- Mariana
Cáritas MG faz lançamento duplo e apresenta site “Mariana Território Atingido”
O Museu virtual e o livro “O direito das comunidades atingidas pela mineração à Assessoria Técnica Independente” são frutos do trabalho em prol dos atingidos pela mineraçãoO Museu virtual e o livro “O direito das comunidades atingidas pela mineração à Assessoria Técnica Independente” são frutos do trabalho em prol dos atingidos pela mineração
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Ambos os produtos são instrumentos importantes para a luta pelos direitos dos atingidos pela mineração em Minas Gerais. O livro traz relatos de experiências de organizações que atuam na Assessoria Técnica Independente (ATI) no estado, enquanto o museu virtual apresenta um mapa comunitário construído a partir das histórias das comunidades atingidas do território da bacia do rio Gualaxo do Norte.
De acordo com a representante da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão em Mariana (CABF), Luzia Queiroz, as mídias são fortes ferramentas e os instrumentos lançados são um marco na conquista de direitos dos atingidos e atingidas. “Mariana teve coragem de enfrentar os poderosos num coletivo onde ninguém arredou pé. É que a gente pode ter essas conquistas todas. Então a gente quer deixar isso para todo mundo um dia ver que é possível, que se pode conquistar muito sim, que a gente não tem que correr das empresas, né? Isso vai ficar tanto nas bibliotecas e o museu virtual pode ser acessado a qualquer momento, em qualquer lugar do mundo”.
Ela entende que Mariana deve ficar reconhecida como precursora nessa luta. “Mariana ficou reconhecida, infelizmente, como uma tragédia pelo mundo inteiro, mas a gente quer também que ela seja conhecida como daqui que partiu tudo. Então partiu uma luta, partiu a conquista (…) Então a gente acredita que a gente ganhou, em contrapartida a Samarco, a Vale, a BHP, a única coisa que eles sabem colocar na mídia são propagandas compradas, mentirosas e que, se as pessoas quiserem ver a realidade dos fatos, é só nos reassentamentos. É aí que tem tudo ao vivo e a cores”, declara.
Segundo a Carolina Saraiva, professora de Administração da UFOP e coordenadora do projeto “A Matriz de Danos e a Produção de Novos Modos de Vida dos Atingidos”, é necessário questionar quem tem o direito de contar essa história. “Eu acho que a memória é uma categoria política. Relembrar sobre alguma coisa, é construir possibilidades de futuro. O que a gente vê, até nas nossas pesquisas na universidade, é que as empresas criminosas, em especial através da Fundação Renova, insistem em querer contar a história, serem as protagonistas dessa história”, afirmou em entrevista à Agência Primaz.
A disputa de narrativas que atravessa o crime socioambiental do rompimento da barragem do Fundão, em 2015, tenta descaracterizar e silenciar os atingidos. “O que a gente tem que fazer é o caminho inverso. É não dar a voz para os atingidos porque eles já têm essa voz, mas é fazer dos nossos meios de poder, os nossos espaços, formas de exaltar essa voz dos atingidos para que eles possam ser as pessoas que vão contar a história da queda da barragem, completa.
A Cáritas MG exerce esse papel de amplificador, sendo a organização responsável pelo assessoramento técnico das comunidades atingidas de Mariana desde 2016. “Aqui em Mariana, as pessoas atingidas se organizaram para pleitear o direito de contar com uma equipe técnica que fosse de confiança das pessoas atingidas e não só da empresa. A Cáritas foi a entidade eleita para prestar essa assessoria técnica independente. Ela é técnica porque ela elabora esses estudos, como é o caso do dossiê, o caso do estudo de patrimônio, e é independente em relação às empresas”, explica a Coordenadora do Projeto de Incidência na Pauta da Mineração, Letícia Aleixo.
Uma das ações realizadas pela Cáritas foi o cadastramento de perdas e danos materiais e imateriais. A partir desta coleta de dados foi possível criar o museu virtual “Mariana Território Atingido”. De acordo com Gabriel Leite, representante da Referência Técnica das Etapas de Cartografia Social Familiar e Vistoria Técnica do Processo de Cadastro, o intuito do site é caracterizar e apresentar os modos de vida da comunidade. “Através disso a gente consegue mostrar todos esses usos e ocupações levantadas, as habitações, os chiqueiros, e galinheiros, os pomares, as roças, as referências comunitárias dessas comunidades como as igrejas, cemitérios, escolas, postos de saúde. E também os recursos hídricos que foram mapeados e levantados como as nascentes, o rio, a piscicultura, entre diversos outros”.
Esse é um trabalho coletivo onde diversos assessores que atuam na ATI contribuíram para o desenvolvimento. A construção metodológica do site do museu se iniciou ainda no ano passado, sendo finalizada agora. “Esse levantamento de perdas e danos no processo de cadastro foi levantado individualmente e nos mapas que são apresentados no site, a gente consegue coletivizar esses danos com a junção desses ‘shapes’”.
