- Mariana e Ouro Preto
Assembleia de Minas discute Projeto de Longo Prazo da Samarco
Aprovação no âmbito municipal já foi conseguida no Conselho de Meio Ambiente e aguarda decisão do Conselho de Patrimônio
Após quase nove anos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, ocorrida em 5 de novembro de 2015, a Samarco, mineradora responsável pelo desastre ambiental, quer dar continuidade a suas operações no município, inclusive em território pertencente ao município de Ouro Preto. O PLP da Samarco está em fase de licenciamento para construção de pilha de rejeitos em Camargos e outras intervenções em Santa Rita Durão e Bento Rodrigues, todos distritos de Mariana. Os impactos socioambientais desse empreendimento da Samarco, pertencente à Vale e à BHP Billiton, foram enfatizados durante reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, nesta segunda-feira (19). Solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), e conduzida pelo deputado Tito Torres (PSD), a audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ouviu pessoas dos distritos atingidos e entidades que as apoiam, todas críticas ao novo projeto minerário. Também participaram representantes da Prefeitura de Mariana e João Paulo Martins, presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG). De acordo com a deputada Beatriz Cerqueira, o Ministério Público de Minas gerais foi convidado para a audiência, mas não justificou sua ausência. Confira o vídeo completo da reunião.
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Representante suplente da OAB de Mariana no COMPAT faz depoimento contundente em relação ao Projeto de Longo Prazo da Samarco
Bernardo Campomizzi Machado, membro dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) e do Patrimônio Cultural (COMPAT) de Mariana, resumiu as críticas dos atingidos. Primeiramente, reclamou da falta de transparência do empreendimento, o qual não apresenta seus reais impactos para os distritos envolvidos. “Em Mariana, vemos uma ampliação da mineração e não é possível prever medidas compensatórias, pois não conhecemos os impactos reais dessa atividade; é urgente que se faça um levantamento completo disso”, argumentou.
Ele lembrou que a Samarco pretende retomar 100% de suas atividades na região e já conseguiu a anuência do Codema de Mariana, faltando apenas o aval do COMPAT. Na avaliação do conselheiro, o município está advogando contra a própria lei municipal, já que a atividade da Samarco confrontaria o plano diretor local. Para ele, os estudos de impacto ambiental deveriam prever a sinergia de todos os impactos, somando-se às atividades atuais aquelas que estão no projeto.
“A mineração quer avançar sobre núcleos urbanos; propõe também a supressão de mais de 120 hectares de mata, o empilhamento de estéril de 140 metros de altura e a instalação de uma correia transportadora de minério”, afirmou. Todos esses processos terão como consequência o aumento do tráfego de veículos, a poluição sonora e ambiental, com a piora da qualidade do ar, de acordo com Bernardo Machado.
Especificamente sobre a pilha de estéril, Campomizzi questionou a falta de transparência da empresa ao não detalhar o motivo da escolha de Camargos para colocar essa estrutura, a menos de 500 metros de casas. “Não há estudos sobre o comportamento de pilhas de estéril em caso de colapso e não há um perímetro definido como de segurança para elas”, alertou.
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Impactos no distrito de Santa Rita Durão
Sobre o tema, Alenice Baeta, presidente do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), afirmou que a pilha de rejeitos ameaça também o sítio histórico de Santa Rita Durão, onde fica uma igreja tombada. De acordo com ela, a massa seca da pilha, se colapsar, pode descer para o dique, fazendo-o ceder e jogar água que inundaria esse sítio histórico e atingiria o Rio Piracicaba.
Também arqueóloga e historiadora, Alenice Baeta lembrou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos defende a não repetição na violação desses direitos. E no caso presente, vê-se claramente a repetição. “Bento Rodrigues é um sítio histórico e arqueológico importantíssimo e a Samarco, com o terrorismo de barragem, quer retirar as pessoas de lá, mas não consegue. Não podemos aceitar essa estratégia da despossessão”, declarou.
Após reavaliação, Mariana pleiteia receber R$80 milhões de contrapartida ambiental
Anderson Aguilar, secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Mariana, lembrou que durante o processo de licenciamento, a Samarco propôs pagar R$10 milhões ao município como compensação pelos impactos ambientais. Considerando ainda o impacto social da mineração em Mariana, a Secretaria de Meio Ambiente pediu uma reavaliação e o valor foi majorado para R$80 milhões. O gestor completou que a secretaria solicitou informações complementares e fez diversas sugestões, até que o projeto foi aprovado, com condicionantes.
Entre os impactos verificados está a supressão de Mata Atlântica e de outras florestas na região, questão que o secretário remeteu para avaliação do Governo de Minas, por ser matéria de competência estadual. Em relação aos parâmetros de ruído, poeira e vibração, afirmou Aguilar, os estudos apontaram que não haveria impacto para a comunidade. “Solicitamos monitoramentos constantes desses parâmetros, por meio de sensores, o que foi aprovado no projeto”, relatou.
