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Hoje é quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Saudade do Neuropoeta Luiz Roberto

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A aurora, para Andreia Donadon Leal, simboliza a saudade do neuropoeta Luiz Roberto

Ouça o áudio de "Saudade do Neuropoeta Luiz Roberto",da colunista Andreia Donadon Leal:

Bateu aquela saudade, saudoso amigo Luiz Roberto. “Roberto, o neuropoeta.” A primeira vez que lhe vi, foi em uma edição do Livro de Graça na Praça, em Belo Horizonte. Eu e meu esposo autografávamos e distribuíamos livros no evento. Quem promoveu nosso encontro foi a poeta Ângela Fonseca. – “Deia, o médico do meu filho quer conhecer você…” Foi empatia à primeira vista. Aquela sensação inexplicável de que nos conhecíamos há punhado de séculos. Para quem crê em encontros com antepassados, incontestável! Foi, é e sempre será assim. Não sei por que gosto de uma pessoa sem conhecê-la, efetivamente. E tampouco sei o motivo pelo qual não vou com as “ventas” de fulano ou beltrano. Mal não me fez, no entanto… É coisa de alma gêmea, de santo bate com o santo do outro. Assim, creio. Sem firulas e rodeios, fomos trocando impressões sobre literatura, casa, família e parcerias. Você me mostrou alguns trechos do ‘Cedinho na cama’ e outras poesias. Costuramos versos. Emparelhamos palavras até nascer aldravias. E você falou da profissão, da jornada de ser médico, pai e avô. Foi assim com o saudoso Madeira, querido confrade seu antecessor na cadeira 29 da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil. Foram anos de profunda amizade e companheirismo, em nome das letras e da vida. De madrugada, ouvindo o barulho quase morto dos carros na rodovia, lembrei-me de você e dos seus ensinamentos sobre higiene do sono. No entanto, o vício pela arte consome minha disciplina. Faz frio, não tanto. A metade do ano passou. O tempo anda bem mais curto e quente. Antes a gente rezava para ele passar. E não é que ele ouviu, e começou a girar mais rápido! Sem perceber, completei meio século. Os cabelos ralearam, a pele anda seca e com rugas no canto dos olhos. O deslumbramento, que de certa forma impulsionou produções, despencou. Confesso que deslumbramento nos traz impulso e coragem. Coragem para ser ridículo para os debochados, e não há mal nenhum em ser ridículo para os outros. Pois é, saudoso amigo, este ano, o homenageado no Livro dos Aldravistas é você: Luiz Roberto. Nada previsto. É melhor assim. Tenho certeza que você soltaria aquela gargalhada que iluminaria nosso dia. Você sabe, os deprimidos têm um coração de manteiga… Os deprimidos são evitados pela grande maioria das pessoas. Quem vai convidar um deprimido para palestrar, almoçar ou jantar? Os espectadores sairão desanimados do encontro? O sofrimento e a frustração fazem parte da vida. Você sabe. Você tinha uma empatia sobrenatural pelos deprimidos. Compreendia os deprimidos. Convivia numa boa com os deprimidos. E nos colocava para cima. Temos hormônios da felicidade em baixa. E não há problema algum em assumir as vulnerabilidades do humor. Pena que vivemos na era da felicidade forçada, da felicidade do faz-de-conta 24 horas por dia. Faz-de-conta que não passo por tempos brumosos. A rede social anda infestada de gente feliz ou de gente que sonha em copiar os influenciadores. Virou profissão ser influenciador, filósofo ou coaching. Acumular milhares de seguidores é ter ascensão social, mas o final de semana é solidão e nostalgia. A socialização presencial é pedra preciosa. Conversar com os pais, irmãos, filhos, companheiro de vida, são luxos que nem todos têm. E era lindo e especial, conversar com os nossos pais… Tudo arquivado na memória dos melhores afetos, aquelas pepitas que a gente deve guardar para sempre. Estou me aventurando na arte têxtil. Você sabe. As cores são terapêuticas. Unir linhas coloridas é deixar a imaginação fluir, mergulhar em águas profundas do inconsciente. É meditar. Não me importo mais com o barulho da rodovia. É um silêncio profundo. As linhas falam por si, poetizando pensamentos. O cérebro e seus mistérios. O cérebro e suas águas profundas e indecifráveis. O cérebro e seus desdobramentos. O cérebro e seu lobo frontal, temporal, parietal e occipital. O cérebro e suas substâncias cinzentas e esbranquiçadas. O cérebro e os impulsos especializados nos sons, odores, pensamentos e lembranças. O cérebro e seus giros. Minhas mãos e seus giros costurando e amarrando linhas enceradas na tela branca. Minhas mãos em movimento impulsionada pelo cérebro. Meu cérebro em exercício a cada passo na esteira do quarto de solteiro. Meu cérebro em movimento com as músicas que fazem parte do repertório da adolescência. Meu cérebro em movimento constante a cada giro das páginas dos livros. Meu cérebro guiando e boicotando minhas ações. Meu cérebro enfarado de ver telas. Meu cérebro mais pobre e esquecido pelos excessos de informações… Eu sei, os deprimidos que lutam com todas as ferramentas para saírem das águas geladas do humor, têm uma força inimaginável. Por isso, tomo meus antidepressivos, faço terapia, emendo linhas, tintas, uno palavras em textos, olho o sol. Você disse que o cérebro precisa da luz natural, do sol que brota a cada dia na ponta do céu. Meu quarto de trabalho é de frente para a rodovia, perto do sol. Aqui, de frente para a porta que dá de frente para a rua, vejo árvores e casas. Antes era só rodovia, mas as casas foram crescendo, aumentando de altura, tomando nossa visão. Mas o barulho dos carros continua, e o sol, nenhuma construção, ainda, ofuscou. Ele nasce na potência inarredável das mãos de Deus. Descanse, neuropoeta, pois o sol, agora, está em suas mãos. E vamos continuar a caminhada, lutando com todas as ferramentas potentes para amainar os humores rebaixados: menos tela, mais arte, mais leitura, mais música, mais conversa com a família… Então ‘tá’ bom…

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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