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Hoje é terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Roda de conversas “A Vida é a Melhor Escolha” traz críticas à campanha do Setembro Amarelo

Profissionais de psicologia fazem apontamentos sobre o teor da campanha e cobram do poder público medidas de enfrentamento ao suicídio

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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
Ao fundo, sobre o palco, mesa de abertura do evento sobre Setmebro Amarelo, com quatro pessoas sentadas e, entre elas, o prefeito interino, Ronaldo Bento, de pé, fala à plateia posicionada em primeiro plano da imagem, sob luzes apagadas
Da esquerda para a direita: Jesse Catapreta, Danilo Brito, Ronaldo Bento, Mariana Tavares e Lais Mendes. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz

Aconteceu na última terça-feira, no cineteatro de Mariana a roda de conversa “A Vida é a Melhor Escolha”. Um evento da programação do Setembro Amarelo, mês da valorização da Vida. A ideia por trás da conversa era conscientizar os servidores públicos e a população da cidade quanto à prevenção ao suicídio e a importância da saúde mental. A mesa principal contou com a participação da Dra. Mariana Tavares, psicóloga especialista em psicoterapia contemporânea; Lais Mendes Guimarães, psicóloga e profissional da rede psicossocial do município, o psicólogo Jesse Catapreta, psicólogo e coordenador da rede de saúde mental no município, além do secretário de saúde Danilo Brito e do prefeito de Mariana Ronaldo Bento que participaram da abertura do debate.

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A Vida é A Melhor Escolha

Durante a conversa, foram abordados temas diferenciados acerca do suicídio, desde sintomas que podem indicar intenções ao ato até à maneira que profissionais de saúde devem agir frente a pacientes que apresentam tendências suicidas. Além dos participantes da mesa principal, muitas pessoas da plateia também utilizaram o microfone e apresentaram relatos pessoais, dados e pesquisas sobre o tema.


Em seu discurso de abertura, a psicóloga Mariana Tavares criticou o caráter efêmero da campanha Setembro Amarelo e fez um apelo para que o poder público tenha um foco maior em ações que visem a prevenção do suicídio, além de campanhas de apoio a pessoas que necessitam de tratamento psicológico e psiquiátrico. Ela também questionou o caráter preventivista da campanha, alegando que tal abordagem coloca o peso sobre as pessoas que estão enfrentando problemas psiquiátricos, e reduz a obrigação de órgãos públicos em realizar ações que busquem ajudá-las. Segundo ela, “O suicida é suicidado”, quando a culpa recai apenas sobre o indivíduo. Ela também ressalta a importância do apoio mútuo, afirmando que “todos podem escutar a todos“. 

Seguindo um raciocínio similar, a psicóloga Laís Mendes Guimarães mencionou o fato de a maioria dos casos de suicídio ocorridos durante e após a fase crítica da pandemia de Covid-19 terem sido de mulheres do norte e nordeste, com mais de 60 anos de idade. Ela adiciona os números elevados de casos relacionados a pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social. Para Laís, a melhor maneira de prevenção é “tornar as condições de vida de todos boas, em todas as áreas possíveis”.


Dentre aqueles da plateia que relataram casos pessoais, está um médico. Ele conta que durante um de seus plantões, conversou com uma paciente que confessou a vontade de cometer suicídio. Ele relatou ter se sentir despreparado frente ao ocorrido, e que tentou ser atencioso com a paciente, a encaminhando para a rede de saúde mental do município.


Outro relato foi de um bombeiro que descreveu uma das ocorrências em que passou cinco horas conversando com uma pessoa com intenções de se jogar de um local de grande altitude. Ele contou como tal situação é desgastante, e explicou como os bombeiros tentam trabalhar evitando a concretização do suicídio. Trata-se de uma manobra onde o profissional, preso com equipamento de segurança, se joga para segurar o indivíduo antes que este possa se suicidar, ato que pode lhe causar muitos traumas.

