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Hoje é domingo, 24 de novembro de 2024

Reflexões de um mineiro no deserto de Atacama

“Um dia, depois de dominarmos os ventos, marés e gravidade, dominaremos a energia do amor e pela segunda vez na história do mundo, a humanidade terá descoberto o fogo” (Teilhard de Chardin)

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Deserto do Atacama

Ouça o áudio de "Reflexões de um mineiro no deserto de Atacama", do colunista Júlio Vawconcelos:

Recentemente tive a feliz oportunidade de fazer uma viagem ao deserto de Atacama, localizado no norte do Chile, considerado o deserto mais árido do mundo. Estende-se por cerca de 105 mil quilômetros quadrados entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes e é caracterizado por paisagens únicas, com formações rochosas, planícies de sal, vulcões e lagos coloridos. Atualmente, ainda é possível encontrar alguns povos originários vivendo nessa região, entre eles os Mapuches, que possuem algumas crenças extremamente interessantes sobre a natureza e a morte e que muito me despertaram a atenção.

Na nossa cultura, entendemos que existem quatro elementos fundamentais que sustentam a vida: terra, água, fogo e ar. Na cosmovisão Mapuche, além desses elementos, existe também a energia, denominada de Pewma, termo semelhante ao Pneuma (Espírito), de origem grega. Cada um deles possui um significado espiritual e simbólico profundo para eles e juntos eles representam o equilíbrio necessário para a harmonia entre os seres humanos, a natureza e o mundo espiritual e eis aí a grande lição deixada pelos Mapuches!

A Terra, conhecida como Ñuke Mapu (Mãe Terra) é considerada sagrada, fonte de vida e sustento e representa a mãe que provê tudo o que é necessário para o bem-estar deles.

A Água (Ko) é vista como a essência da vida e da purificação. Ela simboliza a continuidade da existência, pois é a fonte que alimenta a terra e os seres que nela habitam.

O Fogo (Kütral) é a energia transformadora, que representa tanto a força vital quanto a capacidade de renovação.

O Ar (Üñüm) é o símbolo da respiração e da liberdade, o sopro que conecta os seres vivos com o mundo invisível, fundamental para a comunicação com os ancestrais e com as forças da natureza.

Finalmente, o quinto elemento, a Energia, o Pewma, é o princípio da energia espiritual e onírica e representa o mundo dos sonhos, das visões e da espiritualidade. É o elo entre o mundo material e o mundo dos espíritos e é através dele que eles recebem mensagens, premonições e orientações de seus ancestrais.

Esses cinco elementos são considerados sagrados e interdependentes e os Mapuches acreditam que respeitar e manter o equilíbrio entre eles é fundamental para o bem-estar e a harmonia da vida. A compreensão e preservação de cada elemento refletem o compromisso do povo Mapuche com a proteção da natureza e a busca por viver em sintonia com o ambiente e com o mundo espiritual. Oxalá pudéssemos aprender essa grande lição com esses povos primitivos e verdadeiramente colocar em prática! Aliás, vela a pena lembrar que neste exato momento que escrevo está ocorrendo no Rio de Janeiro o Encontro G20, reunindo 20 países do mundo, justamente com o objetivo de abordar desafios globais com foco em justiça social, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico.

Outro aspecto interessante na cultura Mapuche é com relação à morte. Na nossa cultura, às vezes ouvimos dizer que quando um ente querido morre, ele se transforma em uma estrela brilhante no firmamento. Pois bem, da mesma forma, para eles, existe a crença de que, ao morrer, uma pessoa se transforma em uma estrela, retornando ao céu para se juntar aos ancestrais e guiar os que ainda vivem. Essa visão está ligada à ideia de que o espírito, ou Püllü, após a morte, faz a transição para o Wenu Mapu — o “Mundo de Cima” ou “Terra do Céu” — onde habita com os antepassados e se torna uma presença luminosa no firmamento. Para o povo Mapuche, a cada noite, olhar para o céu significa se reconectar com os antepassados e com aqueles que partiram, mas que continuam presentes e ativos no cotidiano de seus descendentes. Não é à toa que Marília Mendonça estourou com a música “Estrelinha”, antes de virar uma delas. Confesso que, depois de conhecer essa crença, meu olhar para um céu estrelado tomou uma dimensão muito mais profunda! …

Nas minhas longas caminhadas pelo deserto, entre trilhas, cânions e às margens de lagos salgados, fiquei pensando o quanto temos a aprender com essas lições. Até que ponto, apesar da nossa tão proclamada evolução tecnológica e de nos julgarmos seres evoluídos, acreditamos e colocamos em prática o princípio de que os cinco elementos são sagrados e interdependentes e que devemos respeitar e manter o equilíbrio entre eles, como premissa fundamental para o bem-estar e a harmonia da vida?

Infelizmente, os fatos nos levam a acreditar que ainda estamos muito distantes desta realidade! Nossa terra sofre horrores com a exploração capitalista selvagem descontrolada e predatória, destruindo a natureza. O ar que respiramos está carregado de contaminantes, gerado pelo excesso de veículos e indústrias inconsequentes, provocando graves problemas respiratórios e agravando o efeito estufa, principalmente nos grandes centros. Esgotos e produtos químicos são despejados nas águas de nossos rios, contaminando tudo e destruindo toda vida ali existente. O fogo, muitas vezes utilizado de maneira criminosa e inconsequente, consome nossas florestas, gerando feridas irrecuperáveis. E a natureza chora, derretendo suas geleiras, transbordando seus rios, gerando enormes enchentes, inundações, ciclones e furacões. E os espíritos de nossos ancestrais, como estrelas no céu, vão perdendo seus brilhos, decepcionados com os rumos que esse estranho ser chamado humano vai tomando! …

 Que Deus nos acuda, antes que seja tarde!

Quem tem ouvidos, que ouça!

Picture of Júlio Vasconcelos
Júlio César Vasconcelos, Mestre em Ciências da Educação, Professor Universitário, Coach, Escritor e Sócio-Proprietário da Cesarius Gestão de Pessoas
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