- Ouro Preto
Passe livre estudantil: Prefeitura de Ouro Preto diz que não pode arcar com os custos
“Como eu estou respirando pó de mineração todo dia e não tem dinheiro pro mínimo?”, rebateu moradora
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Aconteceu na noite da última quarta-feira (05), a 24ª Audiência Pública da Câmara Municipal de Ouro Preto. Com o tema “Meio Passe e Passe Livre Estudantil”, a reunião contou com a presença de vereadores, representantes do Executivo, professores e estudantes do município. Na sessão, o público presente utilizou o Plenário para pedir o subsídio total ou parcial do valor das passagens de ônibus para alunos da rede de ensino como Política Pública de acesso à educação e à cidade. O representante da Administração Municipal, porém, alegou falta de condições financeiras do município para atendimento da solicitação.
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Durante a audiência, estudantes usuários do transporte público de Ouro Preto e distritos relataram suas experiências diárias de deslocamento, expondo a relevância de debate do tema. Os alunos também reclamaram da precariedade do transporte da região, que coloca em risco a segurança dos passageiros. Como contou Luiz, representante da Associação de Repúblicas Particulares de Ouro Preto (ARPA), o valor cobrado pela passagem e a restrição de horários de algumas linhas faz com que muitos estudantes recorram ao transporte clandestino, como as conhecidas ‘caronas’. “Caronas que, por vezes, você não conhece as pessoas. Caronas que, por vezes, você não sabe se a pessoa está em condições de estar dirigindo, e não ter o transporte livre faz com que isso aconteça“, afirmou o aluno da UFOP.
Ainda segundo ele, a situação é mais crítica para os alunos que usufruem das moradias estudantis localizadas no centro da cidade, já que muitos se encontram em situação de vulnerabilidade econômica.
Natália de Souza Lisboa, pró-reitora de Assuntos Comunitários e Estudantis da UFOP, mencionou que aproximadamente 20% dos estudantes da instituição são atendidos com o auxílio Bolsa Permanência, que leva em consideração a situação econômica do aluno e de sua família. Estudantes presentes na audiência relataram que os gastos com transporte até a sala de aula podem consumir, dependendo da localidade, quase todo o auxílio fornecido. Segundo Natália, desde 2019 a Universidade não consegue atender todo o público que necessita do benefício, sendo hoje abrangidos apenas aqueles que possuem renda familiar de até um salário-mínimo. A pró-reitora ainda salientou que, apesar da pequena distância em números, a necessidade de um transporte gratuito na cidade se faz de forma mais contundente devido às características topográficas e climáticas de Ouro Preto. “São dois quilômetros com um morro de quase 90 graus. Chove um dia sim e outro também”.
O professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Reginato Fernandes dos Santos, também se referiu ao número de alunos em situação de vulnerabilidade econômica que se beneficiariam do passe livre estudantil. Segundo ele, mais de 50% dos alunos do IFMG possuem renda per capita de até um salário-mínimo, e o comprometimento com a passagem impacta negativamente no orçamento familiar.
Em 2021, a Câmara aprovou um requerimento solicitando informações do Executivo sobre como o tema poderia ser discutido e as ações fomentadas. Para o vereador Matheus Pacheco (PV), “precisa ser alinhado nosso desejo, com a realidade do município e o custo que se tem hoje para que essa pauta possa ser executada”.
Cenário financeiro atual impede concessão do passe livre estudantil
Juscelino Gonçalves, secretário de Desenvolvimento Social do de Ouro Preto, explicou que, devido à Lei de Responsabilidade Fiscal, a administração pública municipal não pode se comprometer com o subsídio do benefício aos estudantes. “Hoje nós não temos condições financeiras de arcar com um passe livre completo”, declarou Gonçalves, acrescentando que a situação pode mudar com a expansão das mineradoras previstas no município. “Há uma prospecção de aumento de mineração na cidade. Isso acontecendo, há possibilidade de oferecer isso [passe livre ou meio passe estudantil]”, assegurou.
Atualmente, a Prefeitura subsidia 42% do valor da passagem das linhas municipais. De acordo com Guilherme Schulz, representante de Relações Institucionais do Consórcio Rota Real, apesar do custo ainda ser alto para os munícipes, o valor não cobre os gastos operacionais da empresa, que foi impactada com o aumento no preço dos combustíveis. Para o representante, a empresa e o município devem buscar soluções junto aos governos federal e estadual.
Ainda segundo Schulz, diálogos com as mineradoras inseridas na região também podem colaborar com o debate, já que essas precisam fazer ressarcimentos ao município.
Júlia Virgínia, estudante da UFOP e moradora do distrito de Antônio Pereira, demonstrou sua indignação sobre a falta de verbas para o transporte estudantil, em especial dos alunos que vivem nos distritos ouropretanos. “Como eu estou respirando pó de mineração todo dia e não tem dinheiro pro mínimo?”, questionou a universitária.
