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Hoje é domingo, 10 de novembro de 2024

Novas configurações sociais

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Redes sociais
Foto: Pixabay/Pexels

Ouça o áudio de "Novas configurações sociais]", da colunista Giseli Barros:

Antes de sair de casa, costumava checar os cômodos. Não gostava de deixar os aparelhos eletrônicos conectados à tomada. Se fosse possível, até a geladeira estaria desligada, enquanto estivesse ausente. Temia uma mudança brusca do tempo. Além disso, sentia pavor ao assistir o noticiário. Benzia-se. Era prudente. Trancava a porta. Conferia. Ligava o alarme. Na bolsa, mantinha um caderninho com contatos para qualquer emergência. A mídia era o seu alerta. Do seu grupo de amigos, foi a última a aderir às redes sociais.

Certa vez, depois de uma festa, uma amiga comentou sobre as conversas do grupo. Alguém havia feito um álbum com as melhores fotos da noite. Lembrava-se dos registros. Muitos sorrisos, beijos e brindes capturados através das máquinas digitais. Achava aquilo interessante, mas mantinha a discrição. A amiga mostrou, pelo computador, o que havia feito no intervalo do trabalho. E, para a sua surpresa, uma das fotos mais comentadas era a que mostrava um momento de descontração. Ela sorria ao conversar com um amigo. Tão bonita a imagem, ficou sabendo pela interlocutora que não poderia ficar fora do álbum. “Seria a foto de capa, mas todos sabem como você é reservada.”, falou a dona da página e do álbum. Também explicou sobre regras de privacidade. Disse que estavam entre amigos. Depois de um tempo, acabou integrando-se virtualmente ao grupo. Melhor seria ver bem de perto o que os amigos faziam.

Fez a leitura dos termos de privacidade. Como capa da sua página, uma foto de um campo florido. Para o perfil, escolheu outra com todo o cuidado, para não ficar muito em destaque. Sem álbuns criados, os amigos zombavam dela nas resenhas. E, quando via uma máquina digital a postos, procurava se desvencilhar ao máximo. Eles já sabiam das suas estratégias e gargalhavam. “Uma ao menos para hoje.”, alguém implorava. Ela, gentilmente, cedia ao pedido.

Foi notando, com o tempo, que as redes se ampliavam. Passou a usá-las com mais frequência. Ainda discreta, compartilhava notícias, seguia algumas páginas que julgava interessantes. Mantinha o contato com os amigos. Trocava mensagens. Passou a compartilhar algumas fotos também. Atenta à exposição e evitando contratempos, analisava muito o que tornava público entre os seus seguidores. Contudo, agora, estava mais à vontade. Novos tempos. As pessoas também trabalhavam através das redes. Tudo seria uma questão de ser um usuário consciente, ou melhor, prudente.

Talvez, não tenha percebido exatamente que, nem sempre, é possível prever a ação alheia. Tão viral quanto uma peste qualquer, sentiu o peito arder e seu corpo queimar de alta febre. Em poucas horas, não era mais incógnita como supunha ser. Um vídeo compartilhado, insistentemente, descompunha a sua rotina. Uma mulher e um homem analisavam o cabelo da moça, a roupa e até como ela sorria e se posicionava diante do interlocutor. Pediam comentários dos seguidores. Iniciado pelo adjetivo “tosca”, a cena era meticulosamente descrita. Forjando glamour, falavam de forma pausada, orientando afoitos expectadores a como se vestirem e se portarem em eventos sociais. Via-se nua diante de uma plateia de vidro. Zombavam da sua identidade, supunham nomes, gostos musicais, lojas frequentadas. Participava, imóvel, de uma resenha para a qual não havia sido convidada. Pensava na lista de amigos virtuais, nas configurações de privacidade e nas novas formas da autopromoção da imagem. Enquanto se reduzia à aparência de Gregor Sansa, de Kafka, do outro lado da tela, o casal ganhava mais seguidores.

Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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