O frio que vem de dentro!
“A bestialidade humana pode nos condenar a morrermos todos congelados, com cada ser humano segurando um pequeno feixe de lenha em volta de uma fogueira que vai lentamente se apagando”. (Vasconcelos, 2024)
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Ouça o áudio de "O frio que vem de dentro!", de Júlio Vasconcelos:
Infelizmente, vivemos em um mundo onde muito ainda temos a aprender em termos de conviver com a diversidade e entender que somos filhos de um mesmo Pai e que se não aprendermos a viver em paz e nos ajudarmos uns aos outros, estaremos todos fadados à destruição.
A guerra da Rússia com a Ucrânia já entra para o seu terceiro ano, sem nenhum sinal de fim próximo e cerca de 700 mil vidas já foram perdidas. A Guerra de Israel com o Hamas já está entrando no seu sexto mês e o número de mortos na Faixa de Gaza ultrapassou a marca dos 30 mil desde o início do conflito em 7 de outubro de 2023. Os esforços do mundo dito civilizado com suas crenças, suas religiões e suas organizações responsáveis pela ordem mundial se mostram insuficientes para o restabelecimento da paz!
O que realmente assusta é que não precisamos ir muito longe para enxergar o estrago que a violência vem trazendo aqui bem perto de nós no Brasil, considerado o maior país católico do mundo! Um relatório divulgado pelo Atlas da Violência 2023 ressalta que 24.217 jovens tiveram suas vidas ceifadas prematuramente, com uma média de 66 jovens assassinados por dia no país. Considerando a série histórica dos últimos onze anos (2011-2021), foram 326.532 jovens vítimas da violência letal, enfatiza a publicação.
Todas essas tragédias me trazem à memória um conto que ouvi uns tempos atrás e que pode elucidar bem a estupidez do momento que estamos vivendo.
Conta a estória que seis homens ficaram bloqueados numa caverna por uma avalanche de neve. Teriam que esperar até o amanhecer para poderem receber socorro. Cada um deles trazia um pouco de lenha e havia uma pequena fogueira ao redor da qual eles se aqueciam. Se o fogo apagasse, eles o sabiam, todos morreriam de frio antes que o dia clareasse.
Chegou a hora de cada um colocar sua lenha na fogueira. Era a única maneira de poderem sobreviver. O primeiro homem era um racista. Ele olhou demoradamente para os outros cinco e descobriu que um deles tinha a pele escura. Então ele raciocinou consigo mesmo:
-Aquele negro! Jamais darei minha lenha para aquecer um negro! e guardou-as protegendo-as dos olhares dos demais.
O segundo homem era um rico avarento. Ele estava ali porque esperava receber os juros de uma dívida. Olhou ao redor e viu, no círculo em torno do fogo bruxuleante, um homem da montanha que trazia sua pobreza no aspecto rude do semblante e nas roupas velhas e remendadas. Ele fez as contas do valor da sua lenha e, enquanto mentalmente sonhava com o seu lucro, pensou:
-Eu, dar a minha lenha para aquecer um preguiçoso?
O terceiro homem era o negro. Seus olhos faiscavam de ira e ressentimento. Não havia qualquer sinal de perdão ou mesmo aquela superioridade moral que o sofrimento ensinava. Seu pensamento era muito prático:
-É bem provável que eu precise desta lenha para me defender. Além disso, eu jamais daria minha lenha para salvar aqueles que me oprimem. E guardou suas lenhas com cuidado.
O quarto homem era o pobre da montanha. Ele conhecia mais do que os outros os caminhos, os perigos e os segredos da neve. Ele pensou:
-Essa nevasca pode durar vários dias, vou guardar minha lenha.
O quinto homem parecia alheio a tudo. Era um sonhador. Olhando fixamente para as brasas, nem lhe passou pela cabeça oferecer da lenha que carregava. Ele estava preocupado demais com suas alucinações para pensar em ser útil.
O último homem trazia, nos vincos da testa e nas palmas calosas das mãos, os sinais de uma vida de trabalho. Seu raciocínio era curto e rápido:
-Essa lenha é minha. Custou o meu trabalho. Não darei a ninguém nem mesmo o menor dos meus gravetos.
Com estes pensamentos, os seis homens permaneceram imóveis. A última brasa da fogueira se cobriu de cinzas e finalmente apagou. Ao alvorecer do dia, quando os homens do socorro chegaram à caverna, encontraram seis cadáveres congelados, cada qual segurando um feixe de lenha. Olhando para aquele triste quadro, o chefe da equipe de socorro disse:
-O frio que os matou não foi o frio de fora, mas o frio de dentro! …
Surgem no ar algumas perguntas que não querem se calar:
-Qual a semelhança entre esses personagens que ficaram presos na caverna e as lideranças que estão por trás das grandes potências mundiais? Qual a semelhança entre os pequenos feixes de lenha e as disputas por pequenas faixas de terra? Qual a semelhança entre a caverna e esse asteroide pequeno que chamamos de terra? Será que estamos todos condenados a morrer congelados, cada um segurando inutilmente seu pequeno “feixe de lenha”?
Quem tem ouvidos, que ouça!
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