- Mariana, Ouro Preto e Itabirito
BR-356: Governo faz mais uma audiência para cumprir tabela
Evento foi realizado em Mariana, no final da tarde dessa sexta-feira (10)
Pela segunda vez, o Governo de Minas Gerais realiza, em Mariana, audiência pública referente ao processo de concessão da BR-356, com a previsão de duplicação de um trecho com aproximadamente 70km e construção de cerca de 40km de faixas adicionais em trechos das rodovias MG-262 e MG-329. A audiência contou com um pequeno número de participantes, embora superior ao verificado na audiência anterior, realizada em 19 de dezembro, mas com um razoável número de representantes oficiais (prefeitos, secretários municipais e vereadores) de algumas das cidades envolvidas no processo. Com um pouco mais de completude nas respostas aos questionamentos, o clima geral da audiência foi de reprovação ao modo como o projeto foi concebido e está sendo desenvolvido, transferindo para os usuários uma parcela considerável dos custos, além de não ter dado voz a muitos municípios distritos e localidades situadas às margens das rodovias em questão.
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Apresentação do projeto de concessão da BR-356
A dinâmica da audiência pública e a apresentação do projeto de concessão da BR-356 e de trechos das rodovias MG-262 e MG-329, ficou a cargo de Fernanda Alen, Subsecretária de Concessões e Parcerias da Secretaria de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias de Minas Gerais (Seinfra), que justificou a realização de nova audiência em atenção à reivindicação apresentada no evento realizado em dezembro de 2024.
Com isso, segundo Fernanda Alen, o Governo do Estado prorrogou o prazo da consulta pública e espera, a partir dos resultados e contribuições apresentadas nessa nova oportunidade, analisar o impacto e a viabilidade de eventuais modificações do projeto já disponibilizado.
Sem nenhuma modificação em relação à apresentação anterior, a subsecretária ressaltou aspectos relacionados à condição geral do conjunto de rodovias existentes em Minas Gerais, a urgente necessidade de novos investimentos, destacando as vantagens do modelo proposto e justificando que a viabilidade da proposta somente foi conseguida com a obtenção de recursos específicos oriundos da repactuação relacionada ao rompimento da barragem de Fundão, resultando na possibilidade de cobrança de pedágio com valores significativamente mais baixos que nos demais contratos do Programa de Concessões Rodoviárias do Estado de Minas Gerais.
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Depois de listar os principais pontos de melhoria das condições das estradas envolvidas, relacionando a quilometragem de duplicação, de faixas adicionais e construção do contorno do distrito ouro-pretano de Cachoeira do campo, juntamente com os números relacionados a obras de arte especiais, melhorias em acessos, e instalação de passarelas e paradas de ônibus, Fernanda Alen passou a relacionar os benefícios esperados com a implantação do “pacote” de obras previsto no projeto de concessão.
“Primeiro, redução de tempo de viagem. Então, a gente tem uma estimativa de conseguir reduzir o tempo de deslocamento em 40 minutos. Redução de segurança, porque essas obras de ampliação de capacidade permitem ultrapassagens com mais segurança, o que nos permite estimar, né? Uma redução de acidentes de aproximadamente 40%. Além disso, a gente tende a considerar aqui a importância dos R$5 bilhões de investimentos que serão realizados para potencializar atividades econômicas e de turismo”, afirmou.
Questionamentos dos participantes da audiência da BR-356
Em dezembro, a audiência aconteceu exatamente no horário da diplomação do prefeito, da vice-prefeita e dos vereadores eleitos de Mariana, junto com um pequeno público. Nessa sexta-feira, com um pouco mais de participação popular, estiveram presentes Juliano Duarte e Sônia Azzi, acompanhados de alguns secretários municipais, bem como os vereadores, Valmir do Gesso, Marcelo Macedo, Fernando Sampaio, Zezinho Salete e Ítalo de Majelinha.
Também compareceram ao evento os prefeitos de Ponte Nova, Barra Longa e Jequeri, vereadores de Ouro Preto e o ex-vereador e ex-candidato à Prefeitura de Itabirito, Ricardo Oliveira, acompanhado de seu parceiro de chapa, Ricardo Francisco.
