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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Mulher denuncia agressão policial no bairro Piedade, em Ouro Preto: “Me trataram como um animal”

Integrante do 52º Batalhão da Polícia Militar foi acusado de agressão e abuso de poder contra uma mulher de 50 anos, moradora do bairro Piedade, em Ouro Preto.

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Marca nas costas de Valdirene após a suposta agressão - Foto: Valdirene do Pilar/via WhatsApp
Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Ouro Preto recebeu, nesta terça-feira (03) a denúncia de suposta violência policial cometida por integrante do 52º Batalhão da Polícia Militar contra Valdirene do Pilar Magalhães, moradora do bairro Piedade, em Ouro Preto, depois de abordagem relacionada a uma ocorrência de perturbação da lei do silêncio. Valdirene terá acompanhamento da subseção de Ouro Preto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o caso será encaminhado à Corregedoria da Polícia Militar e à Secretaria Municipal de Governo, uma vez que a denúncia inclui também um suposto desrespeito cometido por integrante da Guarda Civil.

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Na noite do dia 24 de abril, por volta de meia noite, Valdirene do Pilar Magalhães foi abordada por um policial chamado Thiago, devido a uma denúncia de som alto vindo de sua residência. De acordo com ela, foi pedido que o volume do som fosse diminuído, o que foi feito. Porém, a mulher conta que, aproximadamente 20 minutos depois, o militar retornou à sua casa e deu chutes em sua porta. Segundo Valdirene, quando a porta foi aberta, ele a agrediu, levando-a até onde estava o som e torcendo seu braço. Em seu depoimento, a mulher disse que o policial desligou o som pela tomada e continuou torcendo seu braço. Em seguida, ele teria jogado a senhora no chão e a pisado em suas costas.

Eu falei para ele não desligar assim, porque ele poderia queimar o meu som e que se queimasse ele iria pagar. Ele disse ‘você está falando demais’, me jogou no chão, torcendo o meu braço e pisou nas minhas costas. Eu perguntei porque existia a Lei Maria da Penha e se não havia uma policial mulher para fazer isso. Ele voltou a falar ‘você está falando demais’. Fui algemada e o Thiago não me deixou vestir a blusa, tive que ir até o carro da polícia de sutiã”, relatou Valdirene.

No depoimento, a mulher contou que Thiago estava acompanhado de outros dois policiais, que não encostaram nela, mas um a xingou bastante e o outro a tratou com educação, chegando até a abrir a porta do carro para que ela pudesse entrar. Thiago, entretanto, teria feito questão de que ela fosse levada no camburão. Valdirene conta que disse a Thiago que o odiava e ele teria a respondido dizendo: “Você não é a única”. Valdirene relata que chutou a porta do camburão por revolta com a situação.

A moradora do bairro Piedade foi encaminhada até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Ao sair do camburão, Valdirene não viu mais Thiago e o “policial educado” pediu para que ela vestisse a blusa para ser atendida. Depois de uma certa resistência, ela vestiu. A mulher contou que a médica a examinou, perguntou o que estava acontecendo e se fazia uso de drogas, o que revoltou Valdirene. “Eu perguntei a ela: ‘Eu tenho cara de drogada?’”. A médica, então, explicou que estava apenas exercendo o seu trabalho e, dando prosseguimento ao atendimento, foram colhidas informações sobre os remédios que Valdirene toma, tendo sido constatada uma pequena lesão nas costas da paciente, segundo o depoimento da possível vítima. Depois do rápido atendimento, a mulher assinou um papel, mesmo sem enxergar pela falta dos óculos. “Do jeito que ela falou comigo, eu parecia uma drogada, eu não mexo com droga, só vejo pela televisão. Sou mãe de família e não devo nada. Assinei tudo torto, pois estava chorando, muito nervosa e sem óculos Então, fui embora pelo camburão mais uma vez”, contou Valdirene.

