Notícias de Mariana, Ouro Preto e região

Hoje é segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Câmara discute aumento do número de casos de suicídio em Mariana – Parte 1

Início da 15ª reunião ordinária da Câmara Municipal de Mariana foi marcado pela preocupação com o aumento de casos de suicídio no município.

Compartilhe:

Luciano Guimarães, durante sua fala na reunião ordinária do dia 16 de maio - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz
Durante a reunião ordinária da Câmara Municipal de Mariana, realizada em 16 de maio, logo após a aprovação da ata da reunião anterior, o presidente Ronaldo Bento (PSB) pediu licença ao plenário, para quebrar o protocolo e, antes da leitura do expediente, convidou Luciano Guimarães, Subprocurador da Câmara e concluinte do curso de Psicologia, para fazer um pronunciamento relacionado à temática, tendo em vista dois casos noticiados no município naquele dia. De acordo com Ronaldo Bento, teriam ocorrido seis atentados contra a própria vida, em Mariana, somente nos últimos 30 dias. “Salvo melhor juízo, de 30 dias para cá, nós perdemos 6 pessoas, sendo duas nesse dia de hoje. Então, eu acredito que a gente tem que ter uma política muito forte e eu quero desde já convocar toda essa edilidade, juntamente com a nossa equipe de comunicação, para que possamos, dentro do nosso site, fazemos uma campanha, para que possamos estender as nossas mãos, oferecendo um ombro amigo”.

*** Continua depois da publicidade ***

*** 

Uma questão de saúde pública

Luciano Guimarães iniciou sua manifestação trazendo indicativos presentes na cartilha Suicídio: Informando para Prevenir, publicada em 2014 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). “Segundo estatísticas que podem ser verificadas em uma cartilha muito interessante produzida pelo Conselho Federal de Medicina, em parceria com a Associação Brasileira de Psiquiatria, de cada 100 pessoas, pelo menos 17 já pensaram em tirar a própria vida, cinco já planejaram, três efetivamente já tentaram e pelo menos uma já foi atendida em um pronto-socorro numa situação de tentativa de autoextermínio”.

A taxa de suicídio no Brasil cresceu 10,4% entre os anos 2000 até 2012. Essa tendência foi maior entre os jovens com aumento de aproximadamente 30%. Com a pandemia, houve um agravamento da saúde mental no país. Segundo o presidente do Núcleo de Apoio à Vida de Ouro Preto (NAVIOP), Ricardo Campolim, esse cenário é visível em nossa região.

Em Ouro Preto, onde ele atua, os casos são recorrentes. As causas são multifatoriais, mas conforme sua perspectiva, o contexto da mineração, que se insere na redondeza, contribui para o adoecimento psíquico. “Na minha opinião, vendo o cenário de alto índice de desemprego e, também, com a interferência da mineração, as comunidades em torno das mineradoras estão sufocadas e sob pressão psicológica, física e emocional, o que traz um agravante a mais. Olhando Antônio Pereira, lá está muito gritante, com uma barragem dentro do distrito e as pessoas não tendo seus direitos de ficarem no lugar onde nasceram e cresceram. Em Miguel Burnier, o distrito está ilhado pela Gerdau, Amarantina com a Irmãos Machado, Rodrigo Silva e Bocaina. A mineração, na região, contribui com o agravamento da saúde mental na região”, diz.

Em relação aos casos recentes em Mariana, Jesse Catta Preta, Coordenador de Saúde Mental do município, em entrevista para a Agência Primaz, indicou que, entre as ocorrências, alguns dos pacientes que cometeram o ato estavam em acompanhamento assíduo. No entanto, não é possível afirmar uma causa, já que diversos fatores do atual cenário podem afetar pessoas com algum tipo de sofrimento psíquico. “Pandemia, esse retorno depois de dois anos, todo mundo extremamente limitado, causas sociais, perda de emprego, custo de vida, inflação, acho que tem muitos fatores que somados num paciente que talvez esteja fragilizado pode fazer que ele chegue a esse ponto”.