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Aberta a fase de manifestações da audiência, o primeiro inscrito foi o vereador Vantuir Silva (Avante), presidente da Câmara Municipal de Ouro Preto, que fez observações sobre o trecho urbano do bairro Saramenha, cortado de Ouro Preto, cortado pela BR-356, e sobre a situação do distrito de Cachoeira do Campo. “O impacto maior dessa concessão vai ser no município de Ouro Preto. E aí eu quero chamar a atenção, com todo o respeito a Mariana, as outras cidades, que Ouro Preto não está sendo ouvido ou respeitado. (…) Cachoeira do Campo é um distrito talvez muito maior do que muitas cidades de Minas Gerais e até no Brasil, em população, e vai ser atingida diretamente com esse contorno, com essa alça que está sendo colocada para acontecer”, ressaltou Vantuir.
“A rodovia é a vida de Cachoeira. Cachoeira se transformou no que é hoje por causa da rodovia. Mas, com a separação que vocês estão procurando fazer, se não deixar um legado dentro de Cachoeira, o Estado vai ficar com os bens todos e Cachoeira vai ficar sem nada. Não somos contra a duplicação, pelo contrário. Eu acho que o Governo do Estado está no caminho certo de fazer essa concessão, de fazer a duplicação, porque vai dar segurança, vai dar a agilidade do trânsito, vai salvar vidas. Mas, abandonar Cachoeira, que por tantos anos suportou esse trânsito todo, eu acho que não é leal da parte do Governo do Estado fazer isso conosco”, ressaltou o vereador, solicitando que seja realizada uma nova audiência para ouvir, especificamente, a população de Cachoeira do Campo.
Nas demais manifestações de edis de Ouro Preto, Lílian França (Progressistas) e Naércio Ferreira (PSD), destacaram outros aspectos não satisfatórios da proposta de concessão, com destaque para a situação do distrito de Amarantina e do povoado de Coelhos, cujos acessos à BR-356 são extremamente perigosos, aspecto que também foi ressaltado por Ângela Maria Reis, representante da Associação de Moradores do Condomínio Paragem do Tripuí, localizado nem Amarantina, no km 69 da BR-356. O questionamento de Ângela foi quanto às tratativas, já em andamento junto ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), relacionadas à construção de um trevo de acesso ao condomínio, que não consta da relação de investimentos a serem feitos na rodovia após o processo de concessão.
Também de Ouro Preto, o vereador Wemerson Titão (PT), que pediu o apoio e o socorro do Governo do Estado para resolver o grave problema de tráfego da MG-129, entre o distrito ouro-pretano de Antônio Pereira e Mariana.
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Seguiram-se manifestações do vereador marianense Fernando Sampaio (PSDB), preocupado com a questão da falta de detalhamento do processo de desapropriação em trechos como a Vila São Vicente, em Passagem de Mariana; com a ausência de informações de melhorias previstas para o trecho entre o trevo de Passagem e o trevo do Garimpeiro; com o elevado custo imposto a usuários frequentes da BR-356, destacando que a secretaria de Saúde utiliza diversos veículos para transporte de pacientes entre Mariana e Belo Horizonte, destacando ainda a falta de transparência para a política de reajuste de tarifas. Esse último tema, inclusive, foi o centro de diversas manifestações subsequentes, entre as quais a fala da reportagem da Agência Primaz, do presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, em Mariana, Cristiano Pena e do ex-vereador itabiritense Ricardo Oliveira, que sugeriu a alternativa de transferir para as mineradoras de Mariana, Ouro Preto e Itabirito, o ônus da arrecadação com o pedágio por pelo menos 10 anos. “Nós temos que pensar de forma inteligente, na forma de um diálogo aberto, mas nós temos que trazer as mineradoras para essa conversa mais ampla. Quem sabe, as mineradoras possam sanar esse impacto dos pedágios durante o período de, no mínimo, 10 anos. Com isso, não teremos nenhum impacto no bolso do contribuinte”, sugeriu Ricardo Oliveira.