Segundo o depoimento da suposta vítima, o carro fez uma parada em um lugar onde ela nunca esteve, descrevendo o local como um pátio escuro. Foi pedido por um dos policiais para que ela deixasse o camburão. A mulher contou que entrou em um estabelecimento, onde esperou por quase uma hora, sentindo frio, sede e vontade de ir ao banheiro.

Depois de tudo isso, eu cheguei na delegacia e fiquei lá até no outro dia, morrendo de frio, esperando um delegado. Chorei a noite inteira. Quando foi 7 e pouca da manhã do outro dia, eu pedi para fazer um telefonema e, após a permissão de um dos policiais, liguei para o meu ex-marido. Com meia hora ele chegou com uma blusa para mim. Eu e meu marido somos ótimos amigos. Estamos separados há três anos, mas tudo que eu preciso, ele atende, não me deixa faltar nada. Tudo o que eu preciso é com ele”, continuou a moradora.

Imagens enviadas por Valdirene do Pilar à Agência Primaz, mostrando as marcas dos chutes atribuídos ao policial

Guarda Civil

Valdirene também relatou que, em determinado momento, uma guarda civil chamada Márcia, que a conhece há anos, apareceu na delegacia e a perguntou o que estava fazendo ali. Quando um policial se aproximou, ela teria começado a “fazer graça”, dizendo que o que Thiago havia feito foi pouco, pois se fosse ela, teria até a pegado pelo cabelo. “Eu falei com ela que a gente iria ‘desembolar’ então”, contou.

Outras “gracinhas” também teriam sido feitas por essa guarda, chegando a perguntar se Valdirene havia ligado para seu ex ou atual. “Eu disse que não tinha nenhum homem mais. Não quero homem na minha vida, liguei para o meu ex”, respondeu Valdirene. No prosseguimento do diálogo, a guarda civil teria perguntado sobre a existência de alguma medida protetiva contra Valdirene, o que impediria a entrada dele na delegacia. “Ele disse que não, que tem apenas intimação”, respondeu Valdirene, acrescentando que se ele “tivesse colocado a mão em mim alguma vez, eu metia ele na cadeia. Sou mãe de família, não devo nada. Sigo minha vida corretamente e sigo todas as regras. Sou gente, não sou bicho. Me trataram como um animal”, afirmou.

O ex-marido da suposta vítima comprou café e remédios para ela, pois ela se apresentava muito nervosa e agitada e, segundo Valdirene, foi liberada pelo delegado por volta de 8h. No depoimento da moradora, consta que o policial Thiago é mal falado por outras pessoas na cidade, mas que muitos não têm coragem de falar. Ela teme por seu filho que, segundo ela, é usuário de drogas e já teve problemas com o militar. “Eu não estou conseguindo dormir desde então, não estou comendo nada e minha saúde piorou. Estou virando chacota dos outros. Se eu estivesse com algum homem lá, ele não faria isso, é muita covardia”, finalizou o relato.

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Posicionamento da Polícia Militar

O Cadete Aguilar, do 52º Batalhão da Polícia Militar esclareceu que todas as denúncias que chegam até a corporação são devidamente apuradas em inquéritos e processos administrativos. “Se for crime de um militar, a própria Polícia Militar investiga, o que é o caso. As consequências, em caso de comprovação, serão feitas dentro da legalidade. Se for comprovado, haverá um processo administrativo que está sujeito a várias sanções de acordo com cada caso. São vários fatores que entram no caso. Se for considerado crime, será remetido ao Judiciário, na Justiça Militar. Existem vários tipos de sanções previstas, desde advertência até demissão”, explicou à Agência Primaz.

Cadete Aguiar afirmou que há três “Thiagos” no 52º Batalhão da Polícia Militar e que não saber exatamente qual deles Valdirene se refere.