Ele ainda informou que foi percebido um aumento do número de casos e agora estão sendo buscadas estratégias para intensificar as abordagens dos técnicos de saúde mental no município. “Tentar sensibilizar a população de modo geral e aqueles que estão passando por alguma situação ‘pra’ tentar ressignificar esse momento e pensar em outras alternativas. Porque a gente sabe que todo mundo está passando por dificuldades. O cansaço é enorme, inclusive da gente que trabalha na saúde de forma geral, que não paramos. Então a gente sabe das sobrecargas, mas a gente precisa ressignificar isso mesmo, dar alternativas ‘pra’ que a gente possa repensar as coisas”.

Segundo a Cartilha do CFM, o suicídio é um ato deliberado que não pode ser percebido como algo simplista ou causal, mas sim a interação de vários fatores psicológicos, biológicos, até mesmo genéticos, culturais e socioambientais. “O suicídio, na grande maioria das vezes, é causado por uma distorção da percepção da realidade. Ele é causado, especialmente, por um transtorno mental. E essa situação de pressão psíquica, que ocorre naquela pessoa, faz com que ela desenvolva uma rigidez sobre a situação que ela está vivendo”, explicou Luciano na reunião ordinária.

É importante entender que esse ato pode ser prevenido com a presença de profissionais aptos, acompanhamento e diálogo. Através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), pessoas com transtorno ou sofrimentos psíquicos podem encontrar atendimento profissional e gratuito. As estruturas dos CAPS contam com a presença de multiprofissionais destinados a distintos tratamentos.

Contudo, dentre as manifestações de diversos vereadores durante a reunião, o destaque foi para a observação do vereador Fernando Sampaio (PSB), Líder do Governo na Câmara, que apontou para a necessidade de cobrança ao Executivo, em relação à insuficiência de profissionais efetivos e da demora para atendimento aos casos de comprometimento da saúde mental dos marianenses. “Não adianta a gente saber que a pessoa tem que procurar um psicólogo, mas o problema é que você vai marcar alguma coisa nesse sentido e demora quatro, cinco meses. E cinco meses pode ser tarde para quem precisa. Vamos cobrar também do Executivo que contrate mais psicólogos para dar assistência. Pelo que eu andei olhando aqui, existe um profissional concursado, pode ter mais contratados, mas vaga efetiva só existe uma vaga de psicólogo na Prefeitura. E nós temos que pensar que, além da pandemia, nós tivemos rompimento da barragem de Fundão, quando muitas pessoas do Bento e adjacências sofreram com isso também”, afirmou.

Enquanto Mariana tem defasagem de profissionais da saúde mental, em Ouro Preto o NAVIOP segue com suas atividades interrompidas desde a pandemia. “A perspectiva é de retomar as atividades e diversificar as ações para além do apoio emocional e prevenção ao suicídio. Vamos começar a fazer oficinas artísticas, realizar programas que valorizam a cultura, meio ambiente e desenvolvimento social”, afirma o presidente, Ricardo Campolim.

*** Continua depois da publicidade ***

Acolhimento e apoio

O NAVIOP é uma entidade que desenvolve ações preventivas de valorização da vida em parceria com a franquia do Centro de Valorização da Vida (CVV) e o programa “Como Vai Você?”, de âmbito nacional e que promove acolhimento emocional, 24h por dia. O Núcleo surge como posto local vinculado ao CVV com ampliação das ações. Atualmente a entidade não tem perspectiva de reativar o atendimento telefônico, devido à falta de estrutura, espaço físico, linhas telefônicas e eletricidade, problemas que representam investimento financeiro alto e questões burocráticas.