Merece destaque, também, a intervenção de Wesley Pereira, representando o Instituto Habitat, dedicado ao resgate de animais silvestres e para preservação ambiental e educação ambiental na Região dos Inconfidentes. “Eu senti uma ausência, na apresentação, de quais são as medidas ambientais que vão ser feitas, quais as ações que estão sendo tomadas, porque hoje a gente não busca só um desenvolvimento. A nossa forma de pensar tem que ser o de um desenvolvimento sustentável. Todos aqui presentes que utilizam veículos que vão ser impactados, mas o meio ambiente, os animais também são e eles não têm condição de estar aqui falando por eles próprios”, declarou Wesley.
A principal preocupação do representante o Instituto Habitat, é como vai ser incluído, no processo de concessão, a questão de proteção à fauna local e do socorro a animais atropelados, fato muito frequente, considerando-se a proximidade dos parques do Itacolomi e da Floresta Estadual do Uaimií.
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Juliano Duarte faz duras críticas ao projeto de concessão da BR-356
O prefeito de Mariana (MG), Juliano Duarte (PSD), manifestou-se durante audiência pública sobre o projeto de concessão da BR-356. Ele defendeu que a obra é importante, mas questionou os impactos para a população local e criticou os governos federal e estadual por não terem arcado exigido a inclusão, no chamado Acordo de Mariana, de recursos suficientes para a execução de 100% das obras de duplicação da BR-356 e de melhorias das rodovias MG-262 e MG-329, deixando a população com o ônus do pagamento de pedágio.
Algumas das principais críticas e questionamentos apresentados por Juliano Duarte foram:
– Custo para a população: “Essa obra não deveria ter ficado nas costas [da população] de Ouro Preto, de Mariana, de Itabirito, de Barra Longa, de Acaiaca, de ninguém“;
– Impacto ambiental e social: ” Dentro de Mariana, de Passagem de Mariana, como que vai ficar a Vila São Vicente? Teremos desapropriação? Se sim, qual o valor que vai ser destinado para essa apropriação? Quem define esses valores?“
Pedágio: “Entendo que municípios atingidos diretamente, como Mariana e Barra Longa, sim, deverão ter valores diferenciados de pedágio, (…) porque Mariana, Barra Longa, foi quem sofreu, quem teve a sua economia jogada no chão, quem teve empresas que fecharam as portas, que demitiu servidores, [que teve] obras paralisadas. Eu tenho que defender a minha cidade, e eu não acho justo que Mariana tenha que pagar o preço igual [do pedágio], já que o recurso sai daqui.“
– Contrapartida das mineradoras: “Qual a contrapartida da Vale, da Renova, da Cedro e de muitas outras mineradoras que não estão somente em Mariana, mas também em Ouro Preto e Itabirito? Quanto que elas estão colocando?“
Ao finalizar, o prefeito de Mariana deixou um recado direto ao Governador do Estado: “Agora é hora do governador fazer o seu papel de governador e também de exigir que elas coloquem, quem sabe, a diferença dos R$3 bilhões, já que não fizeram anteriormente, e aí a gente não teria que pagar mais nada”, finalizou Juliano Duarte”.
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Respostas são apenas promessas de análise das questões levantadas na audiência
Na parte final da audiência pública, Fernanda Alen, subsecretária de Concessões e Parcerias, retomou a palavra para apresentar considerações a respeito dos pontos levantados pelos participantes, iniciando sua fala afirmando que a nova audiência seria uma prova da sensibilidade do Governo do Estado e frisando que o atual projeto somente se tornou viável com o aporte de recursos previstos na repactuação. “Acho que é relevante também, trazer que o projeto de 2019 foi integralmente modificado, antecipando o ciclo de obra e reduzindo substancialmente o aluno do pedágio, que antes chegava a parâmetros de aproximadamente R$13, e a gente conseguiu a redução para R$5,59, que foi permitida a partir da celebração do acordo de Mariana. Então, esse projeto, ele não seria viável sem que a gente tivesse o aporte do governo a partir dessa fonte de recurso”, declarou.
