- Mariana
Premar: uma resposta à busca dos jovens marianenses pelo ensino superior
O cursinho é um caminho que dá oportunidade aos jovens marianenses se prepararem para entrar na vida universitária
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Wesley Vilela Matos, nascido e criado em Mariana, estudou toda a vida em escola pública. Sempre teve vontade de entrar em uma faculdade, planejava inclusive se matricular no segundo semestre deste ano em uma faculdade à distância. Porém, mesmo sem perspectiva, após o irmão descobrir o Premar, ele resolveu se inscrever para se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Mesmo indo bem, principalmente na redação, não tinha confiança que ia entrar na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Porém, ao olhar a lista de aprovados, viu que passou em Administração na instituição, curso pelo qual se interessou após começar a trabalhar na área. “Sem o Premar, seria bem mais puxado entrar na universidade”, pontua Wesley.
Adilson Pereira dos Santos, pedagogo e pró-reitor adjunto de Graduação da Ufop, conta que houve uma melhora significativa. Ele compara os dados atuais com os de 2007, quando apenas 10% dos alunos eram de cidades onde os campi da universidade estão localizados (Ouro Preto, Mariana e João Monlevade), incluindo também Itabirito.
As bases do cursinho
Aprovada por unanimidade, a lei municipal n° 2.595/2011, do então vereador Juliano Duarte, não só instituiu o Premar como também definiu seus objetivos. Voltado à população de baixa renda, ele tem como meta promover a inclusão social, a inserção no mercado de trabalho e o ingresso no ensino superior.
As atividades foram iniciadas somente seis anos depois, em 2017, com a primeira turma composta por 60 alunos, na escola Dom Oscar, no bairro Cabanas, local onde se iniciou a demanda por um cursinho pré-vestibular público.
Atualmente o cursinho tem dois polos: o primeiro próximo ao antigo, na escola Monsenhor José Cotta, e o segundo na UAITEC. Este último foi instalado para atender os alunos vindos de distritos que, segundo Anacarla Duarte Pereira, diretora do cursinho, são a maioria.
Mesmo o público-alvo sendo de jovens, a realidade é mais heterogênea. Anacarla conta que, na turma de 2017, havia muitos alunos mais velhos: “os jovens não estavam presentes”, afirma, destacando um aluno de 76 anos que ingressou em Filosofia na Ufop.
Hoje é observado um aumento no número de jovens no Premar. A diretora cita os dois anos de pandemia como o principal motivo. Eles viram que têm capacidade de entrar, e como o ensino público regular não conseguiu incluir o aluno durante as aulas remotas, o cursinho se tornou uma oportunidade de se preparar de fato para o Enem.
Maria Eduarda da Cruz Mendes Dias Silva, aluna do Premar, fez seu 3º ano do ensino médio durante a pandemia. “Eu fiz PET [Plano de Ensino Tutorado]. Era EaD [Ensino a Distância] numa televisão aberta”, mas não havia um ensino particularizado onde ela poderia tirar suas dúvidas.
Maria Eduarda acrescenta que o Premar é uma grande oportunidade, já que não teria condições financeiras para pagar um cursinho particular. As dificuldades fazem o vestibulando pensar que a universidade pública não é para ele, mas Maria destaca: “Ele [Premar] fala que é possível, sim. Te dá oportunidade de estudos com bons professores e um bom material”.
O material utilizado no Premar é o Bernoulli, do reconhecido cursinho de Belo Horizonte. Esse material foi adotado a partir de uma parceria realizada pelo então vereador Juliano Duarte. A reportagem tentou contato com o Bernoulli, sem sucesso, até o fechamento.
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Marianenses e a Ufop
A Primaz de Minas recebe alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) desde 1979, quando a Faculdade de Filosofia de Mariana (FAFIM) foi incorporada pela instituição e se tornou o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS). Com a criação do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) e a implementação de quatro cursos (Administração, Ciências Econômicas, Jornalismo e Serviço Social) em 2008, a chegada de alunos da região aumentou.
Esses cursos, assim como o de Pedagogia, no ICHS, surgiram com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que ampliou o número de cursos ofertados nas federais. Esse programa não trouxe apenas alunos de outras regiões para Mariana. Segundo Adilson, por conta da oferta de cursos noturnos, a presença de estudantes da região cresceu, sendo o ICSA o instituto da Ufop que mais os recebeu.
