- Mariana
Moradias socioeconômicas da UFOP padecem de negligência
Moradores relatam medo de assédio, agressão e roubo
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O objetivo de moradias estudantis socioeconômicas é proporcionar, sobretudo, o ingresso e continuidade de alunos com perfil de vulnerabilidade social nas universidades públicas. Em teoria, esse serviço deve oferecer aos estudantes conforto, acessibilidade, e, principalmente, segurança. Na prática, porém, o cenário é diferente.
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A cerca de 500m do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), em Mariana, está o Conjunto I das moradias estudantis da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), conhecido popularmente como Moitas. Com 7 residências, que contam com cerca de 80 moradores, a habitação é cercada por intensa mata atlântica, sem portões efetivos e sem cercamento. Faltam, ainda, funcionários e equipamentos de segurança.
Relatando a experiência de viver sem segurança no local, os moradores denunciam um histórico que os causa assombro e inquietação. ‘‘Já fomos invadidos. Não temos segurança dentro da nossa casa e vivemos com portas e janelas fechadas”, conta Vinicius Mota, calouro de História e morador da República Zona, uma das residências das Moitas. “Por esses fatores, acredito que não seja seguro morar no conjunto’’, completa.
Moradora da república Sé, Lara Vasconcelos cursa o segundo período de História e mudou-se para as Moitas há menos de um mês. Sua entrada foi facilitada por uma revisão no processo dos editais das moradias estudantis, que agora permanecem abertos durante todo o período. Apesar de seu pouco tempo de vivência no local, os problemas de segurança já começaram a afetá-la: mesmo sentindo-se segura no ambiente, as noites trazem insegurança e força os moradores à vigilância constante.
“Qualquer um pode entrar e sair das Moitas, nós estamos sujeitos a isso. A gente toma muito cuidado, na segurança da casa tudo que está ao nosso alcance nós fazemos, que é trancar as portas, trancar os quartos… é um ‘sempre alerta’. Essa é a frase: estamos sempre alertas”, declara.
Revolta
Milena Amarante, estudante de pedagogia e moradora, também, da república Zona, denuncia que a sua residência foi invadida três vezes em menos de dois anos, tendo, nessa última invasão, ocorrido o roubo de um cartão de crédito. ‘‘Minha casa foi invadida por um homem que entrou em um dos quartos, roubou um cartão de uma das moradoras, efetuou compras gerando uma fatura de R$751,00 e quase levou embora a minha bicicleta. Mas foi impedido porque dois moradores chegaram no momento e ele foi embora correndo”. Milena relata, ainda, que além do desgaste financeiro e mental, a falta de segurança nas moradias afeta também seu desenvolvimento acadêmico. “Fico frustrada por ter saído da minha cidade para vir estudar, viver em uma moradia que não tem segurança e não poder ter meus estudos como prioridade’’.
As invasões na República Zona decorrem, segundo os moradores, da residência ser a casa mais próxima do chamado ‘‘Caminho das Moitas’’ ou ‘‘Caminho do ICHS’’. Tal caminho consiste em um acesso pavimentado e com postes de luz desativados que liga as moradias do Conjunto I ao campus da UFOP, e não possui qualquer tipo de monitoramento. O atalho é uma via pública acessada tanto pelos moradores das Moitas quanto pela comunidade do bairro Chácara. Mas as interações, há muito tempo, deixaram de ser exclusivamente civilizadas, com acúmulo de denúncias de uso indevido da via. Segundo os habitantes, o caminho, que é escuro e cercado por matas, é cenário de casos de assédio, agressão e roubo.
‘‘Eu estava indo para a aula por volta das 8h30 da manhã quando um homem (aparentemente de meia idade) me seguiu, passou na minha frente e ficou atrás de uma árvore se masturbando. Quando percebi que ele estava sem a parte de baixo da roupa, tive certeza que seria, no mínimo, estuprada. Felizmente isso não ocorreu. Mas não diminui o tamanho terror do que senti.’’ expõe Ágata Bárbara, estudante de História e moradora da república Sé. A residente das Moitas declara, ainda, revolta com a resposta e falta de resolução por parte da UFOP. ‘‘E ouvir da UFOP um ‘sinto muito, não passe por lá’, não é muito reconfortante, tendo em vista que a mesma não tomou nenhuma atitude investigativa, e nem deu nenhum suporte psicológico, pois não fui a primeira a ser assediada ao ir para aula. E se ela não tomar nenhuma atitude, certamente não serei a última’’, conclui.
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Para Lara, a natureza básica dos pedidos feitos à UFOP torna a inatenção e inação um sinal claro de negligência. “O que a gente pede da UFOP não é regalia, não é mimo, não é nada, é o básico. É segurança que a gente pede. É uma luz nos postes que a gente pede, é uma câmera de segurança, é um segurança disposto a estar acompanhando a gente, a estar no caminho. Se tiver um segurança no início daquele caminho já resolve muita coisa. Então assim, a gente só quer o mínimo”.