Sobre a cavidade natural que configura o sítio arqueológico de Mirandinha, entre Bento Rodrigues e Camargos, foram propostos estudos para verificar a viabilidade de criação de uma unidade de proteção integral. Classificada como de máxima relevância, Mirandinha deve ter um raio de proteção de 250 metros, conforme legislação federal, informou o secretário.
Quanto ao Conselho de Patrimônio, Aguilar informou que o órgão já tem nova composição e está prevista para setembro uma reunião para avaliação do empreendimento da Samarco. Há também estudos propondo o tombamento de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo (também atingido pela lama do rompimento), criando-se um memorial pelas vítimas.
Complementando as informações, Gustavo Leite, secretário municipal de Patrimônio Histórico, Cultura, Turismo e Lazer, destacou que também preside o Conselho do Patrimônio Cultural, constituído ainda por oito membros da sociedade civil e oito do poder público. Destacou que os conselheiros só começaram a tratar do projeto da Samarco na reunião ordinária de agosto e a proposta é ouvir todas as comunidades atingidas. Beatriz Cerqueira perguntou se a Secretaria havia publicado a documentação sobre o processo na internet. Leite respondeu que não, mas que isso poderia ser encaminhado à comissão da ALMG, mediante requerimento.
Manifestação do presidente do Iepha-MG
João Paulo Martins, presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) ressaltou que o órgão não é licenciador, mas interveniente no processo de licenciamento ambiental. Explicou, ainda, que o instituto se estrutura para obter melhor compreensão técnica do empreendimento ao criar a comissão de avaliação de impacto ao patrimônio. “Queremos que o Iepha seja o mais preditivo possível ao analisar esse tema”, assegurou.
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Comunidade é ouvida em relação ao Projeto de Longo Prazo da Samarco
Atingidos pelo empreendimento teceram críticas à Samarco. Mônica Santos, da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, lembrou que um dique da empresa atinge vários terrenos do distrito. “Nossas terras estão servindo de depósito de rejeito sem recebermos um centavo e, do centro de Mariana, dará pra ver a pilha de estéril que querem construir”, alertou.
Também representando a comissão de atingidos, Mauro da Silva, afirmou que a mineradora quer colocar a pilha em Bento Rodrigues, alegando que ninguém mora lá, o que não é verdade: “Sempre moramos lá, apesar da retaliação e da intimidação da Samarco e lá vamos permanecer, unidos”. Em sua manifestação, Mauro relembrou toda a história da Samarco e da trajetória de sua família, amigos e vizinhos, atingidos, de uma forma ou de outra, pelas atividades da mineradora.
O representante da comissão de atingidos afirmou que não faz distinção entre barragem e pilha de rejeito, lembrando o que aconteceu há pouco tempo com as pilhas de estéril da Vallourec, que quase causaram uma tragédia na BR 040. “Existem outras maneiras, eles sabem que existem outras maneiras, a gente sabe que eles sabem que existem outras maneiras, e eles sabem que a gente sabe que eles sabem que existem outras maneiras”, declarou Mauro Silva.
Ressaltando que os atingidos consideram o original Bento Rodrigues como seu território, Mauro reafirmou que não se pode falar em voltar a bento rodrigues, porque eles consideram que sempre estiveram lá, encerrando seu pronunciamento com palavras bastante duras em relação à atuação da mineração: “Fazendo uma analogia entre crimes, eu comparo os crimes da mineração com o estupro de vulneráveis, porque o meio ambiente é um vulnerável, e as mineradoras vêm constantemente estuprando esses vulneráveis. E como se não bastasse, agora estão praticando o crime de necrofilia ambiental. Querem estuprar os cadáveres que a mineração produziu”, finalizou.
Letícia Faria, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), considerou que, no caso da mineração, o crime compensa. “A empresa destruiu comunidades, não pagou os atingidos, não reparou o meio ambiente e agora quer expandir o empreendimento”, lamentou.
Ana Cota, da comunidade de Antônio Pereira, de Ouro Preto, refletiu que não é mais necessário minerar na região. “Em Carajás, temos mina para mais de 500 anos com pureza muito maior que as de Minas Gerais; o legado da mineração na cidade é esgoto a céu aberto, prostituição, álcool e drogas, suicídios e terrorismo de barragem”, constatou.
Gilmar Nunes, da Assessoria Técnica Independente em Mariana, lembrou que a entidade apoia as comunidades com instrumentos técnicos para que se qualifiquem na luta contra a opressão das mineradoras. E Ronald Guerra, da Assessoria Técnica Independente em Antônio Pereira, completou que a entrega mais recente da entidade foi a revitalização da Comissão de Atingidos.
Pressão pela aprovação do Projeto de Longo Prazo da Samarco
Ao fim da reunião, a deputada Beatriz Cerqueira criticou a pressão realizada pela mineradora para que o projeto seja aprovado. “Depois de tanto tempo, a mineradora se sente tão empoderada que atua pela chantagem. Começa a pressionar, afirmando que o município receberá R$80 milhões se o projeto for aprovado”, destacou.
