O médico tem que indenizar o paciente por tratamento malsucedido?
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Na semana passada, fizemos um raio-X para compreender a relação entre Medicina e o Direito Penal, analisando quando um médico responde criminalmente por seus atos. Se você não leu, recomendo a leitura (que é bem curtinha), pois o texto anterior é uma base para este.
Como vimos, um médico pode ser responsabilizado em três esferas: penal, administrativa e cível. Neste sentido, a penal vai tratar basicamente dos crimes que um médico pode cometer no exercício da profissão, sejam eles intencionais ou não. Já a administrativa observa principalmente o Código de Ética Médica e as medidas às quais um profissional está sujeito por parte do Conselho Federal de Medicina.
Quanto à esfera cível, que em linhas gerais tutela as relações particulares entre as pessoas, encaixam-se quaisquer danos morais, materiais e estéticos, causados por erro do profissional da saúde. É sobre a responsabilidade civil que vamos refletir hoje. Neste contexto, podemos retomar a pergunta: o médico tem que indenizar o paciente por tratamento malsucedido?
Primeiro, vamos refletir: o que é um tratamento ‘malsucedido’? Uma harmonização facial que não agradou ao paciente é um tratamento malsucedido? Um câncer que não foi curado, após várias sessões de quimio e radioterapia, certamente parece um caso de tratamento que não deu certo, mas é possível responsabilizar o médico por isso? E as cirurgias estéticas que deixam sequelas permanentes, são tratamentos ‘malsucedidos’?
O conceito de malsucedido é amplo demais, e foi inserido de forma proposital justamente para que possamos nos questionar. A Medicina não é uma ciência exata. É impossível punir um médico por um diagnóstico errado, por exemplo, se as circunstâncias eram bastante nebulosas. O mesmo se aplica para tratamentos de doenças letais, como o câncer, onde o profissional faz o seu melhor, mas há quadros que se tornam irreversíveis.
Então, sejamos objetivos: vamos tratar de erro médico. Erro não é quando o paciente não gosta de um procedimento estético ou quando o quadro clínico é complicado e é difícil salvá-lo. Erro médico, na definição de Júlio Meirelles Gomes e de Genival Veloso França é “a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência”. É um conceito muito próximo do que o Código de Ética Médica diz, como vimos na última semana.
Agora, vejamos o artigo 951 do Código Civil:
Art. 951: O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Sem surpresas, o legislador traz o tripé conceitual: negligência, imprudência e imperícia, o mesmo usado para definir a conduta culposa no Código Penal e também utilizado para definir o erro médico no Código de Ética. Ou seja, respondendo à pergunta do título: o artigo 951 é claro, se houve erro, deve haver indenização.
O grande ponto aqui é a apuração precisa do erro no caso concreto, bem como do valor das indenizações, que suscitam muitas discussões na doutrina e na jurisprudência. Há diversos livros a respeito do tema, que, somados às inúmeras teses acadêmicas, demonstram que este não é um assunto simples.
Todavia, o que não pode deixar dúvidas é: erro médico é passível de indenização, e não deve ser confundido com insatisfação do paciente, ou com tratamentos que não prosperaram, mas que em nada se assemelham a um erro. Erros médicos são exceções, e não regra, especialmente considerando as difíceis condições de trabalho nos hospitais públicos, bem como a sobrecarga à qual os profissionais de saúde estão submetidos.