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Hoje é segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Comunidade da Figueira: uma rede que interliga Mariana

Com mais de 30 anos de atuação, entidade sobrevive de verbas públicas, doações e trabalho voluntário

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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
Fachada da Comunidade da Figueira, em Mariana, fundada por Dom Luciano Mendes de Almeida – Foto: Alice Oliveira
Fachada da Comunidade da Figueira – Foto: Alice Oliveira

A Comunidade da Figueira é um centro de convivência para pessoas com deficiências físicas e/ou mentais. Os profissionais trabalham através de atividades que estimulam aspectos cognitivos, motores e afetivos de cada usuário, respeitando suas limitações e favorecendo suas habilidades. 

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A história da Comunidade da Figueira

Fundada em 1990, pelo Arcebispo de Mariana Dom Luciano Mendes de Almeida, um religioso jesuíta. Dom Luciano tinha forte amizade com o Bispo de Manaus, onde o casal belga Hilda e Antônio desenvolviam um trabalho com meninos e meninas de rua. Dom Luciano convidou o casal para ir até Mariana em Minas Gerais, com a intenção de iniciar o mesmo trabalho na cidade. Mas nessa ocasião era difícil encontrar meninos de rua nessa cidade. Foi aí que mudaram o foco do objetivo inicial e começaram a pensar num trabalho com deficientes.
Na época não existia uma casa de acolhimento para pessoas com deficiência em Mariana. Algumas delas foram encontradas dentro de casa, já que naquele tempo o preconceito era mais explícito, e o comum era que as famílias os escondessem da sociedade.
Para reverter esse cenário, fundaram uma casa de acolhimento às pessoas com deficiência no antigo Palácio do Bispo, próximo à Igreja de São Pedro. Era uma casa antiga, com necessidade de manutenção, sustentada com o dinheiro da igreja e com a ajuda de doadores e voluntários da população marianense. Era o início de algo muito maior e bonito, o broto da Figueira.

A raiz da Figueira

A Comunidade da Figueira, desde sua fundação, tem como propósito incluir na sociedade aqueles que sempre foram desprezados, vistos como incapazes e inválidos. Desse modo, o tratamento acessível e digno para as questões de saúde também tinha forte apelo, principalmente na saúde mental. E para que isso fosse possível, a parceria com profissionais da saúde era fundamental.

A psicóloga da Comunidade da Figueira, Ivana Galvão, começou como voluntária há 30 anos. Ela desejava trabalhar com pessoas com deficiência. Através de uma amiga que era mãe de uma usuária da Comunidade, foi apresentada a Hilda, e se apaixonou pelo trabalho feito na Figueira. E assim, a história de Ivana se cruza com a da Figueira.

Em 1995, a Figueira passava por muitas dificuldades. O local onde os usuários eram atendidos era precário e a pauta de inclusão de pessoas com deficiência ainda era um tabu na sociedade. Por isso, era difícil se manter e conseguir prestar assistência a todos os usuários.

Em dezembro de 1996, Ivana foi para a Bélgica conhecer novas formas de acolhimento às pessoas com deficiência, sendo que essa experiência a motivou a pensar em inovações no modo de acolhimento, inclusão e valorização da cidadania das pessoas com deficiência. “[Eu] via uma discrepância muito grande nos nossos meninos. Foi ali que eu tive certeza que precisava fazer as coisas diferentes”, afirmou Ivana.
Algumas vezes ela teve que se ausentar da Figueira. Em 1997 trabalhou na Prefeitura de Mariana como Coordenadora de Saúde Mental, sendo responsável pela implantação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), juntamente com a equipe de saúde mental do município. “Eu saí da Figueira, mas a Figueira nunca saiu de mim”, complementou. Alguns anos depois, ela voltou como funcionária da Comunidade e com mais bagagem.

Caderno de Ivana – Fotos: Sofia Carvalhido

Significado prático da Comunidade da Figueira

Ivana explicou a mudança do nome inicial da instituição, de “Casa da Figueira” para “Comunidade da Figueira”. De acordo com a psicóloga, “comunidade é o comum viver, né? Você ‘tá’ ali comungando a vida do outro, isso é comunidade e tem mais a ver com a proposta”.

Normalmente os usuários chegam por volta das 8h, tomam café da manhã – fornecido pela Prefeitura de Mariana e por doadores-, e cada um já segue para sua sala/oficina. A atual diretora, Solange Ribeiro dos Santos Reis, comumente chamada de “Tia Sol”, trabalha há sete anos na Figueira e, para ela, trabalhar a inclusão e a autoestima dos usuários é crucial: a integração, além da inclusão, também é importante.

A gente leva e mostra ‘pra’ eles que eles não têm que se sentir menores que ninguém. Pessoas com deficiência foram criadas dentro de um mundo que não queriam eles, têm pessoas aqui na Comunidade que a família nunca aceitou. Então a gente trabalha muito a autoestima: ‘Olha, você é importantíssimo!’”, afirmou Solange.

A vida dessas pessoas e de suas famílias é impactada através do carinho, do esforço e do trabalho dos funcionários e voluntários da Figueira que sempre dão valor ao “você é capaz”.

O almoço também é fornecido pela administração municipal e por doadores. A alimentação de qualidade, que era um dos sonhos dos fundadores, hoje é possível. Durante o dia são exercidas atividades em várias oficinas: culinária, artesanato, música, dança teatro e horta. A Comunidade da Figueira se esforça para que essa parcela da população por ela assistida, possa exercer de modo pleno a cidadania, com reconhecimento da mesma pela sociedade.