Durante seus dois anos de atuação, o NAVIOP teve parceria apenas com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). A instituição cedeu uma sala no prédio da Estação do Trem da Vale. Os demais custos eram financiados pelos próprios voluntários e pelos eventos realizados. Até o momento, não existe nenhuma forma de política pública local. “No ano passado, houve uma tentativa de aproximação, o governo se mostrou disponível e interessado em apoiar, mas não conseguimos na época até em função da mobilização dos então voluntários. Só agora estamos conseguindo fazer isso. É provável que o governo se envolva e nos apoie com alguma estrutura ou algum tipo de subsídio. Mas, por enquanto, estamos em um momento de regularização para poder conveniar”, explica Ricardo.

Segundo Ricardo, o posto local atendia, através do 188 nacionalmente, cerca de 70 a 150 pessoas por mês. Sua estrutura possui dois voluntários que atendem via web, um sistema que atende de casa e pelo computador. O CVV tem mais de 150 postos por todo o Brasil. “O nosso foco agora é trabalhar mais entre a comunidade. Notamos que atendíamos o Brasil inteiro, mas Ouro Preto mesmo eram poucas pessoas atendidas. O trabalho mais efetivo que tínhamos na comunidade era mediante solicitação, com palestras, rodas de conversa, escolas e centro comunitários”.

O Centro de Valorização da Vida tem um processo de preparação para o trabalho de escuta ativa e demais ações preventivas e de valorização da vida. Através do programa de informação, os voluntários aprendem a técnica de conversação com as pessoas que estão em sofrimento. São, no mínimo, 40 horas de preparação exigidas e todos devem realizar. “Agora, para o trabalho que nós vamos desenvolver agora também há um treinamento, mas é mais leve, e terá atividades como rodas de conversa e filmes temáticos com comentários.” esclarece Ricardo.

Circulando por diversos lugares da região, o trabalho do NAVIOP tem perspectivas de ampliar suas atividades para Mariana. Ao longo dos dois anos, o Núcleo esteve em escolas em Mariana, bem como nos distritos ouro-pretanos de Antônio Pereira e Amarantina, nas cidades de Conselheiro Lafaiete, Viçosa, além de instituições como o Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) de Ouro Preto e UFOP.

Mariana conta com cinco frentes de atendimento dentro da Rede de Atenção Psicossocial. O CAPS I é destinado ao atendimento adulto para tratamento de psicoses e doenças mentais graves, enquanto o CAPSad trata de pacientes que têm algum sofrimento pelo uso de álcool e outras drogas. Existe o CAPSij para atendimento infanto-juvenil, dedicado a crianças e adolescentes, e o Conviver que é uma unidade criada a partir do rompimento da barragem para atendimento dos atingidos. Além disso, a rede conta com o matriciamento que é a saúde mental atuando dentro das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

O suporte e assistência é para a sede e seus distritos, ofertando variadas formas de atendimento. Com as portas abertas, os CAPS contam com serviço de urgência em período integral, tendo horários para acolhimento e outros métodos terapêuticos, como oficinas. A equipe é formada por técnicos da saúde mental e demais profissionais como assistentes sociais e fonoaudiólogos.

No cenário pandêmico, os CAPS adaptaram suas formas de assistência, mantendo seu compromisso com a saúde mental do município. Através de atendimento por telefone, os técnicos buscaram fazer esse acolhimento enquanto priorizava os pacientes mais graves. Sem fechar as portas, as unidades desenvolveram propostas que pudessem alcançar os pacientes sem a necessidade de ir até os espaços.

Para Jesse Catta Preta, foi um momento complicado que exigiu pensar em formas de rearranjamento. “Realmente foi restritivo e desafiador pelo momento, pela novidade que era a gente ter que repensar tudo que a gente fazia dentro do CAPS. Por exemplo, a permanência, que é um dia que a gente faz com os pacientes passando o dia no CAPS fazendo oficinas, tomam café aqui, almoçam, lancham. Então foi desafiador pensar isso fora”.

A recusa em falar sobre suicídio

Existe uma recusa na sociedade em falar sobre o suicídio, sendo necessária a criação de espaços adequados para esse debate. Ainda de acordo com a Cartilha, é preciso desmistificar a percepção de que o indivíduo com comportamento suicida toma essa decisão de forma individual. Assim, é um processo coletivo que envolve profissionais, familiares e sociedade.

