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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Sentimentos e sabores: Festival Gastronômico de Itabirito resgata memórias afetivas com receitas familiares

Na edição deste ano, doze estabelecimentos apresentam seus pratos e histórias, numa busca que visa recordações e o grande prêmio do evento.

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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
Livreto de divulgação do Festival Gastronômico de Itabirito, edição 2023
Livreto de apresentação dos pratos do Festival Gastronômico de Itabirito - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

Com o tema “Receitas de família: tradição centenária”, o Festival Gastronômico de Itabirito 2023, iniciado no dia 1º de maio, tem mobilizado a população itabiritense para experimentar pratos em 12 bares e restaurantes do município. Na edição deste ano, os prêmios somam R$29 mil, além dos troféus. O 1º lugar recebe R$10 mil e uma bolsa integral do curso de gastronomia da Faculdade Arnaldo, curadora do festival; o 2º lugar ganha R$8 mil e bolsa de 50% do mesmo curso; enquanto o terceiro lugar leva R$6 mil. O júri popular também tem peso neste ano: a votação do público define o vencedor do prêmio “Toninho Didalva”, com premiação de R$5 mil ao estabelecimento escolhido.

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Para acompanhar mais de perto a preparação dos concorrentes e conhecer um pouco das receitas familiares apresentadas, a Agência Primaz visitou, nas últimas semanas, cinco destes estabelecimentos.

Um convite ao “diferente”

Em uma sociedade onde a população é majoritariamente católica e as religiões de matrizes africanas ainda são os principais alvos de intolerância, o Empório 77 Bistrô opta por encarar o preconceito e fazer um convite ao “diferente”, por meio do “Acarajeca – O nosso santo bateu”.

O prato, produzido pelos chefs Alex Bogas e Jey Jod, consiste num sanduíche com bolinho de feijão (Abará), recheado com pernil de forno desfiado, vatapá de bacon e queijo tipo canastra, picles de cebola roxa, microverdes de couve e rúcula, acompanhado de torresmo de barriga. Para harmonizar, cerveja Xangô. Há também as versões vegetariana e vegana do sanduíche que custa R$35 (cerveja não inclusa) e serve uma pessoa.

“Acarajeca”, prato do Empório 77 Bistrô, concorre ao Festival Gastronômico de Itabirito
“Acarajeca”, prato do Empório 77 Bistrô - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

A receita do Acarajeca atravessa a história do chef Alex — que foi criado em um terreiro de Candomblé — e se propõe a ativar sentidos além do paladar. Nessa perspectiva, foi criada uma ambientação no bistrô, com elementos visuais, músicas (e o próprio prato), que torna multissensorial essa experiência gastronômica.

Além disso, de acordo com a proprietária do estabelecimento, Carola Machado, “comer é um ato político” e, para experimentar o prato concorrente, “as pessoas vão ter que lidar com o seu preconceito”, afirmou a futura chef de cozinha que, na edição de 2022 do festival, garantiu o segundo lugar do pódio e uma bolsa do curso de gastronomia.

Alex Bogas, Carola Machado e Jey Jod, do Empório 77 Bistrô
Alex Bogas, Carola Machado e Jey Jod - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

A história do Brasil passa por aqui

Na Casa da Vila Bar, a aposta foi resgatar um pedaço da história do Brasil, além da memória familiar. Conhecidos pela condução da boiada, os tropeiros levavam animais e produtos aos interiores de Minas Gerais e, nos anos 70, a Carmen — chef e proprietária da Casa da Vila —, que na época ainda era criança, teve contato com a tradição e a culinária daquele grupo.

Desta lembrança, nasce “Juntos e Misturados”: uma combinação de arroz, carne de porco, linguiça caseira e feijão inteiro, torresmo com geleia de jabuticaba e quiabo assado, com microverdes na finalização. Para acompanhar, farofa de farinha de milho, pirão de carne e rapadura. Na harmonização: caipirinha de mate. O prato custa R$32 (caipirinha não inclusa) e serve uma pessoa. Não há versão vegetariana ou vegana.

“Juntos e Misturados”, prato da Casa da Vila Bar, concorrente do Festival Gastronômico de Itabirito
“Juntos e Misturados”, prato da Casa da Vila Bar - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

Para a chef de cozinha Carmen Maia, que participa do evento pela primeira vez, a experiência tem sido positiva e ela descreve que tem vivido “uma salada de frutas de sentimentos”. Ela também revela um desejo: “não sei em que lugar, mas gostaria muito de subir ao pódio. Já me imaginei muitas e muitas vezes no pódio comemorando com os meus filhos. Tudo que eu faço é por eles”, afirmou.

