Imagens
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Ouça o áudio de "Imagens", de Giseli Barros:
Aceitou o convite. Na rede social, adotava determinados critérios para manter a sua privacidade. Permissão seletiva à espera de possíveis seguidores. Fotos selecionadas, algumas postagens divertidas, paisagens e frases motivacionais. Biografia sucinta. Uma pessoa instigante. Acreditava na seleção de amigos virtuais como uma nova configuração social. Novos tempos. Novos costumes.
Nas mensagens trocadas com um novo amigo, seguia estratégias planejadas. Nenhuma foto sensual seria enviada e nem fotos que sugerissem romance ela divulgaria antes de um compromisso realmente firmado. Sentia-se cortejada com as visualizações, elogios e curtidas. Havia quem explicasse como funcionava todo o mecanismo dos melhores horários para cada tipo de publicação. Atualizava conhecimentos através das dicas de seus mentores. Anotava conselhos num caderninho.
Enquanto isso, do outro lado, ele tentava se desvencilhar das ciladas. Vasculhava várias páginas. Criava perfis falsos. Fazia comentários polêmicos e procurava aumentar sua lista de amigas. E, assim, em um dia qualquer, os dois se encontraram em uma das redes.
Ele iniciou a conversa. Ela ignorou. Ele fez nova tentativa. Ela respondeu sem entusiasmo. Ele insistiu. Deu espaço de alguns dias. Sumiu num fim de tarde. Silêncios. A passagem dos dias. Um final de semana entediante. Embora tentasse assistir a uma série qualquer para vencer as horas intermináveis, analisava os perfis do seu grupo de amigos, retornando ao caderninho, pois era preciso tomar uma decisão. Trocou de roupa e fez uma maquiagem casual. Escolheu a melhor paisagem da área externa da casa e registrou o momento. A foto isca acertou o alvo. Ficou surpresa com o retorno dele.
Conversaram por horas. Ela não imaginava a vida entediante do outro e as estratégias de falsas conquistas. Estabeleceram regularidade na comunicação. Aos poucos, cresceu a necessidade mútua de um completar o outro. Ela verificava o celular a todo instante. Aguardava o contato. Imaginava o encontro e como se comportaria diante dele. Ele não sabia como desfazer a mentira. Ela o rejeitaria quando o visse. Ela recuava, em momentos de reflexão. Diante do espelho, imaginava uma mulher mais bonita ou mais jovem ao lado de quem acreditava amar. Ele precisava desfazer a farsa. Poderia dizer que havia criado uma página somente para saber como funcionavam as redes, pois era um homem de outros tempos. Todavia, temia os efeitos da revelação.
Hora marcada e local escolhido, saíram de casa ao mesmo tempo. No caminho, ele resolveu aguardar a chegada dela sem que fosse notado. Analisou os passos de uma mulher. Seria ela. Porém, algo lhe desagradou e desviou o olhar. Outra se aproximava do restaurante. Gostou do sorriso e de como ela mexia nos cabelos. Deu alguns passos em sua direção. No entanto, um homem correu ao encontro do seu alvo, entrelaçando os braços na cintura de quem já desejava tocar. Um grupo de turistas se aproximou em alvoroço, interrompendo a sua visão. Incomodado, procurou outro ponto estratégico. Precisava agir com discrição.
Contudo, não desconfiava que, bem perto dele, alguém o observava. Sem o filtro da imagem que havia projetado virtualmente de si mesma, viu esvaziar-se da possibilidade de um sonho. Ele não a reconhecera, porque a procurava em modelos que não correspondiam às suas fotos. Por um instante, cogitou fugir. Se pudesse, apagaria todas as mensagens. Sentindo o corpo todo paralisar, notou o olhar do outro. Recuou. Ele ficou imóvel, porque ela estava ali e desvendava tudo sem nenhuma palavra dita. E, assim, sem combinação, ultrapassaram a linha imaginária do único encontro. Cruzaram-se, partindo em busca deles mesmos, pela primeira vez.
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