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Hoje é segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Dia da Luta Antimanicomial é marcado por reivindicação de tratamento digno

Em Mariana, o dia foi celebrado nessa quarta (18) com atividades recreativas no Jardim e um cortejo que seguiu até o CAPS.

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Cortejo saiu da Praça Gomes Freire acompanhado da banda do CRIA - Foto: Karla Rezende/ Agência Primaz
O 7º Seminário de Saúde Mental em Mariana, que aconteceu nesta última quarta-feira, teve como tema “Desmascarando a hipocrisia: loucura é verso, é liberdade, poesia”. A ação foi alusiva Dia Nacional da Luta Antimanicomial que foi celebrado com uma programação de duas etapas destinada a pacientes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do município, profissionais da área de Saúde Mental e comunidade. Após o encerramento do seminário, um cortejo percorreu algumas ruas da cidade, acompanhado de banda, e com participantes portando cartazes reivindicando direitos ainda não atendidos na legislação.

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Na abertura do evento, no Cine Theatro Municipal (antigo SESI), os profissionais de saúde deixaram explícita a importância de lembrar e celebrar este dia. “Essa ideia do dia 18 de maio como o Dia da Luta Antimanicomial, é uma luta de ideias, luta de transformação cotidiana de uma sociedade mais inclusiva. Para a loucura mais diversa, onde cabe todos nós. Então é difícil a gente pensar numa luta Antimanicomial que acontece só dentro dos serviços da rede de atenção psicossocial porque é uma forma diferente da gente relacionar com a diferença, apontou Adelina Barbosa, psicóloga e coordenadora do CAPSij.

As partilhas de experiências na primeira etapa do evento trouxeram reflexões sobre a individualidade e a liberdade dos trabalhadores, pacientes e familiares, além de debater a saúde mental dos próprios profissionais. Um minuto de silêncio foi pedido em homenagem à perda recente de dois pacientes que eram acompanhados pelos CAPS do município. Os especialistas presentes compartilharam esse sentimento de derrota em razão dessas perdas, contudo frisam que a maioria dos dias são vitoriosos.

Presentes subiram ao palco para uma apresentação musical e, em seguida, o evento teve prosseguimento na Praça Gomes Freire (Jardim), com outras atividades recreativas, como o show talento e atendimento de auriculoterapia.

Segundo Jesse Catta, Coordenador de Saúde Mental da cidade, realizar essas práticas no Jardim é trazer visibilidade para a causa, trazendo para as ruas a luta pela liberdade de todos. “É a grande cara do 18 de maio. A resistência, a luta por liberdade e estar na rua, que é o que a gente briga sempre. A nossa intenção com os pacientes, é sempre uma ressocialização, uma reintegração desses pacientes para na comunidade, na cidade, no município, enfim, eles têm que ter e estar no espaço deles na rua”, afirmou.

Cartazes reivindicavam direito à existência, além da liberdade Foto: Karla Rezende/ Agência Primaz

O preconceito também deve ser combatido. Ressignificar a ideia de loucura é uma dificuldade a ser enfrentada. Ainda existe uma oposição muito grande pela busca por diagnóstico, uso de medicamentos e pela própria compreensão da saúde mental como uma parte tão necessária de cuidado como qualquer outra. “Então é desmistificar um pouco isso e entender que a doença mental é só mais uma doença que requer todo o tratamento e requer toda atenção, mas que tem que ser mais bem compreendida. Realmente, o preconceito existe e esse movimento vem um pouco para falar sobre isso”, acrescentou o coordenador.

A invisibilidade e o apagamento destas pessoas também precisam ser combatidos. Para Jesse, o silenciamento da loucura é uma forma de opressão que vai contra toda pauta de ser livre. “Eu acho que o paciente de saúde mental já tem um estigma. Eles são pouco ouvidos, até por serem taxados de loucos, então a gente quer que eles estejam nas ruas, justamente para desmistificar um pouco disso. Eles têm que ter voz. Muitas vezes a gente percebe que eles mesmos se calam por achar que não serão ouvidos porque eles sabem da sua condição”, finalizou.

A celebração do Dia da Luta Antimanicomial terminou com um cortejo, acompanhado pela banda do Centro de Referência à Infância e Adolescência (CRIA), que percorreu o trajeto entre o Jardim e a sede CAPS, localizado na Rua 16 de julho. Os participantes declamaram por uma Mariana Antimanicomial e Livre chamando a atenção daqueles que passavam.

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Uma luta recente e diária

A busca pelos direitos de inclusão e tratamento humanizado para pessoas com transtornos mentais é recente. Até pouco tempo, pessoas com sofrimento psíquico eram afastadas da sociedade e submetidas a procedimentos violentos. Em meados dos anos de 1970, o movimento antimanicomial ganhou força entre especialistas da área de saúde mental.

Durante o Congresso de Trabalhadores de Serviços da Saúde Mental, em 1987, na cidade de Bauru, foi apresentado um manifesto em prol da dignidade e cidadania dos pacientes e pelo fim dos manicômios e métodos como eletrochoques, lobotomia, internações compulsórias e isolamento. Este dia ficou marcado como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

A Lei de Reforma Psiquiátrica foi instaurada apenas em 2001, marcando o processo de implantação de um tratamento digno e em liberdade. A partir desta lei foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e as Redes de Atenção Psicossocial, abrindo caminho para o fim dos manicômios e sanatórios no país. Pensar em um tratamento livre é compreender que pessoas com transtornos mentais devem permanecer com seus direitos de autonomia e inclusão social. “Nossa atitude marca uma ruptura. Ao recusarmos o papel de agente da exclusão e da violência institucionalizadas, que desrespeitam os mínimos direitos da pessoa humana, inauguramos um novo compromisso. Temos claro que não basta racionalizar e modernizar os serviços nos quais trabalhamos”, apontam os signatários do Manifesto de Bauru.

O Manifesto e o Movimento Antimanicomial são contra todas as formas de aprisionamento de todas as formas de vida e da sua privação de ir e vir e de existir. “O manicômio é expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, índios, mulheres, completam.

Fim do cortejo no CAPS, localizado na Rua 16 de julho - Foto: Karla Rezende/ Agência Primaz

Após quase 21 anos de vigência da Lei de Reforma Psiquiátrica, a violência usada para tratar pessoas com transtornos mentais ainda está presente. Desde 2011 Comunidades Terapêuticas privadas passaram a receber financiamento público, mas muitos desses espaços são identificados pelo uso de métodos semelhantes aos antigos manicômios. Segundo o levantamento Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020, entre 2017 e 2020, o investimento federal em Comunidades Terapêuticas chegou a R$560 milhões. A Luta Antimanicomial é também pela ampliação, valorização e manutenção de políticas públicas voltadas para os atendimentos e tratamentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Relembre outras publicações sobre o tema

– Entrevista concedida à Agência Primaz, em 18 de maio de 2021, por Aisllan de Assis, Professor da Escola de Medicina da UFOP e Coordenador Geral do Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental – Ouro Preto 2021.

– Nova sede do CAPSij é inaugurada em Mariana (16/05/2020)

– Por uma sociedade sem manicômios: Ato é realizado em Mariana pelo Dia da Luta Antimanicomial (18/05/2019)

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