Felipe Pinho, Auditor Fiscal da Receita Municipal e secretário de Fazenda de Ouro Preto pontuou sobre o impacto orçamentário de quase metade do valor da passagem, afirmando que os 42% de subsídio tem valor maior do que o Tarifa Zero de Mariana, o que inviabilizaria a inserção de um programa semelhante em Ouro Preto devido aos altos custos.
Alunos dos distritos enfrentam ainda mais dificuldades
Durante a sessão, a estudante de Antônio Pereira relatou sobre as dificuldades para chegar ao campus da UFOP. Para chegar a Ouro Preto, a aluna precisa pegar um ônibus do distrito até Mariana e, em seguida, fazer a baldeação para o destino final. Além do alto valor gasto ao final do mês, o horário dos transportes também é um problema. Julia conta que o último ônibus para Antônio Pereira passa às 22h20, enquanto o término de sua aula acontece às 22h40.
No mês de setembro, alunos e familiares relataram, nas redes sociais, a ausência de transporte para alunos que precisam se deslocar dos distritos para a sede de Ouro Preto. A falta de ônibus para fazer o deslocamento dos estudantes tem como um dos motivos o atraso no pagamento dos motoristas que realizam o serviço, pagos pela Secretaria Municipal de Educação. Outro problema refere-se às más condições das estradas, como a do distrito de Santo Antônio do Salto.
Durante a Audiência Pública, a secretária adjunta de Educação disse que Ouro Preto recebe verbas do Programa Federal do Transporte Escolar para fazer a locomoção de alunos da rede municipal de ensino que vivem na zona rural, cujo montante inclui o custo do transporte de estudantes da APAE e do IFMG, ambas localizadas na sede do município. De acordo com a secretária, o orçamento atual não permite ao município abarcar outros estudantes e, para que haja a expansão de cobertura do transporte aos demais estudantes, é necessário que sejam realizados diagnósticos prévios dos passageiros que poderão se beneficiar do auxílio, para que novas políticas públicas sejam pensadas.
Em sessões ocorridas no mesmo mês das reuniões ordinárias da Câmara de Ouro Preto, o vereador Júlio Gori (PSC) disse ter recebido denúncias de que vereadores estariam interferindo nas rotas dos transportes. Na acusação, moradores relatam que em uma mesma localidade, alunos são deixados para trás, enquanto outros são transportados à sede. Em Plenário, vereadores cobraram investigações por parte do Ministério Público para apurar a denúncia.
Procurada pela Agência Primaz no dia 26 de setembro, a Secretaria de Educação de Ouro Preto informou que se pronunciaria sobre a questão dos transportes até o dia 28. Contudo, após inúmeros contatos, nossa reportagem não recebeu nenhum pronunciamento. Dentre os temas que seriam questionados, estavam a regularização do transporte escolar entre sede e distritos; as iniciativas da secretaria para diminuir o prejuízo causado aos alunos que perderam aulas e provas, devido à falta de transporte, e o atraso nos pagamentos aos motoristas da cooperativa responsável pelos ônibus e vans escolares.
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Dificuldade de locomoção compromete aprendizado
Representantes da UFOP e do IFMG pontuaram que o deslocamento é um dos impeditivos de acesso à escola, sendo a falta de transporte gratuito e de qualidade uma das causas recorrentes da evasão escolar. Além disso, o valor da passagem também impacta na qualidade de aprendizagem dos alunos, uma vez que algumas atividades são feitas fora dos locais onde acontecem as aulas, sendo necessários outros deslocamentos.
No IFMG, por exemplo, o projeto de Curricularização da Extensão promove a ida de graduandos de licenciatura às escolas da rede pública de Ouro Preto, de modo a criar uma maior proximidade entre o instituto e a comunidade. Atualmente, o custeio da passagem é feito pelo próprio universitário, o que diminui a aderência e a oportunidade de participação de parte dos alunos nessas ações de formação. Na UFOP, o projeto, que também está sendo expandido, enfrenta os mesmos problemas do IFMG.
Representantes de diversos setores da educação ouropretana pontuaram sobre a importância do transporte gratuito de estudantes, que tem como uma das consequências a democratização do acesso à educação no município. Durante as discussões, foi levantado também que a concessão do passe livre estudantil deve ser vista, pelo Executivo, como “investimento” e não “custo”.
Direito à cidade
Associado ao debate sobre o transporte dos alunos de casa para a escola, representantes de movimentos estudantis e professores falaram também sobre o acesso dos estudantes a espaços e atividades dentro da própria cidade.
Bianca Martins, integrante do Movimento Universidade Popular (UP), falou sobre as diferenças observadas por professores da rede pública de ensino quanto ao capital cultural dos alunos. Martins relata que estudantes que possuem acesso à cidade, geralmente saem à frente nos estudos, em relação aos que são privados destes espaços. “Com o passe livre para todos, nossos alunos terão possibilidade de acessar qualquer lugar que eles queiram: museus, igrejas […] e isso ‘pro’ ensino é fundamental”, afirma Martins, acrescentando que os “alunos têm o direito e têm que ter oportunidade de acessar os espaços que eles queiram acessar. E o transporte não deve ser impedimento para isso”.