Cartaz com fotos, em uma parede da Comunidade da Figueira., com a legenda: "Fazemos a diferença pois amamos o que fazemos"
Mural instalado na Comunidade da Figueira- Foto: Sofia Carvalhido

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Os usuários, as famílias e os funcionários

Flávia Coelho Correa de Oliveira, secretária do Comunidade da Figueira, conta que “gostaria que a comunidade tivesse estrutura para atender mais pessoas. Nesse momento, a instituição tem 70 usuários inscritos e chegam pessoas novas pedindo vaga quase todas as semanas”. Uma das usuárias é Liliane Santana, de 36 anos, que conta que sua parte favorita na comunidade é poder ajudar as pessoas que estão precisando. Dentro da Figueira, segundo ela, recebeu acolhimento. “Lá fora as pessoas não me tratam tão bem”, declara.

Liliane Santana, usuária da Comunidade da Figueira – Foto: Maria Eduarda Gomes

Tanto os usuários quanto os funcionários são acolhedores com quem visita a Figueira. A cozinheira mais antiga da Figueira, Efigênia Evangelista Venceslau, trabalha na comunidade há 27 anos. Ela conta que, quando chegou, não sabia se seria emocionalmente capaz de ficar no emprego, mas os usuários foram tão acolhedores com ela que, em poucas semanas, ela se ambientou: “Os anos que vivi aqui dentro serão sempre os melhores da minha vida, e sei que, depois que eu sair daqui, a Figueira não vai sair de mim”, afirmou.

Um dos usuários e funcionário da Figueira, Diogleison Brás José, de 24 anos, conta que foi o melhor lugar que ele já conheceu: “A felicidade que eles trazem aqui, eu não acho em nenhum outro lugar lá fora, depois do portão. É um lugar único, tanto que chamam aqui de ‘um pedacinho do céu’ né?!”. Diogleison era usuário e se tornou funcionário, mais uma marca do esforço da comunidade de os integrar e oferecer independência.

Diogleison Brás José, que passou de usuário a funcionário da Comunidade da Figueira, olha o retrato de Dom Luciano
Diogleison Brás José passou de usuário a funcionário da Figueira – Foto: Maria Eduarda Gomes

A Comunidade da Figueira ocupa um lugar muito próximo na vida dos usuários. Maria do Carmo Batista, irmã de Luciney Batista, usuário na instituição, conta que a Comunidade sempre esteve presente não só na vida do seu irmão, como também na de sua família. “A Figueira sempre está nos ajudando. Lá, meu irmão aprendeu coisas que jamais seríamos capazes de ensiná-lo, ou de fazer por ele. A comunidade está sempre pronta para a gente, ajudando com alimentação e até mesmo com fraldas para minha mãe”.

Ela diz, ainda, que se sente cada vez mais realizada: “É gratificante ver que o trabalho maravilhoso da coordenação, dos funcionários, das vans que nos ajudam dão condições para que meu irmão viva uma vida melhor”, complementa.

Outras famílias também são amparadas pela Comunidade. Maria das Dores Silva Ferreira, mãe de Carla Beatriz e irmã de Maria Aparecida Silva Souza (já falecida), ambas usuárias na instituição, conta que sua filha Carla é uma das primeiras frequentadoras da Comunidade. Ela explica que, para sua filha, os anos na Figueira foram de desenvolvimento pessoal e familiar. “Hoje minha filha está muito amadurecida, aprendeu a fazer alguns trabalhos de artesanato, é tudo de bom”.

A mãe também destaca o cuidado com os usuários e com sua família. “Todos os envolvidos na Comunidade contribuem no desenvolvimento físico, afetivo e intelectual de nossos familiares. A Comunidade age através do amor. Lá as pessoas são aceitas e respeitadas como elas são, entendendo que cada um deles tem um ritmo e uma compreensão diferentes. É só crescimento porque quem ama, faz os outros felizes”.

Quando perguntada sobre como se sentia sobre o trabalho da instituição com sua filha, Maria das Dores disse sentir que o trabalho é excelente. “Ela participa das atividades na instituição e fora dela. Festa Junina, Páscoa, Natal e até ajudando na cozinha. Ela adora. Nossos filhos lá vivem muito felizes”. Destaca, ainda, que recebe cesta básica da instituição e que, sempre quando preciso, a Comunidade está pronta para ajudar.

A sociedade Marianense e a Comunidade da Figueira

Graças à Figueira, muitas famílias marianenses agora podem respirar com mais tranquilidade. “A Figueira faz um ótimo trabalho. Sem a Comunidade, as famílias dos usuários estariam desamparadas”, disse a secretária Flávia.

O apoio e o suporte que a Comunidade oferece para as famílias é de grande importância, oferecendo assistência especializada como psicologia, medicina, enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, orientação aos pais e educadores, favorecendo a inclusão, o crescimento e o respeito às suas limitações como ser único e cidadão que é.

A população de Mariana pode ajudar a Comunidade da Figueira de muitas formas mas, principalmente, com aceitação e com trabalho voluntário. Solange Ribeiro conta que, através da aceitação da instituição dentro da cidade, a integração trabalhada pela Comunidade pode se dar de forma mais suave. Além disso, a Comunidade depende de doações de bens materiais para sua sobrevivência e, por isso, o trabalho voluntário é sempre bem-vindo.

A Comunidade da Figueira está localizada na rua Cônego Amando, número 278, no bairro Chácara. Para entrar em contato, e poder contribuir com esse espaço tão importante, ligue para (31) 3560-5294.

Esta reportagem foi produzida por Alice Oliveira Teixeira, Maria Eduarda Gomes, Rebeca Oliveira da Silva e Sofia Carvalhido Linhares, sob a supervisão do Prof. Felipe Viero, como trabalho final da disciplina Redação em Jornalismo, no 1º semestre de 2022.

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