- Mariana
Prisão de Jorge Egito, em regime fechado, pode ser reduzida para menos de 10 anos
Legislação prevê progressão para regime mais brando, desde que cumpridos requisitos de prazo e de bom comportamento
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“Ante todo o exposto, condeno JORGE MOREIRA DO EGITO (…) a pena definitiva de 58 (cinquenta e oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1.755 (um mil e setecentos e setenta e cinco) dias multa (…). Nego ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade, por entender que ainda estão presentes aos requisitos do artigo 312 do CPP [Código de Processo Penal], notadamente para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal”.
Os trechos acima foram extraídos da sentença proferida pela Juíza de Direito de Mariana referente ao processo nº 0003184-56.2021.8.13.0400, proposto pelo titular da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana, Dr. Cláudio Daniel Fonseca de Almeida, com denúncia de 30 crimes tipificados como estelionato, além de outras infrações ao Código Penal. De acordo com a denúncia, Jorge Egito, “no período de julho de 2019 a março de 2021, pessoalmente e por meios eletrônicos, na comarca de Mariana e região, obteve, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo e mantendo em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, 30 vítimas relacionadas na denúncia, além do ex-prefeito de Mariana, Duarte Eustáquio Gonçalves. A denúncia informava, ainda que a prisão preventiva de Jorge havia sido decretada, cumprida no exterior, culminando na entrega do denunciado às autoridades brasileiras em 18 de novembro de 2021, depois de concluído o processo de extradição.
Na sentença, a magistrada relata que “o acusado, ao ser interrogado, confessou os fatos narrados na denúncia e afirmou que agiu de má-fé, pois induziu em erro os seus ‘clientes’”, além de declarar que “não prometeu às vítimas o retorno do investimento, mas garantiu no mínimo a devolução dos valores originariamente aplicados”. Também constas da decisão as declarações de Jorge Egito relacionadas à perda de “grandes valores na bolsa de valores”, confirmando que “tem aplicações em Bitcoins [criptomoeda] e que tem intenção de ressarcir as vítimas, mas não sabe como”, mas também reconheceu ter feito maquiagem dos dados apresentados às vítimas, mediante falsificação do aplicativo “Valor Real”.
Declarando-se arrependido, Jorge declarou que pretende “negociar com as vítimas para ressarci-las do prejuízo”, afirmando ainda que sua ex-namorada “tem acesso à carteira de aplicação em Bitcoin, possuindo ainda euros em espécie e joias”.
Cálculo da pena
A sentença da Juíza Cirlaine Maria Guimarães, além de negar o pedido da defesa para que Jorge Egito pudesse recorrer em liberdade, também acolheu a tese do Ministério Público de afastamento da continuidade delitiva, entendendo que as acusações contra o réu não poderiam classificar sua conduta como crime continuado, ou seja, como a situação em que os crimes subsequentes, a cada nova vítima fossem uma continuidade do primeiro. “Dessa forma, no caso em apreço, uma vez constatada a habitualidade criminosa pelo agente, incabível o reconhecimento da continuidade delitiva, devendo ser aplicada a regra do concurso material de crimes, quanto aos crimes de estelionato na forma consumada e tentada”, escreveu a magistrada, negando ao réu a possibilidade de uma pena inferior.
Com isso, o cálculo da pena foi feito a partir da acumulação das penas a cada um dos 29 estelionatos praticados, somada à pena estipulada para a situação de uma única vítima, em que o crime foi considerado tentativa de estelionato. De forma pormenorizada, para cada uma das 30 vítimas incluídas no processo, a juíza partir da pena de dois anos e meio e 90 dias-multa, reduzidos para dois anos e 60 dias-multa, em virtude do atenuante produzido pela confissão espontânea do réu. Entre os 29 crimes de estelionato praticado atribuídos a Egito, a exceção foi a pena referente a uma das vítimas, cuja pena foi estabelecida inicialmente em um ano e meio, com 50 dias-multa, com redução para um ano de reclusão e 30 dias multa, enquanto o crime de tentativa de estelionato resultou em pena de 1 ano de reclusão e 45 dias-multa, totalizando os 58,5 anos de reclusão e 1.755 dias-multa que, considerando o atual valor do salário-mínimo, representa quase R$71 mil. Entretanto, caso não houvesse a confissão, a pena chegaria a 74 anos de reclusão, acrescida de 2.630 dias-multa (aproximadamente R$106 mil).
