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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Evasão e abandono escolar em Mariana: uma realidade ignorada

Falta de armazenamento de dados prejudica gestão de casos de desistência estudantil dos estudantes da cidade

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Montagem - Nikolle Gandra
Pouco se fala sobre as causas, consequências e dificuldades enfrentadas pelos estudantes que decidem ou são levados a desistir dos estudos. Além de problemas como gravidez na adolescência, falta de incentivo familiar, a necessidade de um emprego e doenças, esses estudantes tiveram que lidar com um isolamento social e as dificuldades do ensino online causadas pela pandemia de covid-19. A falta de visibilidade e pesquisas a respeito dessa situação dificulta o controle dos casos, como ocorre na cidade de Mariana (MG).

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Em entrevista, uma diretora da rede estadual de Mariana, que preferiu manter a identidade preservada, afirmou que houve aumento dos casos de evasão durante o período pandêmico. Ela falou sobre os motivos que acredita terem levado os estudantes a evadir: “Acho que os alunos ficaram desestimulados pelo uso da tecnologia. Mas acredito que o principal fator, por sermos uma escola de ensino médio, foi o caso de os alunos precisarem trabalhar. Na pandemia, muitos se viram na necessidade de trabalhar porque os familiares perderam seus empregos”.

De acordo com a diretora, antes do período pandêmico a escola tinha a maioria de seus estudantes trabalhadores concentrados no período da noite. Atualmente, quase 90% dos alunos da instituição trabalham, seja como jovens aprendizes ou em um emprego de oito horas diárias para os maiores de 18 anos.

Dados do Atlas Brasil de 2010, para o município de Mariana, apontam que a proporção de crianças de 5 a 6 anos na escola era de 97,28%; de 11 a 13 anos, frequentando os anos finais do ensino fundamental, era de 87,76%; a de jovens de 15 a 17 anos com ensino fundamental completo era de 57,32%; e a proporção de jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo era de 38,41%. Ao entrar em contato com a Secretaria Municipal de Educação e a Superintendência Regional de Ensino de Ouro Preto para obter dados de evasão do último ano letivo, ambos não passaram tal informação até a publicação desta reportagem.

Considerando os números alarmantes de 2010 do Atlas Brasil, a falta de dados atuais dificulta o desenvolvimento de estratégias governamentais para diminuir a desistência escolar de crianças e adolescentes, já que apenas por meio dos dados é possível ter um controle mais equilibrado sobre esses alunos.

Abandono escolar

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), a evasão escolar é o ato de deixar de frequentar as aulas, abandonando o ensino por qualquer motivo. Já o abandono escolar é quando o estudante deixa de frequentar a escola durante o ano letivo, mas volta a se matricular no ano seguinte.

Além disso, o abandono escolar pode facilmente virar uma evasão caso o problema que levou o estudante a abandonar as aulas não seja devidamente tratado. Para isso, é necessário que a sociedade e o meio escolar estejam cientes e bem-informados dos motivos que podem levar o aluno a interromper sua formação e como resolvê-los.

Em 2017, o canal Politize! fez uma publicação apontando as 14 principais causas para o abandono escolar no Brasil: dificuldades de acesso, necessidade especiais, gravidez e maternidade, atividades ilegais, mercado de trabalho, pobreza, violência, déficit de aprendizagem, ausência de significado, qualidade da educação, clima escolar, percepção da importância e baixa resiliência emocional. Com a pandemia, motivos como a falta de acesso à tecnologia e a dificuldade com adaptação ao Ensino a Distância (EAD) podem ser adicionados à lista.

Também é possível inserir a carga horária extensa como um dos motivos para abandono e evasão. Com o Novo Ensino Médio, os alunos precisarão de um horário a mais, totalizando 6 horários de 50 minutos cada. Com esse aumento, estudantes que precisam trabalhar são prejudicados. A diretora Eliene Geralda dos Santos, da Escola Municipal Bento Rodrigues, em Mariana, comenta sobre o novo método: “Se você trabalha o dia inteiro, vai fazer o ensino médio à noite e ter um horário de 50 minutos a mais é bem puxado. Depois de um dia longo de trabalho a pessoa ‘tá’ ali só por estar, a mente já está cansada”.

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Além do ensino médio

A realidade da desistência escolar não atinge apenas adolescentes de 16 a 18 anos. Apesar da crença que estudantes do ensino médio são os principais responsáveis pelo aumento da taxa de evasão no país, dados de um relatório da organização Todos Pela Educação mostram que os números estão cada vez mais altos entre os alunos mais novos. Cerca de 240 mil crianças entre 6 e 14 anos estavam fora da escola no segundo trimestre de 2021, um aumento de 171% em relação ao estudo feito no mesmo período de 2019.

Em Mariana essa situação também é perceptível. Dados do site do Inep mostram que as taxas de abandono escolar no ensino fundamental da rede estadual de ensino da cidade foram de 0,5 para 2,1 de 2019 para 2020. Os números de abandono nas escolas municipais e públicas diminuíram nos anos de 2020 e 2021, mas durante a pandemia as escolas não podiam reprovar os alunos, o que pode ter influenciado a permanência dos estudantes.

Consequências e combate

Os impactos que a desistência dos estudos pode causar são diversos e prejudicam muitos âmbitos da vida, mesmo que a seja o abandono apenas por um ano letivo.

O desenvolvimento cultural e intelectual desses estudantes é prejudicado, principalmente se considerarmos que a escola é o lugar onde os jovens desenvolvem melhor a habilidade social e cognitiva. Entretanto, um dos principais impactos é na inserção e permanência no mercado de trabalho. Jovens que abandonam os estudos muitas vezes ocupam cargos baixos, com carga horária extensa e remuneração inferior ao esforço exigido para eles.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação de Mariana, o principal método implantado na cidade é a Busca Ativa, estratégia nacional de identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e jovens que estão fora da escola ou em risco de evasão. Entretanto, de acordo com uma das diretoras entrevistadas, as escolas estão tentando dinâmicas e formas diferentes de ajudar alunos que estão com dificuldade e se sentindo desmotivados. “A gente tem aqui na escola o EJA [Ensino de Jovens e Adultos], o governo esse ano criou a correção de fluxo, tem o reforço escolar para ajudar alunos que têm dificuldade, principalmente aqueles que não conseguiram acesso direto nesses 2 anos de pandemia. Essas são algumas possibilidades que a gente tem para os alunos não estarem desistindo e sim tentando terminar o ensino médio”.

Durante a pandemia, a Prefeitura Municipal de Mariana fez uma parceria com algumas escolas para doar cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade. A diretora acredita que esse fator ajudou a que alunos não desistissem dos estudos para ir atrás de um trabalho.

Além de projetos para combater a evasão, Eliene dos Santos fala sobre a importância de atrair a atenção dos alunos para os estudos e dar suporte quando estão desmotivados. “Hoje em dia a escola não tem tantos recursos que deslumbrem o adolescente, é um desafio muito grande. Então, a gente tem que trazer essas informações, fazendo visitas para eles entenderem o que é um curso técnico, quais estão disponíveis nas proximidades; trazendo pessoas da comunidade que se formaram para vir dar palestras”.

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