Páscoa, em Mariana, são movimentadas com o retorno da Procissão das Almas e confecção de tapetes devocionais, respectivamente. Sem a realização das celebrações nos últimos dois anos, devido à pandemia, a Procissão das Almas iniciou seu cortejo na Rua Dom Silvério, em frente à Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, aos primeiros minutos da madrugada do Sábado de Aleluia, percorrendo a seguir algumas ruas do Centro Histórico. Na manhã do Domingo de Páscoa, artistas plásticos e voluntários, entre os quais turistas, já se mobilizavam para a confecção dos tapetes para abrilhantar a procissão da Ressurreição, marcada para o final da tarde.

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Procissão das Almas

A tradicional Procissão das Almas, ou Procissão do Miserere, é a encenação de duas lendas do folclore marianense. Vestidos com túnicas e capuzes brancos, os integrantes carregam velas e ossos nas mãos, alguns com crânios, acompanhados pela caracterização da Morte, portando uma enorme foice. À frente do cortejo, uma cruz coberta por um pano preto e, no final, um bumbo e músicos, para a execução da marcha fúnebre.

Cruz coberta com pano preto, abre o cortejo da Procissão das Almas – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

A primeira lenda refere-se a Maricota de Todos os Santos, moradora do bairro São Gonçalo, que se fechava em casa durante o dia e, à noite, punha-se à janela, para no dia seguinte relatar aos quatros ventos tudo que havia visto.

Na noite de uma Sexta-feira da Paixão, presenciou uma procissão, com figuras sem rostos vestidas de negro, carregando velas e seguindo uma cruz negra, que abria o cortejo. Um dos participantes aproxima-se dela e pede para guardar uma vela. Na manhã seguinte Maricota procura a vela, mas encontra um osso de canela humana. Desmaia, chamam o padre e o médico, mas Maricota havia morrido.

Uma segunda versão fala de uma senhora que cuidava de tudo na igreja local, lá permanecendo dia e noite, apelidada de “Barata de Igreja”. Quando foi substituída por uma jovem fazendeira local como secretária nas reuniões pastorais, arquitetou um plano para desmoralizar a honesta jovem, noiva de importante figura local.

Divulgou na localidade que a moça era mula sem cabeça, ou seja, namorada do padre. Como o boato não surtiu efeito, intensificou o ataque. Pegou os sapatos velhos do padre e colocou-os à noite sob a cama da moça. Assim conseguiu então seu intento: o pai expulsou a jovem de casa e o noivo desfez o casamento. Desiludida, a bela jovem transformou-se em peregrina, vivendo ao relento.

Quando voltou ao lugarejo, abatida pela falta de alimentação, não foi reconhecida. Bateu à porta de uma casa e pediu água. A caridosa alma que a atendeu, encontrou-a morta quando voltou com o copo d’água. Segundo o costume do lugar, foi velada na igreja, como acontecia com qualquer pessoa estranha. À noite, a Barata de Igreja chegou ao velório e é surpreendida pela defunta que se levanta do caixão e acusa: “Está aqui entre nós quem me caluniou! Quem me matou!“. A velha caluniadeira sai correndo para se confessar, recebendo como penitência recolher as penas de todas as aves abatidas pelos moradores do município de Mariana. Tarefa cumprida, recebe do padre nova incumbência: levar os balaios de pena para o alto do Morro do Galego, esperar um vento forte espalhar as penas e aí catar tudo de novo, pena por pena. Por essa razão, na noite de Sexta-feira da Paixão ouve-se o caminhar de uma mulher resmungando: “Balaio de pena pesado“.

A última vez que a Procissão das Almas havia acontecido em Mariana foi em 2019. No ano seguinte, devido à pandemia, as celebrações não contaram com atividades presenciais de rua, e a Agência Primaz publicou a reportagem “Nenhuma alma viva na rua este ano”, assinada por Lui Pereira.