O projeto de extensão “Políticas de ações afirmativas: um diálogo necessário entre universidade e comunidade, cotas para quem?”, coordenado por Adilson, tem como um dos objetivos mostrar para os estudantes da educação básica pública de Ouro Preto e Mariana que as políticas de ação afirmativa são importantes e são um caminho para a entrada deles na universidade pública.
Outro fator que ampliou a presença de marianenses, ouro-pretanos e monlevadenses foi a política de ações afirmativas adotada pela Ufop. Anteriores às políticas de cotas, foram adotadas em 2008, e seguiam o sistema de reserva de vagas para alunos de escola pública. Adilson pontua que no ano de adoção dessa política, o número de matrículas realizado por alunos do Colégio Dom Pedro II, da rede estadual de ensino, superou as do Colégio Arquidiocesano, da rede particular, em Ouro Preto. Após essa política, muitos alunos passaram a ver a Ufop como uma possibilidade.
Sara Helena Quintino, professora do Premar, acredita que os alunos de Mariana sempre souberam que poderiam ocupar espaços como o da Ufop, mas apenas recentemente viram que eram capazes. “Há uma memória de que aquele lugar não era deles, era para aqueles que tinham possibilidade. Agora as pessoas querem estar naquele espaço” pontua a professora.
Porém, há muitas dificuldades. Muitos trabalham e seus horários impossibilitam um momento de estudos além do cursinho. Acham que, para estudar, deve haver uma dedicação integral, e por já serem economicamente ativos acabam por desistir, diz Sara.
Para outros, o sonho do ensino superior serve de motivação que os permite continuar. Rubens Salatiel Rodriguez, vestibulando de Direito, pontua que é cansativo conciliar os dois. “O objetivo da gente leva à superação desse cansaço, para poder colher os frutos no futuro”.
O vestibulando que chega ao Premar já rompeu diversas barreiras. A professora Sara Quintino cita o caso de uma aluna da turma deste ano: ela é mãe, e está há, pelo menos, seis anos longe dos estudos. “Quem ‘tá’ ali, rompeu muita coisa. E você precisa ser muito solidário com ele também”.
Nesse cenário, a sala de aula passa a ter várias funções. É onde as necessidades de conteúdo são supridas, onde chaves de leitura são passadas e, mais importante, o aluno tem um momento para estudar. É onde ele vai ler a apostila e fazer atividades.
Assim, a professora os vê como pré-universitários. Os desafios que eles encontram no cursinho também estarão presentes na vida acadêmica. Em alguns casos serão ainda maiores.
O pós-pandemia
Neste ano o cursinho volta ao presencial, após os desafios da pandemia. O projeto que chegou a ter 120 alunos abriu 35 vagas em 2021. Apenas 19 alunos ficaram até o Enem; dos quais 15 foram aprovados.
Durante a pandemia as aulas foram remotas, o que trouxe novos desafios. Segundo Marília Coura, da Secretaria Municipal de Educação, para alguns trouxe facilidades, para outros dificuldades na adaptação, para se criar foco necessário. Muitos não têm um ambiente em casa propício para os estudos, “há muita demanda no entorno”, acrescenta Marília.
Nicolly Sara de Carvalho Gonçalves, estudante da turma de 2022, viu seu rendimento cair, principalmente pela dificuldade de criar disciplina para estudar de forma remota. Ela vê a volta ao presencial como importante para seus estudos. “Meu negócio é carteira e sala de aula”, afirma.
Por outro lado, Júlia Roberto de Morais, aluna da turma de 2021 aprovada em Medicina na Ufop, pôde conciliar o trabalho e o cursinho, adaptando-os às suas necessidades, focando nas aulas que mais precisava e poupando o tempo de translado até o cursinho. “Entendo que [o ensino remoto] tem limitações, mas me ajudou muito”, finaliza Julia.
O Premar é parte da solução de um problema maior. Nicolly o define como um “band-aid em uma ferida muito grande”. A participação da Ufop nesse problema é vital. Projetos de extensão são um grande passo para mostrar à comunidade que a Ufop, como destacou o pró-reitor adjunto, não é uma Universidade Federal em Ouro Preto, mas sim uma Universidade Federal de Ouro Preto, de Mariana e de João Monlevade.
Miller Henrique Corrêa de Brito é estudante do 3º período do curso de Jornalismo do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas/Universidade Federal de Ouro Preto. Esta reportagem foi produzida durante a disciplina Apuração, Redação e Entrevista.
Instagram: @hen_milller