Júlia, moradora de Antônio Pereira, também abordou o tema: “Como você pode dizer que eu tenho acesso a uma cidade se eu não posso chegar até ela?”, questionou. Leandro Andrade, Conselheiro Municipal de Educação, apontou que “leis que materializem, que concretizem, o estatuto da cidade”, devem ser fomentadas, já que garantem o acesso para “contemplar de um modo mais justo, mais democrático, os moradores dos distritos”.
Passe livre estudantil em Minas Gerais
Algumas cidades de Minas Gerais vêm se mobilizando quanto à distribuição de meio passe ou passe livre estudantil em suas localidades. Dentre esses casos, na capital mineira o meio passe estudantil contempla alunos do ensino médio público do município que residem a mais de 1km de distância da unidade de ensino, com subsídio de 50% do valor da tarifa de ida e volta do estudante. Para receber o benefício, a família deve estar cadastrada em algum programa de assistência social do Governo Federal.
Já em Nova Lima, região metropolitana de BH, estudantes em situação de vulnerabilidade de renda, de qualquer nível de ensino, e até mesmo em estágio curricular obrigatório, são contemplados com 100% ou 50% de subsídio no valor da passagem, desde que sejam compatíveis com os critérios pré-estabelecidos pela Prefeitura.
Em Montes Claros, o auxílio estudantil custeia metade do valor da tarifa do transporte coletivo, sendo concedido de acordo com uma escala de vulnerabilidade. Ibirité, que tem projeto já aprovado pela Câmara, vai oferecer gratuidade para estudantes da rede municipal de ensino, com limite de duas passagens por dia. De acordo com o projeto de lei, estudantes dos cursos de Educação para Jovens e Adultos (EJA), também serão contemplados com o benefício.
No caso de Mariana, o programa Tarifa Zero, implantado no dia 1º de fevereiro de 2022, custeia integralmente o valor das passagens das linhas municipais para todos os usuários, beneficiando diretamente estudantes das redes pública e particular de ensino.
Encaminhamentos da reunião
Na condição de Audiência Pública, a reunião teve caráter propositivo e de discussões para que ações fossem propostas, auxiliando na resolução do tema em debate. Ao final da Audiência, ficaram firmados os seguintes encaminhamentos:
- Realização de um censo para quantificar os estudantes usuários do transporte coletivo, possíveis beneficiários do passe livre (ou meio passe), a fim de se trabalhar em políticas públicas efetivas, incluindo a criação de um fundo para o subsídio;
- Estudo do impacto financeiro para a implementação subsídio;
- Estudo da possibilidade de estatização do serviço de transporte público no Município;
- Inclusão do passe livre como programa de assistência estudantil;
- Inserção do transporte intermunicipal e do transporte entre os distritos e a sede do Município no estudo da aplicação do subsídio;
- Estudo de rotas visando a oferta do transporte direto entre os bairros mais afastados e a Universidade, inclusive aos domingos, abordando ainda quais seriam os horários mais convenientes para atender aos usuários;
- Busca de parcerias com o setor privado, envolvendo as grandes empresas que atuam no Município, na forma de compensação;
- Busca de apoio dos governos estadual e federal;
- Criação de um grupo de trabalho para tratar da proposta do passe livre (ou meio passe), sob responsabilidade do Poder Executivo, com a participação de entidades estudantis;
- Georreferenciamento do transporte escolar visando a otimização das rotas;
- Reavaliação do sistema de rotas e formas de transporte no município.
Cortes sucessivos na Educação
Cortes sucessivos na Educação
Dois dias antes do 1º turno das eleições, o Governo Federal publicou um decreto que bloqueou 5,8% do orçamento previsto para os meses finais deste ano. Segundo a Diretoria Executiva da Andifes, o montante total de cortes nas universidades federais apenas este ano é de mais de R$300 milhões. Somente na UFOP, o último corte representou um déficit de quase R$3 milhões, de acordo com a pró-reitora de Assuntos Comunitários e Estudantis.
Nessa quarta-feira (05), o Governo detalhou o impacto do corte por setores, sendo o Ministério da Educação (MEC) impactado com o confisco de R$2,4 bilhões de reais. Segundo a Andifes, os cortes sucessivos inviabilizam o funcionamento dos institutos e universidades federais. Na manhã desta quinta (06), uma reunião extraordinária com participação de reitores de todo Brasil discutiu as medidas a serem tomadas para prosseguimento do funcionamento das universidades, entre cortes e contenção de gastos, além da suspensão de licitações e contratações.
A educação infantil e a EJA também sofreram redução orçamentária para o ano de 2023, impactando negativamente no alcance dos estudantes e na prestação de serviços por parte das escolas.