Encaminhamentos

Elisa Ibraim é advogada e compõe a Assessoria Jurídica da Câmara de Ouro Preto. Ela explicou que o depoimento de Valdirene deve ser encaminhado para a corregedoria da Polícia Militar, bem como para o Ministério Público, para apurar os possíveis abusos e excessos de autoridade. Não há Defensoria Pública na Cidade Patrimônio, mas há a assessoria jurídica vinculada à Prefeitura Municipal que pode atendê-la. “Ela deve procurá-la para tentar uma eventual indenização por esses abusos de ser algemada só de sutiã e tudo mais”, disse.

Valdirene também teve o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio do advogado Lucas de Assis, que se comprometeu a orientá-la e se dispôs a levar o depoimento da mulher para uma comissão responsável, a fim de pressionar o poder Judiciário.

Lucas também levantou uma possível diferença nos procedimentos adotados pela Polícia Militar quando se trata de volume de som e a Lei de Perturbação do Sossego. “Normalmente, costuma-se, primeiro, o pessoal da fiscalização faz uma análise com o decibelímetro para ver o valor que está excedendo o limite do volume do som, avisam que, caso haja algum incidente, que voltarão depois de um determinado tempo, junto com a presença policial, para aplicar a multa e, em último caso, apreender o som. Mas desde o primeiro momento (no caso de Valdirene), foi apenas a Polícia Militar que compareceu e sem prova de que o volume excedia o limite da perturbação do sossego. O que me preocupa são os diferentes procedimentos sendo aplicados em diferentes locais”, disse.

Valdirene procurou a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Ouro Preto, formada pelos vereadores Wanderley Kuruzu (PT), Luciano Barbosa (MDB) e Reginaldo Tavico (Republicanos). Após uma reunião em conjunto na manhã desta terça-feira (3), a comissão pediu para que o depoimento da moradora seja encaminhado, também, ao secretário de Governo de Ouro Preto, Yuri Borges Assunção.

Primeiro, queremos trazer os casos à tona, dando a maior publicidade possível ao caso. Essa é a orientação dos especialistas em direitos humanos, no sentido de inibir qualquer retaliação por parte do denunciado. Não há o que a Câmara possa, por si só, resolver. É pressionar os órgãos competentes. Já falei com o comandante da polícia daqui por conta do temor da senhora, por sua própria integridade física e do filho dela, que foram falados na reunião. A Valdirene tem o conhecimento de que o policial em questão está envolvido em outros casos, mas que as pessoas temeram. A vinda dela aqui pode encorajar. Se vier mais pessoas, faremos uma Audiência Pública e chamar, inclusive, o comandante da polícia, o próprio policial, caso ele queira comparecer e acionar a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia”, explicou o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Wanderley Kuruzu.

Veja um vídeo gravado no dia 26 de abril, enviado por Valdirene do Pilar à Agência Primaz, mostrando marcas da suposta agressão policial:

A Agência Primaz também conversou com o secretário de Defesa Social de Ouro Preto, Juscelino Gonçalves, que explicou em quais frentes a pasta poderia auxiliar Valdirene. “Quando há algum abuso de poder ou denúncia por parte da Guarda Municipal, que é um órgão do Município, temos a autonomia para instaurar um procedimento administrativo e fazer o inquérito. No caso de Polícia Militar, Bombeiros e Polícia Civil, que são órgãos do Estado, nós não temos ingerência. O que podemos fazer é provocar o diálogo, sobretudo com os comandantes e responsáveis, solicitando a eles que nos dê informações, o que é um pouco o que a Câmara também faz”, explicou.

Juscelino complementou informando que, no caso da suposta ação da guarda civil Márcia, se Valdirene entender que faz sentido a denúncia, que será instaurado um processo administrativo para apurar, seja inquérito policial ou sindicância. “Uma denúncia contra a Guarda Municipal pode ser feita aqui na secretaria ou na própria Guarda Municipal, para que se instaure um inquérito para avaliar se realmente houve isso, quais são as circunstâncias e os agravantes”, finalizou.

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