Ainda segundo a chef, quem visitar a Casa da Vila pode esperar “uma comida mineira simples, que tem história e amor”. Amor esse que perpassa a comida, o território de Mariana, onde Carmen cresceu, a sua vivência em Itabirito junto dos filhos, e as histórias que agora ela reconta com o Juntos e Misturados.

Carmen Maia (à esquerda) e equipe da Casa da Vila Bar
Carmen Maia (à esquerda) e equipe da Casa da Vila - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

Quando sabor e saudade se misturam

Lembrado pelos brasileiros pelas jornadas de junho, o ano de 2013, no Brasil, foi marcado por grandes movimentos de massas e manifestações. Já do outro lado do mundo, na Síria, também ocorriam conflitos, causados por uma guerra que teve o seu ápice, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, em 2013. O mesmo ano que marcaria a vida de Fadi Catrin e o traria ao Brasil alguns meses depois.

Fadi, proprietário do restaurante de comida árabe Ogarete, quando recebeu a notícia de que sua antiga cidade (Homs) estava sob ataque, precisou se deslocar para a casa de uma tia junto com o restante da sua família. Nessa casa se reuniram, por alguns meses, cerca de 50 pessoas; e a última refeição conjunta dessa grande família deu origem ao prato que Catrin apresenta este ano no festival: “Sabor da Despedida”.

Fadi Catrin, proprietário do Ogarete
Fadi Catrin, proprietário do Ogarete - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

Composto por enroladinhos de pão sírio grelhados, recheados com frango desfiado temperado com cardamomo e sumak, catupiry e cebola roxa refogada no azeite; acompanhados de creme de alho, salada especial (Fatuch) com microverdes; pão sírio frito e molho de romã, o Sabor da Despedida é uma surpresa de sabores que revivem a saudade de um momento familiar que, embora tenha ocorrido num contexto difícil, representa para Fadi a lembrança de um dia feliz.

De acordo com o empresário — que garantiu a terceira posição na edição do ano passado — para além da história, “o Ogarete pensou na beleza e no sabor. Quero mostrar aos clientes que dá pra fazer um prato gostoso, sem gordura e sem fritura”. Além disso, Fadi afirma que “muita gente tem se surpreendido com o sabor do prato, porque os temperos usados são pouco conhecidos”.

Sabor da Despedida custa R$35, serve de uma a duas pessoas, e conta com opção vegetariana.

“Sabor da Despedida”, prato inscrito no Festival Gastronômico pelo restaurante Ogarete
“Sabor da Despedida”, prato do Ogarete - Foto: Victor Schwaner

O tradicional pode ter outro formato

No D’Matta Grill, a receita exala territorialidade e resgata a cultura da comunidade do Bota, região de Itabirito. Num tempo em que Seu Agostinho e Dona Elza (avós do proprietário do estabelecimento) viviam do que produziam, e criavam os filhos e netos no mesmo sistema, a comida, os queijos e a quitanda, alimentavam os laços e as tradições familiares.

“Se tem costela de boi, tem mandioca” surge nessa linha: uma releitura da tradicional receita de vaca atolada, em formato de bolinho. Com uma massa bem temperada de costela de boi, recheio de mandiopiry (catupiry de mandioca) e maionese picante com alho e cheiro verde para acompanhar; tendo canudinhos de doce de leite como cortesia da casa. Nessa combinação, o prato reúne um sabor típico de Minas Gerais e a memória de Seu Agostinho e do seu companheiro Firrinho (o cavalo).

“Se tem costela de boi, tem mandioca”, prato do D’Matta Grill, inscrito no Festival Gastronômico
“Se tem costela de boi, tem mandioca”, prato do D’Matta Grill - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

Para Thiago D’Matta, dono do restaurante, “os primeiros dias [do festival] foram bem positivos, com um movimento muito bom”. Já sobre o prato, ele afirma que “cada um pode ter uma reação diferente, mas a costela desfiando é um ponto alto”.

Com o festival deste ano, o idealizador do prato também busca atrair um outro público para o D’Matta Grill. “Queremos desmistificar que aqui [o restaurante] é um lugar só pra jovens, que pode ser também um ambiente familiar. Nossa intenção com o bolinho é inclusive criar uma nova forma de entretenimento ‘pras’ famílias e ‘pra’ cá”, afirmou o empresário.

A porção do “Se tem costela de boi, tem mandioca” custa R$40. O prato vem com oito bolinhos, serve duas pessoas, e não há opção vegetariana ou vegana.