“Cobramos por um tratamento igualitário aos das repúblicas de Ouro Preto. Mas na realidade nada de efetivo foi feito desde que os problemas começaram e isso tem sido discutido desde 2018. Assim como os quartos que não podem ser ocupados devido ao mofo, já estão fechados por anos.” O depoimento de Daniel Capel, estudante do curso de Letras e morador da República Rocinha, diz da negligência dos órgãos responsáveis pelo conjunto.
Os moradores explicam que problemas na segurança já foram abordados diversas vezes, sendo sempre tópico nas reuniões com a Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários Estudantis (PRACE), o Núcleo de Assuntos Comunitários Estudantis (NACE) e com a Diretoria do ICHS, mas não houve acordos.
Quais serão as medidas?
Ao perguntarmos à direção do ICHS quais seriam as medidas adotadas em relação à segurança no caminho das Moitas e no Conjunto I, Mateus Pereira, professor de História e diretor na atual gestão do Instituto, respondeu que não é competência da diretoria da unidade a elaboração de tais medidas, encaminhando assim a responsabilidade aos órgãos devidos. ‘‘O ICHS é uma unidade que está dentro de um campus. A PRACE tem competência em relação às moradias, e em relação ao caminho é a administração superior, em articulação com a direção do ICHS. Mas não é da nossa competência em específico’’, comunica o diretor.
Entretanto, quando questionada, a PRACE afirmou que a segurança das moradias seria de competência da PROPLAD (Pró-Reitoria de Planejamento e Administração), e que as questões de manutenção são responsabilidade da PRECAM (Prefeitura do Campus).
Mesmo com a negativa, o professor de História conta que, no dia 19 de outubro deste ano, houve uma reunião do Conselho Departamental para tratar desse assunto. ‘‘A gente resolveu pedir à Reitoria algumas ações imediatas em relação à preocupação pelo ‘caminho’’ e a segurança dos nossos alunos’’, explica.
O diretor acrescenta que a direção enviou, à comunidade da UFOP em Mariana, uma nota, por e-mail, que orienta a não utilização do caminho das Moitas. A nota diz que, apesar de seu desejo comum ao dos alunos de viabilizar e urbanizar o caminho que liga as Moitas ao campus da UFOP, a universidade não teria recursos para a iluminação e segurança da via. Assim, devido à “impossibilidade financeira atual da UFOP garantir a segurança dos usuários do caminho em uma situação ideal”, a diretoria emitiu uma série de encaminhamentos, entre eles a inutilização voluntária da via e a implementação, junto à PRACE, de controle de entrada e saída de pessoas do conjunto. Vale destacar que o Conjunto I, diferentemente de outros conjuntos de moradias da UFOP, não possui uma portaria efetiva, apenas um ‘‘vigia’’ em uma ‘‘guarita’’. Segundo os moradores, o diretor do ICHS chegou a dizer, em reunião, que a portaria do conjunto seria apenas um “espantalho”, sem poder eficaz.
Na nota ainda é citado que já está inserido no orçamento de 2023 da universidade o valor para o cercamento das casas do Conjunto I, assim como a possibilidade de se buscar uma parceria entre a UFOP e o poder público municipal de Mariana para manutenção e urbanização das vias.
Impactos da insegurança na saúde mental dos estudantes da UFOP
De acordo com a psicóloga Ana Luiza Portela, a situação de insegurança constante afeta a saúde mental dos moradores, uma vez que, quando ameaçado, o organismo humano tende a entrar em estado de alerta. Isso pode levar à uma desregularização do organismo, à diminuição do desempenho cognitivo e até a um estado de neurose, possivelmente afetando sua forma de ver e se relacionar com o mundo.
Ana Portela destaca, também, como o sentimento de descuido e desamparo dos moradores em relação aos órgãos responsáveis pode afetar os estudos e o desenvolvimento acadêmico. Para ela, “quanto menor o envolvimento desses supostos cuidadores, maior é a desmotivação”.
A situação do Conjunto I das moradias assumiu, infelizmente, estado crônico de sucateamento que aponta para desamparo por parte da Universidade e de seus órgãos, seja por motivos financeiros, administrativos ou simples negligência. A ferrugem, o mofo, os matagais e o medo constante são parte da rotina de gerações de moradores das Moitas, que vieram para Mariana buscando sua educação e esperando serem acolhidos com conforto e acessibilidade pela instituição. Apesar de tudo, o conjunto é guiado por um espírito de irmandade e companheirismo entre os alunos, que se unem e assumem para si diversas responsabilidades que deveriam ser da universidade. A situação, entretanto, se agrava a cada dia, e mesmo os responsáveis percebem que se aproxima o momento em que a ausência de segurança e respaldo cobrarão seu preço.
Esta reportagem foi produzida por Carlos Vitor Nascimento, Giovanni Bruno e Larissa Arruda, sob a supervisão do Prof. Felipe Viero, como trabalho final da disciplina Redação em Jornalismo, no 1º semestre de 2022.