- Mariana
Justiça para limpar essa lama
Atos do 05 de novembro, em Mariana, reuniram atingidos de Minas, Espírito Santos e sul da Bahia
Nove anos depois da tragédia/crime que provocou 19 mortes e o maior desastre ambiental do Brasil, movimentos populares e atingidos voltaram às ruas de Mariana para protestar contra a falta de reparação integral das consequências do rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Samarco, Vale e BHP Billinton. Pela primeira vez, uma caravana de residentes no sul da Bahia, nas proximidades do parque Nacional de Abrolhos, participou das manifestações, exigindo o reconhecimento como atingidos e, juntamente com mineiros e capixabas, reivindicando justiça e reclamando contra o impedimento à participação nas tratativas da repactuação. Nenhuma autoridade municipal, prefeito, secretários ou vereadores, participou dos atos realizados nessa terça-feira (05).
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Repactuação não promove justiça
Com o lema “Lutar e organizar para os direitos conquistar”, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) organizou nessa terça-feira (05), na Arena Mariana, uma plenária para discussão dos termos do acordo de repactuação assinado recentemente, garantir justiça e reparação integral a todos os atingidos e atingidas. O evento contou com delegações de atingidos de várias localidades da bacia do Rio Doce, bem como de representantes de moradores de municípios do sul da Bahia, até o momento não reconhecidos como atingidos, e ocorreu simultaneamente a um ato
Um dos primeiros a utilizar a palavra foi o deputado Leleco Pimentel (PT), que falou sobre as circunstâncias da assinatura do acordo, ressaltando os perigos da adesão sem profundos ajustes que possam minimizar os prejuízos e as injustiças contidas no documento. Em entrevista à Agência Primaz, o parlamentar lamentou a forma como foi feita a repactuação, sem participação dos atingidos. “A condução do processo foi feita pela justiça, e foi a justiça que impôs segredo de justiça e não ouviu os atingidos. Então, é verdade que é uma repactuação sem ouvir os atingidos, o que continua sendo um crime”, declarou.
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Na condição de coordenador da Comissão Interestadual Parlamentar para os Estudos da Bacia do Rio Doce (CIPE Rio Doce), Leleco informou que, em ofício encaminhado ao presidente do Supremo tribunal Federal (STF), ministro Luiz Barroso, reforçou “que trabalhadores informais, inclusive pescadores que não tem o rio para pescar, eles continuam sem condição de ser atendidos por uma pretensa repactuação que descarta pescadores, agricultores e tantos outros que não têm direito de acessar as indenizações”, ressaltando a necessidade de preservar uma gama extensa de direitos que não foram contemplados, até o momento, em nenhuma instância.
Outro ponto destacado pelo deputado estadual foi a obrigação de renunciar a qualquer direito de reclamação futura pelos atingidos que aderirem ao acordo de repactuação. “Há um outro problema grave. É que se impõe que estas pessoas, ao assinarem um acordo, elas abram mão daquilo que é o seu direito de recorrer à justiça, seja aqui, seja na Inglaterra, seja onde for. Então é preciso rever este imperativo”, destacou, colocando em questão, ainda, a falta de definição quanto à governança do acordo.
Atingidos “invisíveis” também pedem justiça
Lídia de Paula e mais 46 pessoas enfrentaram 16 horas de viagem no trajeto entre o sul da Bahia e Mariana, para dar continuidade à luta de 9 anos pelo reconhecimento de moradores das comunidades de Caravelas, Nova Viçosa e Alcobaça como atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. “No dia 5 de novembro, tudo parou. Nós ficávamos naquela expectativa, se a lama ia chegar, se não ia… Os helicópteros ali rondando a região e, por fim, a lama realmente chegou, bem no comecinho de janeiro. A gente constatou isso lá, e foi uma lástima realmente para a comunidade. As pessoas pararam a pesca, como em todos os demais municípios, por conta da contaminação e do medo”, relembrou Lídia.
A partir daí, de acordo com Lídia, embora essas comunidades, altamente dependentes da pesca e do turismo, não tenham o reconhecimento de atingidas por nenhuma instância, a realidade vem mostrando, através de estudos e da própria vivência nesses locais, sinais graves de consequências da tragédia. “No decorrer desses anos, o que a gente tem percebido? Muitas doenças que não eram costumeiras, principalmente na comunidade dos pescadores, muito câncer em mulheres novas, crianças com algum tipo de deficiência. E a questão também dos alimentos, diminuiu muito os pescados. E de uns anos pra cá a gente também tem encontrado algumas espécies de pescado com alguma deformidade. A região de Abrolhos, com a riqueza de corais que existem lá, já foi constatado arsênio e outros metais que existiam lá antes. De onde viria, a não ser de Mariana? Isso já está tudo documentado”, afirmou.
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Passeata por justiça e reparação integral
Saindo da Arena Mariana, à tarde, os integrantes da plenária do MAB se juntaram aos participantes do ato realizado em Bento Rodrigues, pela manhã, passando diante da Prefeitura Municipal e seguindo pelas ruas do Centro em direção à Praça Minas Gerais onde, às 16h20, horário aproximado do rompimento da barragem em 2015, os sinos das igrejas de São Francisco e de Nossa Senhora do Carmo homenagearam as vítimas da tragédia.
Assim como na plenária do MAB e no ato em Bento Rodrigues, nenhuma autoridade do Executivo e do Legislativo Marianense compareceu à passeata.
Antes de se juntar à passeata, ainda diante do Centro de Convenções, a equipe do grupo de pesquisa e extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos (Conterra), da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) apresentou uma série de cartazes com análises de questões importantes a respeito do Projeto de Longo Prazo (PLP) da Samarco, que encontra-se em fase de licenciamento junto aos órgãos ambientais estadual e federal, já com declarações de conformidade dos conselhos municipais de patrimônio e de meio ambiente de Mariana e Ouro Preto.
Coordenado pelas professoras Flora Passos e Monique Sanches, ambas do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFOP, o grupo vem se debruçando sobre questões relacionadas às violações de direitos na execução e entrega dos reassentamentos e das moradias e, mais recentemente, sobre os impactos do PLP da Samarco sobre os territórios de Bento Rodrigues, Camargos, e Santa Rita Durão, bem como do Reassentamento de Bento Rodrigues. “Esse empreendimento, na verdade, é mais um crime anunciado, né? São pilhas de rejeito estéril de proporções gigantescas, muito próximo a Bento Rodrigues e em Camargos também, que têm mais de 200 metros de altura. E esses dois territórios foram atingidos pelo rompimento da barragem, pelo desastre e crime da Samarco. Então é uma repetição”, enfatizou a professora Flora Passos.
A coordenadora do Conterra mencionou, ainda, que a despeito de todas as discussões, estudos e manifestações relacionados à ausência de justiça na reparação integral dos danos produzidos pelo rompimento da barragem de Fundão, causa estranheza o fato que o conselho Municipal de Patrimônio (Compat) tenha sido convocado para uma reunião, no exato horário da manifestação dos atingidos, tendo como item de pauta a análise de um projeto de expansão das atividades da Cedro Mineração. “Soube agora que [o projeto] foi retirado de pauta, porque, de fato, é um desrespeito falar sobre isso exatamente no dia 05 de novembro”, finalizou Flora, aliviada.