- Itabirito
Sentimentos e sabores: Festival Gastronômico de Itabirito resgata memórias afetivas com receitas familiares
Na edição deste ano, doze estabelecimentos apresentam seus pratos e histórias, numa busca que visa recordações e o grande prêmio do evento.
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Com o tema “Receitas de família: tradição centenária”, o Festival Gastronômico de Itabirito 2023, iniciado no dia 1º de maio, tem mobilizado a população itabiritense para experimentar pratos em 12 bares e restaurantes do município. Na edição deste ano, os prêmios somam R$29 mil, além dos troféus. O 1º lugar recebe R$10 mil e uma bolsa integral do curso de gastronomia da Faculdade Arnaldo, curadora do festival; o 2º lugar ganha R$8 mil e bolsa de 50% do mesmo curso; enquanto o terceiro lugar leva R$6 mil. O júri popular também tem peso neste ano: a votação do público define o vencedor do prêmio “Toninho Didalva”, com premiação de R$5 mil ao estabelecimento escolhido.
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Para acompanhar mais de perto a preparação dos concorrentes e conhecer um pouco das receitas familiares apresentadas, a Agência Primaz visitou, nas últimas semanas, cinco destes estabelecimentos.
Um convite ao “diferente”
Em uma sociedade onde a população é majoritariamente católica e as religiões de matrizes africanas ainda são os principais alvos de intolerância, o Empório 77 Bistrô opta por encarar o preconceito e fazer um convite ao “diferente”, por meio do “Acarajeca – O nosso santo bateu”.
O prato, produzido pelos chefs Alex Bogas e Jey Jod, consiste num sanduíche com bolinho de feijão (Abará), recheado com pernil de forno desfiado, vatapá de bacon e queijo tipo canastra, picles de cebola roxa, microverdes de couve e rúcula, acompanhado de torresmo de barriga. Para harmonizar, cerveja Xangô. Há também as versões vegetariana e vegana do sanduíche que custa R$35 (cerveja não inclusa) e serve uma pessoa.
A receita do Acarajeca atravessa a história do chef Alex — que foi criado em um terreiro de Candomblé — e se propõe a ativar sentidos além do paladar. Nessa perspectiva, foi criada uma ambientação no bistrô, com elementos visuais, músicas (e o próprio prato), que torna multissensorial essa experiência gastronômica.
Além disso, de acordo com a proprietária do estabelecimento, Carola Machado, “comer é um ato político” e, para experimentar o prato concorrente, “as pessoas vão ter que lidar com o seu preconceito”, afirmou a futura chef de cozinha que, na edição de 2022 do festival, garantiu o segundo lugar do pódio e uma bolsa do curso de gastronomia.
A história do Brasil passa por aqui
Na Casa da Vila Bar, a aposta foi resgatar um pedaço da história do Brasil, além da memória familiar. Conhecidos pela condução da boiada, os tropeiros levavam animais e produtos aos interiores de Minas Gerais e, nos anos 70, a Carmen — chef e proprietária da Casa da Vila —, que na época ainda era criança, teve contato com a tradição e a culinária daquele grupo.
Desta lembrança, nasce “Juntos e Misturados”: uma combinação de arroz, carne de porco, linguiça caseira e feijão inteiro, torresmo com geleia de jabuticaba e quiabo assado, com microverdes na finalização. Para acompanhar, farofa de farinha de milho, pirão de carne e rapadura. Na harmonização: caipirinha de mate. O prato custa R$32 (caipirinha não inclusa) e serve uma pessoa. Não há versão vegetariana ou vegana.
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Para a chef de cozinha Carmen Maia, que participa do evento pela primeira vez, a experiência tem sido positiva e ela descreve que tem vivido “uma salada de frutas de sentimentos”. Ela também revela um desejo: “não sei em que lugar, mas gostaria muito de subir ao pódio. Já me imaginei muitas e muitas vezes no pódio comemorando com os meus filhos. Tudo que eu faço é por eles”, afirmou.