Setembro amarelo: Debatedores em uma mesa com toalha amarela, à frente de um fundo escuro, com a projeção da capa de um livro de psicologia
Da esquerda para a direita: Jesse Catapreta, Mariana Tavares e Lais Mendes. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz

Serviços de Apoio

A psicóloga Tamara Leonel Arantes conta que, com a pandemia e o rompimento da barragem de Fundão em 2015, notou-se um aumento do número de atendimentos na rede de saúde mental do município. Ela explica que a cidade de Mariana conta com um Centro de Assistência Psicossocial (Caps), cujo objetivo é substituir os antigos hospícios e manicômios no tratamento de problemas psicológicos. A unidade referida se localiza na Rua Dezesseis de Julho, sem número, ao lado do INSS, e possui acolhimento aberto durante toda a semana. Quando um paciente chega no Caps, este é atendido por um técnico de referência para avaliar o caso. Há também o Capsij, destinado para o tratamento psicológico de crianças e adolescentes que necessitam de apoio, e o Conviver, um serviço de atenção à saúde mental criado após o rompimento da barragem de Fundão, destinado a ajudar a população atingida.

Em suas falas, as psicólogas Mariana Tavares e Lais Guimarães incluíram pontos importantes para perceber comportamentos que indicam possíveis tendências suicidas. Em geral, os casos envolvem homens entre 20 e 50 anos – mas é importante explicitar que qualquer pessoa pode apresentar tais tendências.

Entre as principais características estão o isolamento afetivo, exposições constantes a situações perigosas e aquisição de meios para cometer suicídio. Em crianças e adolescentes as características podem ser um pouco diferentes. Nesses casos, é preciso ter atenção a lesões causadas por automutilação, expressão de sentimentos de abandono, ambiente familiar hostil, interesse por conteúdo relacionado a suicídio e uso de álcool. Mesmo com atentando-se a essas características, é preciso saber que os sintomas variam de pessoa para pessoa. Muitos indivíduos podem apresentar sintomas muito particulares ou até mesmo nenhum sintoma aparente, de modo que o ideal é sempre estar aberto a escutar os sentimentos do outro.

Toalha feita com desenhos dos usuários do CAPS Mariana, utilizada para enfeitar a mesa da roda de conversas do seminário sobre o Setembro Amarelo
Toalha feita com desenhos dos usuários do Caps Mariana, utilizada para enfeitar a mesa da roda de conversas. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz

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Setembro Amarelo

A campanha do Setembro Amarelo foi adotada no Brasil em 2015 através de iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). A ideia é que durante todo o mês sejam produzidos conteúdos presenciais e on-line para conscientizar as pessoas sobre como identificar tendências suicidas em pessoas conhecidas e auxiliar na busca por ajuda psicológica apropriada.


A campanha surgiu em setembro 1994 nos Estados Unidos, quando Mike Emme, um jovem de 17 anos, cometeu suicídio. Seus familiares nuca tinha notado nenhuma caraterística que demonstrasse tal intenção, e decidiram criar uma campanha para tentar impedir que histórias como a de Emme se repetissem.

O nome “Setembro Amarelo” foi escolhido devido ao carro que Emme dirigia, um Mustang 68 restaurado e pintado de amarelo por ele. Desde então, a campanha vem recebendo tanto elogios quanto críticas. Os apoiadores acreditam que essa é uma das melhores maneiras de conscientizar e incentivar aqueles que precisam a procurar ajuda. Os críticos alegam que a campanha pode ser um grande gatilho para o “Efeito Werther”, conceito da psicologia que faz referência ao personagem principal do livro “O Sofrimento do Jovem Werther”, escrito pelo alemão Johann Wolfgang von Goethe.

No livro, o jovem se suicida devido a um amor não correspondido. Desde o lançamento, em 1774, há relatos de pessoas que se suicidaram inspiradas pelo personagem. Na psicologia, tal efeito é descrito como um pico nas ocorrências inspirado por um caso ficcional ou real que tenha sido amplamente divulgado. Como salientou a própria Mariana Tavares, a campanha de Setembro Amarelo pode estar inundando a mídia de discussões e relatos ligados ao tema, o que, por sua vez, pode contribuir para o aumento de ocorrências via Efeito Werther.

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