O que é o Direito de Imagem no futebol?
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Você certamente já sonhou ou conhece alguém que na infância sonhava em ser jogador de futebol. Bem, a imensa maioria mudou de sonho, mas alguns conseguiram chegar lá e estão atuando em grandes clubes da elite do futebol brasileiro. Nestas equipes, não importa muito se os jogadores estão fazendo gols de anjo, verdadeiros gols de placa, ou se estão perdendo pênaltis decisivos por aí: seus contratos costumam seguir um modelo padrão, sendo compostos por salários, luvas e direitos de imagem.
Quanto ao salário, nós, trabalhadores brasileiros, sabemos bem do que se trata: é o pagamento fixo que cai na conta todo mês. Em uma definição mais próxima do juridiquês, podemos colocar o salário como uma contraprestação habitual de natureza remuneratória em virtude dos serviços realizados. No caso do jogador de futebol de elite, há algumas particularidades, como o elevado valor recebido e o fato de serem comuns contratos que preveem pagamentos semanalmente.
As luvas, por outro lado, são um prêmio pela assinatura do contrato, algo muito comum em casos de jogadores que estão livres no mercado, isto é, não possuem seus direitos econômicos (popularmente chamados de ‘passe’) vinculados a nenhum outro time. Neste cenário, como o clube contratante não precisa pagar à outra equipe pelo ‘passe’ do atleta, é comum que o jogador exija um bônus (luvas) para assinar com um novo clube, como se ele próprio estivesse vendendo seus direitos econômicos à outra agremiação. Essas luvas podem ser pagas à vista, mas o mais comum é que sejam diluídas ao longo do contrato do jogador, compondo a remuneração, junto com o salário e com os direitos de imagem.
E o direito de imagem, o que é? Muitos juristas já se debruçaram e escreveram artigos sobre o tema no Direito Civil, de onde se originou o Direito de Imagem no futebol, sendo um dos conceitos mais didáticos o do professor Walter Moraes, que diz que toda expressão formal e sensível da personalidade de um indivíduo é imagem para o Direito. É um conceito excelente, pois ao pensarmos em ‘expressão formal e sensível’, não estamos tratando somente da representação física e visual da pessoa. Como o próprio jurista explica, a imagem sonora da fonografia e da radiodifusão, e os gestos, expressões dinâmicas da personalidade também compõem o direito de imagem. Em outras palavras, seu corpo, suas expressões, sua voz… tudo é direito de imagem!
O direito de imagem está protegido pelo artigo 5° da Constituição, que trata do rol de direitos e garantias fundamentais, sendo colocado como ‘inviolável’, tamanha sua importância. Vejamos o inciso X deste artigo.
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Pois bem, vamos voltar à prática. Todo atleta, qualquer que seja, tem sua imagem impactada ao atuar profissionalmente. No estádio, milhares de pessoas irão torcer por ele ou contra ele. Este indivíduo será vaiado e aplaudido enquanto joga. Mesmo fora de seu horário de trabalho, ainda poderá ser reconhecido por torcedores, que podem elogiá-lo, criticá-lo ou mesmo tentar agredi-lo. A violação de imagem é explícita, mesmo quando ‘benéfica’. Uma pessoa de perfil mais reservado certamente não gostaria de ser assediada por fãs nas ruas.
Além disso, os clubes podem explorar comercialmente a imagem de seus jogadores. Qual patrocinador não se interessaria em estampar a camisa de um craque enquanto ele atua e tem sua imagem transmitida em rede nacional para milhões de pessoas? Qual clube não gostaria que uma superestrela divulgasse seu programa de sócio torcedor? Tudo isso gera engajamento e dinheiro.
Por esses motivos, os atletas desses clubes podem receber uma compensação financeira, chamada de direito de imagem. Assim funciona este instituto no futebol, trazido do direito civil. Seu pagamento não é de caráter obrigatório, mas frequentemente os clubes optam por fazê-lo e pagar uma menor quantia de salário, como vamos entender adiante. Vejamos o artigo 87-A da Lei 9.615/98 (Lei Pelé).
Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.
Se a lei prevê essa compensação e o atleta concorda com os termos do contrato, então está tudo certo, não é? Nem sempre, risos.
Façamos uma leitura do trecho grifado com atenção: o ajuste contratual terá natureza civil. Isso implica em uma coisa muito importante: a discussão sobre direitos de imagem será na Justiça cível, reguladas pelas regras do contrato civil, e não na Justiça trabalhista.
Vamos trazer isso para a prática: se você acompanha o noticiário do futebol, já deve ter visto algum jogador ficar três meses sem receber salário e entrar na Justiça pedindo a rescisão de seu contrato com um clube X. Pois bem, ele não pode fazer isso se estiver recebendo salário em dia, mas há vários meses sem receber os direitos de imagem. Caso queira acionar o âmbito judiciário, deverá procurar a Justiça Cível, notoriamente mais lenta.
Outro ponto interessante: os encargos trabalhistas não incidem sobre os direitos de imagem. Ou seja, ao pagar o salário, o clube empregador também paga FGTS, férias, 13°, licenças, adicionais etc. Ao pagar direito de imagem, a agremiação arca somente com o direito de imagem. E o que os clubes fizeram, durante muito tempo? Celebraram contratos com valores absurdos de direitos de imagem e baixos valores de salários, visando evitar encargos. Como exemplo disso, pode-se citar o caso do Criciúma Esporte Clube com seu zagueiro Ozéia, em que os direitos de imagem eram pelo menos cinco vezes superiores a seu salário, que girava na casa dos R$ 5.000,00. Assim, o clube economizava significativamente com encargos, impostos e afins. Acesse o acórdão de um recurso do processo de Ozéia vs. Criciúma aqui
Visando evitar esse tipo de artimanha, o legislador brasileiro alterou a Lei Pelé em 2015, prevendo que o valor pago em direitos de imagem não ultrapasse 40% do que o jogador recebe mensalmente. Isso amenizou as coisas, mas ainda podemos ver frequentemente jogadores protestando contra direitos de imagem atrasados há meses, porque, diferentemente dos salários, não há um limite de tempo pré-estabelecido para que eles fiquem atrasados. O caso de protesto mais recente ocorreu neste mês, com a equipe do Internacional, que disputa a Série A do Campeonato Brasileiro.
Há outros benefícios que compõem a remuneração de um jogador de futebol, como o direito de Arena, mas, em linhas gerais, nenhum deles tem relevância próxima aos direitos de imagem. Por isso, atente-se a eles em seu próximo Modo Carreira no videogame, ou seu elenco vai ficar insatisfeito.