Luciano Guimarães, durante sua fala na reunião, apontou que o indivíduo apresenta sinais e dá indicativos, principalmente nas duas últimas semanas antes da tentativa. “Às vezes, seja no âmbito familiar, seja no âmbito de tratamento de saúde, sempre há um indicativo de que a situação está se tornando insustentável e é um dever de toda a sociedade se manter alerta, especialmente com as pessoas que sabemos que estão em sofrimento mental”.

O estigma em relação ao tema dificulta todo o processo, pois coloca a pessoa com comportamento suicida em um espaço de apagamento, gerando vergonha, exclusão e discriminação. Abordar o suicídio não aumenta o risco, pelo contrário, conversar auxilia no alívio da angústia. Falar abertamente é uma forma de partilhar conhecimento e quebrar essas barreiras, possibilitando o acolhimento e a prevenção.

De acordo com o Coordenador da Saúde Mental de Mariana, negar e tapar os olhos para o suicídio é a pior coisa que se pode fazer. É possível abordar o tema desde que seja feito de forma sensível e cuidadosa. “Eu acho que saúde mental é algo na verdade tinha que ser mais falado e de forma mais clara sem preconceito porque ainda existe preconceito em relação aos nossos pacientes e ao acesso às unidades de saúde mental. Então, acho que cada vez mais a população tem que entender que é uma unidade de saúde como qualquer outra que vai tratar de um problema específico que pode acometer qualquer um. Estamos todos sujeitos a algum momento precisar de um acolhimento de uma de um apoio”, afirma Jesse.

Luciano ressaltou que acolher é estar de uma forma colaborativa e disposto a uma escuta ativa. “É aquela escuta onde não há julgamento. Aquela escuta onde você acolhe aquilo que está sendo dito. Sem que você julgue sem que você faça um comentário, sem que você faça uma crítica, mesmo que você discorde das razões que aquela pessoa esteja te apresentando. Você simplesmente acolhe, e isso, por si só, é extremamente terapêutico. Isso, por si só, é capaz de reduzir o nível de estresse que aquela pessoa está vivendo”, completa

Ricardo Campolim começou o movimento de prevenção ao suicídio com o NAVIOP após uma perda. “Eu vim pela dor, perdi um filho de 20 anos em 2016. Ele era estudante da UFV, estava em tratamento para depressão e fizemos o que estava ao nosso alcance na época. Segundo dados da OMS [Organização Mundial da Saúde], 90% dos casos de suicídio podem ser evitados e ele se enquadrou nos 10%”, relata.

Apenas ele e sua esposa sabiam da depressão do filho, um rapaz alegre com boas notas, ninguém fora do ciclo familiar percebeu qualquer sintoma.  “Então sabíamos da depressão porque ele havia compartilhado com a gente. Em um momento de descuido, ele se foi. A partir daí, eu, minha outra esposa e meu outro filho percebemos na UFOP um caso de suicídio. Então, iniciamos um movimento, com o CVV, para poder ajudar.

O engajamento social pela defesa e valorização da vida é essencial para modificar esse cenário. Neste contexto, a luta é pela ampliação de políticas públicas e pela divulgação de informação adequada para a conscientização da sociedade. “Então, nós, de certa forma, tentamos ressignificar nossa dor e nosso sofrimento, buscando nos capacitar para ajudar as outras pessoas. O que não conseguimos fazer com nosso filho, buscamos nos capacitar para ajudar outras pessoas. Foram dois anos muito importantes, tenho certeza que muita gente foi ajudada”, finaliza.

Movimentos como CVV, NAVIOP e os próprios Centros de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde realizam um trabalho de saúde pública. O CVV atende através do 188, via web-chat e e-mail. Através deste link você encontra o número de telefone das quatro unidades CAPS em Mariana.

Acesse a Parte 2 desta reportagem.

*** 

Ver Mais