Assim, ao navegar no museu virtual “Mariana Território Atingido” é possível visualizar o retrato vivo das famílias, seus modos de vida e de como eram realmente essas comunidades antes do rompimento. Para conhecer o site, acesse Mariana Território Atingido.
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Um pouco mais sobre o cadastramento
Inicialmente o cadastramento seria realizado pela própria Samarco, empresa envolvida no crime socioambiental. No entanto, Luzia Queiróz relatou que os formulários apresentados não condiziam com a realidade dos atingidos. Em 2017, o direito de reeditar esse formulário e ter o processo conduzido pela Cáritas também foi conquistado.
Ao mencionar sobre modos de vida, Luzia fez referência a diversas questões, dentre elas a urgência de serem verdadeiramente ouvidos. O levantamento gerido pela Cáritas trouxe uma metodologia que abrangia a realidade dos atingidos e atingidas. “Com essa conquista toda, a gente foi descobrindo muito a realidade do atingido. Então o material é muito extenso, aí desse material todo, saiu um dossiê. E disso a gente viu que surgiu uma bagagem muito grande de conhecimento, conhecimento esse que para eles [Samarco, Vale e BHP] era desconhecido, porque tudo deles visa dinheiro e a gente visa o bem viver”, conta em entrevista à Agência Primaz.
A reformulação do cadastro rompe com um cadastro pré-estabelecido pelas empresas que seria formado apenas por perguntas diretas. A reformulação e reestruturação do cadastro foi discutida com consultores, atingidos e assessoria técnica. Em um processo coletivo com duração de 6 meses, a reformulação do cadastro trouxe outras conquistas, como comenta Luzia Queiroz. “Depois que a gente conquistou poder reformular, desse trabalho também surgiram 98 diretrizes e critérios que a gente usa para poder moldar a empresa e que ela também entenda o que a gente quer. Então essas conquistas foram em audiências públicas, a gente caminha com reassentamento e algumas indenizações com essas diretrizes que também saíram da reformulação do cadastro”, explica.
O cadastro independente começou em 2018 e levantou mais 1500 núcleos familiares, alcançando em torno de 5 mil pessoas nos últimos 4 anos. Esta reestruturação do cadastro foi a primeira de um movimento de cinco etapas, como explica Gabriel Leite. Na sequência, é realizada a Cartografia Social Familiar, resgatando a memória das famílias. “As famílias são convidadas a desenhar os seus territórios de origem e a gente consegue espacializar esses danos que não são possíveis de serem levantados nessa primeira etapa que é o formulário”.
Após o levantamento de danos e perdas materiais, a etapa seguinte é a vistoria das áreas atingidas em trabalho de campo, no qual se faz uma sistematização do que é levantado em formulário, cartografia e vistoria. Em sequência, na etapa 4, é feito levantamento das perdas e danos imateriais no qual são compreendidos os traumas e sofrimentos das famílias. Por fim, a etapa 5 sistematiza esses danos imateriais para o processo de valoração e indenização desses danos. “Depois disso, todo esse material é agrupado e organizado em um grande dossiê de danos e perdas e entregue para a família. Esse dossiê, ele é base para o processo de indenização e também demais medidas de reparação, como os reassentamentos, entre diversos outros”, finaliza.
Entendendo a Assessoria Técnica Independente
Com intuito de distribuir exemplares nas bibliotecas e escolas, o livro “O direito das comunidades atingidas pela mineração à Assessoria Técnica Independente” também pode ser encontrado em formato e-book. Com proposta diferente do museu virtual, o livro traz as experiências de diferentes organizações de ATI. Ele é formado por relatos e testemunhos de entidades que prestam esse serviço e de atingidos que possuem ou gostariam de ter esse direito.
Sobre a ATI, Marlene do Carmo relatou a importância da presença da Cáritas para as comunidades atingidas. “A gente conheceu vários direitos que a gente desconhecia porque, infelizmente, nossa comunidade é simples. A gente não tem o conhecimento legível e a Cáritas veio para abrir o olho do atingido mesmo, ‘pra’ acompanhar a gente, ‘pra’ que nossos direitos não sejam perdidos”, afirmou.
Mariana foi pioneira na conquista do direito à ATI, abrindo a possibilidade para outras populações atingidas, dentre elas Conceição do Mato Dentro e Brumadinho. No entanto, este direito ainda não é realidade para muitos lugares. É o caso de Antônio Pereira e Barão de Cocais, populações que não possuem o assessoramento técnico independente.
Para Letícia Aleixo, tanto o museu virtual quanto o livro dão testemunho não apenas das histórias dessas pessoas que têm lutado há 7 anos, mas também dos trabalhos técnicos que foram produzidos em decorrência da organização das pessoas atingidas. “Eles são importantes em primeiro lugar para que a gente não esqueça do crime que aconteceu aqui em Mariana e dos danos que foram causados a tantas pessoas ao longo da bacia do Rio Doce. Para que a gente possa se organizar enquanto sociedade para alterar as circunstâncias que foram capazes de permitir que isso acontecesse aqui, depois em Brumadinho e depois em tantos outros lugares”, declara.