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Recursos e progressão de regime
A decisão da Juíza da Comarca de mariana, ainda não é definitiva, cabendo a interposição de recursos, ainda na 1ª instância, quanto em instâncias superiores, ou seja, ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, até mesmo, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nessa série de possibilidades, a sentença original pode ser confirmada, pode ter as penas alteradas, podendo, até mesmo, sob determinadas circunstâncias, ser anulada. Fontes da área jurídica ouvidas pela Agência Primaz informaram, sob condição de anonimato, que não veem condições para anulação da sentença de 1ª instância, que acham pouco provável que a matéria chegue ao STF e que é sim possível uma redução pelo menos da pena de reclusão. Neste último caso, porém, admitem que é possível a interposição de recurso pelo Ministério Público.
Nossa reportagem conseguiu o nome e o número do advogado de defesa de Jorge Egito, mas nossas ligações não foram atendidas.
Em outra vertente, nossas fontes também esclareceram alguns aspectos relacionados ao cumprimento da pena em regime fechado. De acordo com a legislação brasileira, o cumprimento de pena em regime fechado não pode ultrapassar 40 anos, mas o tempo total de condenação é importante para a aplicação do princípio de progressão de regime. Assim, os 58 anos e meio estabelecidos na Comarca de Mariana são utilizados para o cálculo do tempo mínimo de cumprimento da pena em regime fechado, estabelecido em 16% ou 25% desse total (critério objetivo) para a passagem ao regime aberto ou semiaberto, a critério do Juiz de Execução Penal, cumprida ainda a exigência do critério subjetivo, ou seja, à obtenção de atestado de bom comportamento, fornecido pelo diretor do estabelecimento penal no qual o réu esteja cumprindo a pena.
Na hipótese de não haver recurso da sentença de 1ª instância, ou de não haver redução da pena em função de eventuais recursos, por ser considerado réu primário, Egito poderia pleitear a progressão de regime depois de cumprir nove anos, quatro meses e dez dias (16% da pena total, por ser considerado réu primário). Mas esse tempo ainda poderia ser reduzido caso ele venha a exercer algum tipo de trabalho, faça cursos ou desempenhe qualquer uma das atividades consideradas como alternativa de redução de tempo de reclusão previstas na legislação. De acordo com uma de nossas fontes da área, é bastante provável que Jorge Egito cumpra apenas seis ou sete anos em regime fechado.
Vítimas
Assim como foi feito na reportagem Jorge Egito acusa ex-prefeito de Mariana, Duarte Jr., de contratar matador de aluguel para evitar divulgação de supostos crimes, publicada em 09 de abril de 2021, a reportagem da Agência Primaz tentou fazer contato com algumas das vítimas do caso. Desta vez, somente uma concordou em fazer algumas declarações, mas com a condição de não ter seu nome divulgado, alegando ser “humilhante” sua exposição, somada a todo o seu sofrimento e prejuízo que sofreu. Questionada sobre a condenação de Jorge, a vítima afirmou que isso é só uma parte da questão, mas considera que a Justiça é “hipócrita e incompetente”, uma vez que não conseguiu encontrar o dinheiro e “não moveu um dedo para encontrar a tal Vanessa, ex-namorada do Jorge”, que segundo o próprio réu, teria acesso ao dinheiro aplicado em bitcoins.
Nossa fonte afirmou, ainda, que não tem esperanças de ser ressarcida dos prejuízos, que está “tentando tocar a vida” e coloca a questão “nas mãos de Deus”. Mas mostrou-se indignada com a possibilidade de Jorge cumprir apenas uma parte da pena e depois usufruir do dinheiro que tirou dela e de outras vítimas.