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Tapetes devocionais

Há alguns anos, ainda durante o arcebispado de Dom Geraldo Lírio, a Procissão da Ressurreição passou a acontecer na tarde do Domingo de Páscoa, ao contrário do que acontece em cidades com forte tradição de celebrações da Semana Santa, como Ouro Preto, por exemplo. A partir daí, a confecção dos tapetes devocionais passou a ser feita na manhã do próprio Domingo de Páscoa, e não mais na madrugada, sob a responsabilidade dos artistas da Associação Marianense de Artistas Plásticos (AMAP), com apoio da Secretaria Municipal de Patrimônio Histórico, Cultura, Turismo e Lazer.

O que não mudou foi a etapa de preparação e concepção dos tapetes, envolvendo aproximadamente 20 associados da AMAP. A Agência Primaz acompanhou os preparativos a partir da quinta-feira (14), quando foi feito o tingimento da serragem utilizada na confecção dos tapetes.

Rodrigo Silva, “pilotando” a betoneira para tingimento da serragem – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

De acordo com Geraldino da Silva, pintor e presidente da AMAP, a confecção artística parte de eventuais recomendações da Secretaria de Cultura e da Paróquia, mas, normalmente, fica a critério dos artistas, obedecidas as particularidades do significado religioso da celebração. “Geralmente a gente acompanha um pouco a orientação da Igreja e da Secretaria. A gente procura não fugir tanto do tema, mas a gente também costuma colocar uns temas atuais, igual eu coloquei um tema da pandemia, do acolhimento, né? Então a gente costuma colocar uns temas atuais, mas a gente sempre procura seguir a tradição dos tapetes mesmo, sem fugir muito do tradicional”, afirma o artista”.

O artista Rodrigo Silva era o “piloto de betoneira”, durante o processo de tingimento da serragem e explicou como é o processo, dizendo que tudo parte da experiência anterior, ajustando o processo a cada ano. “Sim é pela experiência mesmo anterior, né? A gente já tem as cores definidas, são em média de seis a sete cores, ‘pra’ dar uma diversidade interessante, né? A gente aluga a betoneira durante a semana, porque tem um rendimento bom. Antes espalhava [a serragem] em uma lona grande e jogava a tinta. Mas foi em 2010 que a gente começou a usar a betoneira”, esclareceu Rodrigo.

Auxiliando na tarefa de tingimento, Salvador e Maria, também associados da AMAP, falaram à Agência Primaz sobre o processo criativo dos tapetes devocionais. “Isso aí vai muito assim da criatividade de cada artista, né? É lógico que, com o tempo, com a experiência, a gente vai tendo uns modelos, alguma coisa assim. Mas normalmente muda, durante cada evento muda alguma coisa, ‘pra’ não é ser uma coisa mecânica, tem uma criatividade em cima disso”, declara o pintor Salvador Paixão, desde menino interessado no processo de confecção dos tapetes.

Original de São Domingos do Prata, Maria, escultora em madeira, veio para Mariana em 2001, e passou a se dedicar à arte em 2014. Participando pela primeira vez da atividade, Maria esclarece quais os materiais utilizados, como a associação os consegue e como é a dinâmica de execução propriamente dita dos tapetes. “A gente usa basicamente serragem e areia. A serragem a gente pede “pra’ marcenarias, eles juntam e a gente vai lá, leva sacolas e busca. A gente usa areia também e, na hora da confecção, a gente monta equipes e divide os espaços das ruas, contando também com voluntários que nos ajudam, mas já com os desenhos já predefinidos”, afirma a escultora.

Geraldino da Silva, presidente da AMAP, comandando a confecção dos tapetes – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Na manhã de hoje (domingo, 17), Geraldino, Salvador e Rinaldo Urzedo, três dos mais experientes membros da AMAP, entre outros, revezavam-se ao longo da rua Josafá Macedo e da rua Direita, fazendo desenhos e orientando os demais artistas e voluntários sobre as escolhas de cores e utilização dos gabaritos de ferro utilizados para os grafismos dos tapetes.

Ao final dos trabalhos, pouco mais de uma hora antes do horário da procissão, a extensão total das duas ruas já estava coberta pela arte tradicional, como pode ser visto na galeria abaixo.

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