Destacando que as contribuições feitas em ambas as audiências, bem como as eventualmente recebidas pelo e-mail disponibilizado especificamente para esse procedimento, seriam consolidadas, ainda em janeiro, em um relatório que vai ser devidamente divulgado, Fernanda Alen passou a responder aos principais pontos levantados, chegando mesmo a apresentar alguns detalhes mais específicos sobre alguns dos pontos, como a possibilidade de inserir no edital a questão do trevo em Amarantina, assim como demonstrando que as melhorias no trecho urbano de Cachoeira do Campo estão adequadamente contempladas e vão constar do contrato e das obrigações da empresa que vier a obter a concessão.
Fernanda mencionou que vai haver a duplicação do trevo de Passagem até a rodoviária de Mariana, com implantação de melhorias no trecho municipalizado restante, até o trevo do Garimpeiro, onde a MG-262 se encontra com a MG-129, destacando que a questão das desapropriações somente pode ser discutida depois do desenvolvimento dos projetos executivos, cuja responsabilidade é da empresa concessionária da BR-356.
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Correção das tarifas de pedágio na BR-356
O ponto mais preocupante da fala da subsecretária, porém, foi o relacionado à política de reajuste do pedágio, lembrando que o valor de R$5,59 vai ser válido para todos os pórticos de cobrança até o quinto ano de concessão, passando a R$7,83 no pórtico 01 (próximo à entrada do Condomínio Acuruí), a partir do sexto ano, valor idêntico ao que será cobrado no outro pórtico da BR-356 (km 42), no início do 9º ano da concessão.
De acordo com Fernanda Alen, o contrato vai prever a correção anual do valor do pedágio com base no IPCA dos 12 meses anteriores à data de reajuste. Portanto, a dedução é que os valores de R$5,59 e R$7,83 são os previstos na ocasião da elaboração do projeto de concessão, mas podem ter majoração quando forem efetivamente implantados os postos de cobrança de pedágio.
O IPCA médio anual (medido de janeiro a dezembro) de 2020 a 2024 foi de aproximadamente 5,96%. Assim, considerando-se que a concessão tenha início em janeiro de 2026 e a cobrança de pedágio tenha início daí a 12 meses, os valores já mencionados, corrigidos pela média anterior do IPCA, considerada para a variação de 2025, já seriam, respectivamente, R$5,92 e R$8,30. Projetando esse segundo valor para o nono ano de vigência da concessão, ambos os pedágios estariam custando R$12,83. Em outras palavras, um deslocamento de ida e volta, de Mariana ou Ouro Preto a Belo horizonte custaria pouco mais de R$50 quando, teoricamente, todo esse trecho deveria estar duplicado e com os serviços de atendimento ao usuário em pleno funcionamento.
A questão do volume de investimentos a serem feitos pela concessionária, anunciados como de quase R$3 bilhões, não teve seu questionamento de distorção respondido. Como apontado pela reportagem da Agência Primaz, já na audiência anterior, a documentação disponibilizada pelo Governo de Minas, inclui uma planilha de fluxo de caixa anual ao longo dos 30 anos de duração da concessão.
Considerando todos os gastos e aportes, incluindo a cobrança de pedágio a partir do segundo ano, apenas nos oito primeiros o fluxo de caixa mostra resultados negativos, com somatório de R$446,6 milhões. Já a partir do nono ano, com os dois pórticos da BR-356 atingindo seus valores máximos de cobrança, o resultado final seria positivo, ou seja, a concessionária passaria a ter lucro. Exemplificando, no 10º ano de contrato, a arrecadação prevista gira em torno de R$200 milhões, com lucro de R$88 milhões, a partir de cálculo considerando os valores iniciais de R$5,59 e R$7,83 das tarifas. Portanto, o investimento real da concessionária sequer alcançaria meio bilhão, ao longo de oito anos, com previsão de lucro líquido de R$1,8 bilhão, acumulado a partir da metade d0 14º ano de concessão, ocasião em que todo o investimento já teria sido recuperado.
Luiz Loureiro é jornalista graduado pela UFOP, fundador, sócio proprietário e editor chefe da Agência Primaz de Comunicação