A Agência Primaz conseguiu identificar um advogado que atua no processo representando três vítimas. Também sob condição de anonimato, ele informou que a legislação brasileira não tem mecanismos para rastreamento e bloqueio de dinheiro aplicado em bitcoins. Além disso, segundo ele, a aplicação mencionada por Jorge não deve ser vultuosa, uma vez que a prisão se deu quando houve uma tentativa de golpe em um hotel em Portugal. “Era coisa pequena, talvez uns 500 euros. Se ele [Jorge] tivesse mesmo muito dinheiro aplicado, por que razão daria um golpe tão pequeno?”, questionou o advogado.
Em relação a Vanessa, o advogado informou que há um procedimento investigatório em curso, mas que não saberia dar informações mais detalhadas, uma vez que isso é um assunto sigiloso. Ele também acredita que é possível uma redução da pena de reclusão de Jorge em instâncias superiores, mas informou que o réu ainda deverá responder a outros processos, na esfera federal, como de evasão de divisas (dinheiro levado para fora do país, sem a devida declaração), por exemplo.
Outros processos
O chamado “Egitogate” não se restringe apenas ao processo no qual Jorge Moreira do Egito foi condenado a 58 anos e meio de prisão. Como relatado em uma das reportagens publicadas pela Agência Primaz em abril do ano passado, Jorge Egito protocolou notícia-crime na 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mariana acusando Duarte Eustáquio Gonçalves Júnior, ex-prefeito de Mariana, de contratar matador de aluguel para atentar contra sua vida. A denúncia também mencionava que Duarte Jr. teria cometido os crimes de ocultação de bens e valores, bem como de falsidade ideológica, neste último caso por ser o verdadeiro dono da empresa Indaiá Turismo e Transporte Ltda, na qual Anderson Ferreira Guimarães atuaria como laranja de Duarte Júnior.
Na mesma reportagem consta a informação da tentativa de Anderson para “efetivo bloqueio de valores em conta bancária de titularidade da ré, expedição de Ofício à B3, determinando o bloqueio dos investimentos, liquidação das ações e depósito judicial do valor correspondente ao devido à autora [Indaiá Turismo]”, além de “expedição de Ofício à B3, requisitando informações acerca das transações realizadas pela empresa ré [Jorge Egito – Intermediações] no período de 17/12/2020 em diante”. A solicitação, entretanto, foi negada pela Juíza Cirlaine Guimarães, que determinou a realização de audiência de conciliação não presencial, por videoconferência, através de chamada de vídeo de WhatsApp.
O procedimento investigatório criminal, instaurado pelo Dr. Cláudio Daniel Fonseca de Almeida, da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana, foi posteriormente remetido a Belo Horizonte, tendo sido desenvolvido com o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO).
Ainda no dia 09 de abril de 2021, publicamos a reportagem Duarte Júnior desmente ameaça de morte e expõe trama para tentar impedir fuga de Jorge Egito, contendo as declarações do ex-prefeito em entrevista concedida à Agência Primaz e ao jornal O Espeto.
Em 24 de janeiro deste ano, depois de várias investigações, incluindo captura de mensagens e informações dos celulares, pedidos de registros em redes sociais e, até mesmo, quebra de sigilo telefônico dos envolvidos, toda a documentação do procedimento investigatório criminal foi remetido à Juíza da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Mariana. No documento de encaminhamento, assinado pelo Dr. Cláudio Almeida e pelo Promotor de Justiça Gabriel Pereira de Mendonça, é feito um resumo de todo o procedimento realizado, requerendo o arquivamento por falta de elementos que confirmassem as denúncias. “Diante do exposto, o Ministério Público requer o arquivamento do presente procedimento investigatório instaurado em desfavor de Duarte Eustáquio Gonçalves Júnior e Anderson Ferreira Guimarães em virtude da inexistência de comprovação da ocorrência de fato típico”, finalizam os promotores no documento “Promoção de Arquivamento”, cuja solicitação foi recentemente acatada pela Dra. Cirlaine Guimarães.