Ainda segundo a chef, quem visitar a Casa da Vila pode esperar “uma comida mineira simples, que tem história e amor”. Amor esse que perpassa a comida, o território de Mariana, onde Carmen cresceu, a sua vivência em Itabirito junto dos filhos, e as histórias que agora ela reconta com o Juntos e Misturados.
Quando sabor e saudade se misturam
Lembrado pelos brasileiros pelas jornadas de junho, o ano de 2013, no Brasil, foi marcado por grandes movimentos de massas e manifestações. Já do outro lado do mundo, na Síria, também ocorriam conflitos, causados por uma guerra que teve o seu ápice, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, em 2013. O mesmo ano que marcaria a vida de Fadi Catrin e o traria ao Brasil alguns meses depois.
Fadi, proprietário do restaurante de comida árabe Ogarete, quando recebeu a notícia de que sua antiga cidade (Homs) estava sob ataque, precisou se deslocar para a casa de uma tia junto com o restante da sua família. Nessa casa se reuniram, por alguns meses, cerca de 50 pessoas; e a última refeição conjunta dessa grande família deu origem ao prato que Catrin apresenta este ano no festival: “Sabor da Despedida”.
Composto por enroladinhos de pão sírio grelhados, recheados com frango desfiado temperado com cardamomo e sumak, catupiry e cebola roxa refogada no azeite; acompanhados de creme de alho, salada especial (Fatuch) com microverdes; pão sírio frito e molho de romã, o Sabor da Despedida é uma surpresa de sabores que revivem a saudade de um momento familiar que, embora tenha ocorrido num contexto difícil, representa para Fadi a lembrança de um dia feliz.
De acordo com o empresário — que garantiu a terceira posição na edição do ano passado — para além da história, “o Ogarete pensou na beleza e no sabor. Quero mostrar aos clientes que dá pra fazer um prato gostoso, sem gordura e sem fritura”. Além disso, Fadi afirma que “muita gente tem se surpreendido com o sabor do prato, porque os temperos usados são pouco conhecidos”.
Sabor da Despedida custa R$35, serve de uma a duas pessoas, e conta com opção vegetariana.
O tradicional pode ter outro formato
No D’Matta Grill, a receita exala territorialidade e resgata a cultura da comunidade do Bota, região de Itabirito. Num tempo em que Seu Agostinho e Dona Elza (avós do proprietário do estabelecimento) viviam do que produziam, e criavam os filhos e netos no mesmo sistema, a comida, os queijos e a quitanda, alimentavam os laços e as tradições familiares.
“Se tem costela de boi, tem mandioca” surge nessa linha: uma releitura da tradicional receita de vaca atolada, em formato de bolinho. Com uma massa bem temperada de costela de boi, recheio de mandiopiry (catupiry de mandioca) e maionese picante com alho e cheiro verde para acompanhar; tendo canudinhos de doce de leite como cortesia da casa. Nessa combinação, o prato reúne um sabor típico de Minas Gerais e a memória de Seu Agostinho e do seu companheiro Firrinho (o cavalo).
Para Thiago D’Matta, dono do restaurante, “os primeiros dias [do festival] foram bem positivos, com um movimento muito bom”. Já sobre o prato, ele afirma que “cada um pode ter uma reação diferente, mas a costela desfiando é um ponto alto”.
Com o festival deste ano, o idealizador do prato também busca atrair um outro público para o D’Matta Grill. “Queremos desmistificar que aqui [o restaurante] é um lugar só pra jovens, que pode ser também um ambiente familiar. Nossa intenção com o bolinho é inclusive criar uma nova forma de entretenimento ‘pras’ famílias e ‘pra’ cá”, afirmou o empresário.
A porção do “Se tem costela de boi, tem mandioca” custa R$40. O prato vem com oito bolinhos, serve duas pessoas, e não há opção vegetariana ou vegana.