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Thiago D’Matta, proprietário do estabelecimento
Thiago D’Matta, proprietário do estabelecimento - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

Marcante como o gosto do café

Para provar que o robusto também pode ser requintado, o Divino Café ousou na mineiridade e trouxe para a mesa um prato comum, mas que aflora as memórias afetivas. As “Lembranças da D. Lourdes e Sr. João” fazem uma homenagem às pessoas que se foram, mas deixaram uma bagagem de sentimentos e receitas que agora se materializaram no prato do festival.

Questionada sobre a idealização e apresentação da receita, Adriane conta que “muitas pessoas esperam um tira gosto, porque o torresmo tem essa fama, mas na verdade o que o Divino está servindo é uma refeição”. A chef também revela que “o movimento do festival tem gerado boas expectativas. Mesmo se a gente não for ao pódio, o processo já vai fazer a gente ser vencedor”.

Adriane Cruz, chef de cozinha e gerente do Divino Café
Adriane Cruz, chef de cozinha e gerente do Divino Café - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

A ideia do estabelecimento foi unir o toucinho de Dona Lourdes e o angu do Senhor João, duas receitas que atravessaram gerações até chegar à concepção atual. E a combinação remete não só às histórias da avó do Davidson (um dos proprietários do Divino) ou do pai da Adriane, mas à maioria dos lares mineiros que abraçam no dia-a-dia comidas “simples” como essa.

Na composição do prato: toucinho de rolo assado e cortado, frito em gordura quente, acompanhado por angu de caldo de legumes, couve no alho e na manteiga, molho de três queijos e a referência ao estabelecimento: uma redução de café, marcante como deve ser.

“Lembranças da D. Lourdes e Sr. João” custa R$45,90 e serve de duas a quatro pessoas. Não existem opções vegetariana ou vegana do prato.

Versão reduzida de “Lembranças da D. Lourdes e Sr. João”, prato do Divino Café, que concorre à premiação do Festival Gastronômico
Versão reduzida de “Lembranças da D. Lourdes e Sr. João”, prato do Divino Café - Foto: Letícia Freitas/Agência Primaz

Interação com o público

De acordo com o digital influencer David Iannini, “foi bem divertido fazer uma tour por todos os restaurantes esse ano”, acrescentando que, no: “ano passado, também visitei todos os restaurantes, e não foi uma experiência muito legal. A maioria entrou apenas pela visibilidade que o festival oferece. Esse ano senti que os participantes estão mais preparados, com pratos bem elaborados e apresentações super criativas”.

O influencer opinou, ainda, sobre a organização do evento. “Ano passado ouvi muitos restaurantes reclamando da estrutura oferecida pela organização do evento na saideira (final) do Festival. Acredito que essa desorganização tenha comprometido o desempenho de vários chefs. Espero que esse ano seja diferente, pois a saideira atrai muitos turistas e moradores da cidade que esperam esse momento para experimentar todos os pratos”, afirmou David.

Neste ano, além de fazer a degustação, o público também pôde participar de oficinas e painéis com nomes como Neide Rigo e Rafa Bocaina. Além disso, cozinheiras tradicionais também são homenageadas e apresentam suas “receitas marcantes” nesta edição. São elas: Dona Cecília, com “Amor em Pedaços”; Conceiçãozinha, com “Frango com Quiabo e Angu”; Deusolira, com “Bolinho de Arroz” e Dona Iolanda, com “Lombo Tropical”.

Movimentação econômica

Além do incentivo financeiro destinado aos vencedores, o regulamento do Festival Gastronômico 2023 prevê, a exemplo do previsto no edital de 2022 que um dos produtos utilizados no prato concorrente deve ser adquirido de pequenos produtores ou estabelecimentos comerciais do município, para que o estabelecimento habilitado concorra à final do evento.

A iniciativa busca fomentar a cadeia produtiva local, a fim de aproximar produtores locais e donos de bares e restaurantes. Na edição de 2022 este requisito também estava previsto no edital. Em termos de números, até o momento da publicação da reportagem, a Prefeitura Municipal de Itabirito não havia repassado, à Agência Primaz, as informações solicitadas a respeito das projeções econômicas do Festival Gastronômico 2023.

Serviço

O Festival Gastronômico 2023 é uma realização da PMI, por meio da Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo. A edição deste ano vai até o 31 de maio e a grande final ocorre nos dias 17 e 18 de junho, no Complexo Turístico da Estação. Para conhecer todos os pratos concorrentes, acesse o site do evento.

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