- Mariana
Ato em Bento Rodrigues homenageia vidas perdidas em 2015
O Projeto de Longo Prazo da Samarco e a falta de participação dos atingidos no acordo de repactuação foram temas latentes durante todo o evento.
Nessa terça-feira (05), em lembrança aos nove anos do rompimento da barragem de Fundão, comunidades atingidas se reuniram em ato em memória das pessoas que morreram em decorrência do desastre e em atenção à não repetição dos danos diante do Projeto de Longo Prazo da Samarco. O encontro foi marcado por orações, tributo aos falecidos e palavras de ordem contra a falta de participação dos atingidos no acordo de repactuação, durante caminhada por Bento Rodrigues que contou com plantio de mudas com os nomes dos mortos no momento do rompimento, em 05 de novembro de 2015.
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Ato em Bento Rodrigues
O ato em homenagem aos 19 mortos e um natimorto contou com a presença de diversas autoridades dos movimentos dos atingidos de Minas Gerais e Espírito Santo, moradores e familiares atingidos, professores de instituições federais, integrantes das assessorias técnicas e do promotor de justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Daniel Campos.
Em um primeiro momento, o Padre Marcelo rezou missa e abençoou os presentes. Em seguida, o nome de todos os falecidos, durante o desastre e nos anos decorrentes, foram recitados em lembrança à vida e a luta dos atingidos.
Após breve apresentação de cada um dos presentes, a moradora de Bento, Mônica dos Santos, em conjunto com a professora de arquitetura e urbanismo da UFOP e orientadora do Grupo de pesquisa sobre Conflitos em Territórios Atingidos (Conterra), Flora Passos, explicou os significados de um projeto de expansão da Samarco e os perigos que a aprovação desse movimento representaria para as comunidades.
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Depois de manifestações dos presentes sobre o assunto, Padre Marcelo abençoou as vinte mudas com o nome dos mortos no momento do rompimento da barragem e se iniciou a caminhada e o plantio das mudas e das cruzes por Bento Rodrigues. Durante a caminhada, aconteceram orações e testemunhos dos atingidos.
Quando os participantes da manifestação chegaram à Igreja de São Bento, os moradores se posicionaram sobre a falta do lugar sagrado para a realização de festas, cerimônias e orações, já que as duas capelas de Bento Rodrigues, São Bento e Nossa Senhora das Mercês, estão fechadas para limpeza.
Durante a caminhada, os moradores pediram ao Ministério Público para garantir a reconstituição das capelas de Bento, Paracatu de Baixo e Gesteira.“Hoje, por exemplo, era pra gente estar celebrando lá dentro [Capela de São Bento], mesmo destruído, continua sendo o melhor lugar do mundo e continua sendo o nosso lugar”, afirmou Mônica.
O representante do MPMG, Daniel Campos afirmou que a reconstituição das capelas São Bento e Mercês está prevista no acordo de repactuação, bem como a proibição das empresas de adquirir a posse e a propriedade dos imóveis localizados na área tombada: “Esses locais são importantes símbolos da história e da identidade da comunidade. O acordo prevê o tombamento municipal da área, impedindo a destruição ou qualquer intervenção que não seja de manutenção e preservação do que restou na localidade. (…) Essa medida garante que a comunidade continue sendo a dona do seu território e atende a reivindicação dos atingidos pela não permuta de imóveis com as empresas mineradoras”, afirmou o promotor.
Por fim, em retorno à quadra de Bento Rodrigues, os participantes fizeram uma última oração e gritaram palavras de ordem contra a mineração e pela luta dos atingidos.
Projeto de Longo Prazo da Samarco
O Projeto de Longo Prazo da Samarco contempla a ampliação das atividades da Samarco no Complexo de Germano , localizado entre os distritos de Santa Rita Durão, em Mariana, e de Antônio Pereira, em Ouro Preto. A empresa pretende expandir a exploração de minério de ferro com a disposição de rejeitos em pilhas de material estéril. “O mesmo rejeito que destruiu toda nossa vida, levou toda nossa história e levou pessoas”, declarou Mônica.
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Em cartazes foram apresentadas comparações para maior compreensão da dimensão deste planejamento. O material, produzido pelo Conterra, mostra que a altura da pilha planejada de rejeito corresponde à quinze Igrejas da Sé de Mariana empilhadas, somando 221 metros. Em outro tipo de comparação, 32.486 piscinas olímpicas poderiam ser enchidas com a quantidade de rejeitos previstos no plano de expansão da Samarco.
Em âmbito municipal, o Projeto de Longo Prazo da Samarco foi aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) e pelo Conselho Municipal de Patrimônio (Compat), apesar de posições contrárias das comunidades atingidas. “A gente tentou evitar isso, porque a gente não é contra a mineração, a gente só não precisa ter essa mineração predatória, essa mineração que mata. Porque a gente sabe que tem outros lugares que eles podem colocar esse lixo, eles não tiraram nem os lixos que estão na nossa propriedade e querem colocar mais”, explicou Mônica.
A professora e coordenadora do Conterra, Flora Passos, na condição de representante da UFOP, participou da reunião do Compat que aprovou o Projeto de Longo Prazo da Samarco e afirmou que houve votos contrários, como o dela, mas a maioria optou pela liberação. “Está em licenciamento estadual e federal, então eu acho que a gente precisa procurar o apoio de todo mundo e a gente vai continuar na luta para que essa pilha de rejeitos estéreis não sejam implantados em Bento Rodrigues”, rressaltou.
Repactuação e ausência dos atingidos
No dia 25 de outubro, o governo federal assinou um acordo para pagamento de R$132 bilhões em indenização pelas empresas envolvidas no rompimento da barragem de Fundão. Os atingidos, entretanto, sob decisão judicial de sigilo pelas empresas e pelo Judiciário, não participaram da mesa do acordo que prevê R$35 mil de indenização aos atingidos em geral e R$95 mil aos pescadores e agricultores afetados.
Simone Silva, liderança da comunidade quilombola de Gesteira, em Barra Longa, estava presente no julgamento em Londres quando recebeu a notícia da assinatura do acordo de repactuação no Brasil. Para ela, o acordo foi uma nova violência com os atingidos, cometida com o aparato do Estado.
Citando o deputado Rogério Correia (PT), Simone mostrou insatisfação com todos os políticos eleitos através do apoio da causa dos atingidos que não se posicionaram firmemente contra a falta de participação dos atingidos no acordo. “Como R$35 mil é suficiente para indenizar nove anos? Para indenizar quem perdeu seus entes queridos? Rogério Correia fala tanto em golpe, tanto em fake news, mas foi o que fizeram com os atingidos: um golpe. Nós lutamos, nos organizamos durante 9 anos, para vir um governo e dar um golpe na gente”, afirmou Simone.
A líder também apresentou insatisfação com outros pontos do acordo, como a falta de cláusulas sobre a saúde dos atingidos que sofrem de problemas relacionados à poluição e sofrimento mental e emocional. “Enquanto eu tiver vida, você sempre vai me ver compondo as fileiras da luta. Sempre. Vai ter momentos que eu vou chorar, vai ter momentos que a gente vai estar fraco, mas logo a gente se fortalece. Lembrando que, agora, nós temos que enfrentar um governo por roubar a reparação do nosso povo”, finalizou a atingida de Gesteira.