Na conclusão, a deputada anunciou os requerimentos que vão ser propostos, entre os quais um pedido para que o Conselho do Patrimônio de Mariana não paute o projeto da Samarco na próxima reunião, em setembro. Informou que também pretende requerer que a Samarco altere a localização das pilhas de rejeitos e dos equipamentos de exploração que podem causar impacto em comunidades próximas, além de uma visita oficial da ALMG às localidades onde se pretende construir as pilhas.
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Deliberação do COMPAT é necessária para o prosseguimento do processo de implantação do Projeto de Longo Prazo da Samarco
O Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Mariana (COMPAT) teve sua composição recentemente modificada, conforme proposta do Executivo Municipal, incluída no projeto de lei nº 66/2024, aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pela Lei Municipal nº 3.785, de 13 de junho de 2024. Na exposição de motivos da proposição, o prefeito Celso Cota justificou a mudança alegando que a nova composição garantiria “os princípios da separação dos poderes, da representatividade e eficácia administrativa”, além de harmonizar a estrutura do conselho com as de órgãos semelhantes, “facilitando a integração de políticas públicas e a cooperação interconselhos, nos contextos municipal, estadual e nacional”.
Adicionalmente, a nova estrutura, de acordo com a justificativa oficial, visaria “promover uma maior eficiência na resposta do conselho às necessidades da comunidade que representa, já que a incompletude do órgão como se vê atualmente, vez que alguns membros não tomaram posse, prejudica o bom andamento dos trabalhos, gerando o acúmulo de deliberações pendentes, o que prejudica o estabelecimento e a implementação das políticas públicas”.
Até então, de acordo com o Decreto nº 11.563, de 19 de outubro de 2023, o COMPAT era constituído por seis conselheiros natos, indicados pelo Poder Executivo; quatro conselheiros eletivos, representando a área acadêmica, a classe artística marianense, o setor econômico e a Ordem dos Advogados do Brasil; e quatro conselheiros convidados, representando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Conselho Municipal de Turismo (COMTUR), a Arquidiocese e a Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, sendo a presidência exercida pelo(a) conselho, em eleição interna.
Com a modificação aprovada, o COMPAT passou a ser presidido pelo secretário de Cultura, Patrimônio Histórico, Turismo e Lazer que, na condição de único membro nato, exerce a presidência do conselho; por oito representantes do Poder Público, entre os quais cinco representantes de secretarias municipais (Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Desenvolvimento Econômico, Segurança Pública, Educação e Obras e Gestão Urbana), um representante da Câmara Municipal, um representante do IPHAN e um “advogado inscrito perante a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Mariana; juntamente com oito representantes da sociedade civil organizada (Arquidiocese de Mariana, Federação das Associações de Moradores de Mariana e Associações de Bairros, Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana, Movimento Renovador e Casa de Cultura, Associação de Artistas, Sindicato dos Produtores Rurais e dois representantes de instituições de ensino superior atuantes no município.
No dia 06 de agosto, no Cine Teatro Municipal, aconteceu a primeira reunião ordinária após a posse da nova composição do COMPAT, convocada para a apresentação do Projeto de Longo Prazo da Samarco, entre outros assuntos.
Após a apresentação do projeto, muitos conselheiros manifestaram dúvidas e levantaram questionamentos sobre aspectos específicos da proposta, especialmente quanto à proximidade das pilhas de estéril (rejeito de minério) em relação a núcleos habitados e ao sítio arqueológico de Mirandinha, à falta de oportunidade de participação das comunidades envolvidas e à carência de informações relacionadas a riscos de colapso das pilhas.
Em manifestação de apoio aos questionamentos levantados, Bernardo Campomizzi Machado, representante suplente da OAB, ainda criticou com veemência a alteração da composição do COMPAT. “Primeiramente, eu queria manifestar meu repúdio sobre o que o município fez com relação à composição do conselho, de forma alguma desrespeitando os atuais conselheiros, mas foi uma manobra que o município de Mariana fez, em meio a um processo que estava discutindo, inclusive, esse projeto de grande importância e que vinha solicitando inúmeros esclarecimentos para Samarco que não tinham sido até então atendidos. Estudos que, depois, nós estamos vendo que necessitavam de muitos esclarecimentos”, afirmou Bernardo.
Depois de muitos questionamentos e discussões, inclusive com a promessa do presidente, de apresentar aos conselheiros o parecer de uma consultoria contratada pelo COMPAT, bem como de promover escutas das comunidades envolvidas e de questionamentos quanto à conveniência ou não de votar a matéria, ficou estabelecido que a votação seria transferida para a próxima reunião ordinária do COMPAT, prevista para a primeira terça-feira de setembro.
A única voz discordante dessa deliberação foi a do secretário de Meio Ambiente, Anderson Aguilar, que inclusive colocou como questão de ordem, a necessidade de manifestação, pelos conselheiros, da razão pela qual não se considerem aptos a votar. “Eu acho que retirar de pauta sem uma justificativa plausível, teria que ser discutido. (…) Eu acho que tem que ser colocado em deliberação. Quem discorda tem que fazer a manifestação do seu voto, ou o conselheiro pode usar das suas prerrogativas como conselheiro [apresentar pedido de vistas ao processo]”, declarou o secretário de Meio Ambiente.
Com informações da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)