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Marcante como o gosto do café
Para provar que o robusto também pode ser requintado, o Divino Café ousou na mineiridade e trouxe para a mesa um prato comum, mas que aflora as memórias afetivas. As “Lembranças da D. Lourdes e Sr. João” fazem uma homenagem às pessoas que se foram, mas deixaram uma bagagem de sentimentos e receitas que agora se materializaram no prato do festival.
Questionada sobre a idealização e apresentação da receita, Adriane conta que “muitas pessoas esperam um tira gosto, porque o torresmo tem essa fama, mas na verdade o que o Divino está servindo é uma refeição”. A chef também revela que “o movimento do festival tem gerado boas expectativas. Mesmo se a gente não for ao pódio, o processo já vai fazer a gente ser vencedor”.
A ideia do estabelecimento foi unir o toucinho de Dona Lourdes e o angu do Senhor João, duas receitas que atravessaram gerações até chegar à concepção atual. E a combinação remete não só às histórias da avó do Davidson (um dos proprietários do Divino) ou do pai da Adriane, mas à maioria dos lares mineiros que abraçam no dia-a-dia comidas “simples” como essa.
Na composição do prato: toucinho de rolo assado e cortado, frito em gordura quente, acompanhado por angu de caldo de legumes, couve no alho e na manteiga, molho de três queijos e a referência ao estabelecimento: uma redução de café, marcante como deve ser.
“Lembranças da D. Lourdes e Sr. João” custa R$45,90 e serve de duas a quatro pessoas. Não existem opções vegetariana ou vegana do prato.
Interação com o público
De acordo com o digital influencer David Iannini, “foi bem divertido fazer uma tour por todos os restaurantes esse ano”, acrescentando que, no: “ano passado, também visitei todos os restaurantes, e não foi uma experiência muito legal. A maioria entrou apenas pela visibilidade que o festival oferece. Esse ano senti que os participantes estão mais preparados, com pratos bem elaborados e apresentações super criativas”.
O influencer opinou, ainda, sobre a organização do evento. “Ano passado ouvi muitos restaurantes reclamando da estrutura oferecida pela organização do evento na saideira (final) do Festival. Acredito que essa desorganização tenha comprometido o desempenho de vários chefs. Espero que esse ano seja diferente, pois a saideira atrai muitos turistas e moradores da cidade que esperam esse momento para experimentar todos os pratos”, afirmou David.
Neste ano, além de fazer a degustação, o público também pôde participar de oficinas e painéis com nomes como Neide Rigo e Rafa Bocaina. Além disso, cozinheiras tradicionais também são homenageadas e apresentam suas “receitas marcantes” nesta edição. São elas: Dona Cecília, com “Amor em Pedaços”; Conceiçãozinha, com “Frango com Quiabo e Angu”; Deusolira, com “Bolinho de Arroz” e Dona Iolanda, com “Lombo Tropical”.
Movimentação econômica
Além do incentivo financeiro destinado aos vencedores, o regulamento do Festival Gastronômico 2023 prevê, a exemplo do previsto no edital de 2022 que um dos produtos utilizados no prato concorrente deve ser adquirido de pequenos produtores ou estabelecimentos comerciais do município, para que o estabelecimento habilitado concorra à final do evento.
A iniciativa busca fomentar a cadeia produtiva local, a fim de aproximar produtores locais e donos de bares e restaurantes. Na edição de 2022 este requisito também estava previsto no edital. Em termos de números, até o momento da publicação da reportagem, a Prefeitura Municipal de Itabirito não havia repassado, à Agência Primaz, as informações solicitadas a respeito das projeções econômicas do Festival Gastronômico 2023.
Serviço
O Festival Gastronômico 2023 é uma realização da PMI, por meio da Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural e Turismo. A edição deste ano vai até o 31 de maio e a grande final ocorre nos dias 17 e 18 de junho, no Complexo Turístico da Estação. Para conhecer todos os pratos concorrentes, acesse o site do evento.