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Hoje é sábado, 22 de fevereiro de 2025

Audiência na ALMG expõe insatisfação com concessão da BR-356

Governos federal e municipal não se entendem e indefinições preocupam moradores dos municípios envolvidos

Reunião da Comissão de Participação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais teve participação de representantes do poder público e de entidades da sociedade civil para discussão do modelo de concessão da BR-356
Reunião da Comissão de Participação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais teve participação de representantes do poder público e de entidades da sociedade civil – Foto: Luiz Santana/ALMG

Convocada por meio do Requerimento de Comissão RQC 11.099/2024, de autoria do Deputado Leleco Pimentel (PT), e presidida pelo próprio autor, a Audiência Pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALEMG) demonstrou o grande volume de insatisfação com o modelo de concessão da BR-356, principalmente em relação ao impacto financeiro a ser suportado pelos usuários e às indefinições a respeito das indenizações e prejuízos previstos para os moradores das margens da rodovia nos trechos urbanos. A reunião ainda demonstrou que os governos federal e estadual não estão em sintonia sobre o assunto, com informações desencontradas e manifestações contraditórias até mesmo sobre a competência legal do Governo de Minas para dar prosseguimento ao processo de concessão.

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Concessão da BR-356 vai impactar fortemente a economia de Cachoeira do Campo

A concessão de trechos da BR-356, da MG-262 e da MG-129, integrantes do Lote 7 do Programa de Concessões Rodoviárias de Minas Gerais, incluindo a duplicação do trecho federal e construção de 3ª faixa nos trechos estaduais, além de um anel de contorno no distrito ouro-pretano de Cachoeira do Campo, foi o tema de debate realizado pela Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nessa segunda-feira (17).

A audiência pública, a primeira do segundo biênio da 20ª legislatura da ALMG, foi requerida pelo deputado Leleco Pimentel (PT) após denúncias da população desses municípios sobre a ausência de informações a respeito do projeto. “Nós queremos saber se o projeto do governador Zema dialoga de fato com as comunidades”, afirmou o parlamentar. Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Entre as maiores preocupações da população, estão as implicações das mudanças no tráfego local para a segurança dos moradores e para as atividades comerciais localizadas às margens das rodovias e que dependem do trânsito de carros e caminhões.

Na audiência sobre a concessão da BR-356, Vicente Pedrosa Júnior representou o conjunto de empresários estabelecidos no trecho urbano da rodovia
Vicente Pedrosa Júnior representou o conjunto de empresários estabelecidos no trecho urbano da BR-356 em Cachoeira do Campo – Foto: Reprodução Youtube

Representando a Rede de Empresários de Cachoeira do campo, Vicente Pedrosa Júnior apresentou números e avaliações da dimensão econômica do fluxo de veículos e pessoas no trecho urbano da BR-356 em Cachoeira do Campo. “Há um faturamento expressivo da receita local proveniente da rodovia”, explicou.

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Também conhecida como Rodovia dos Inconfidentes, a BR-356 corta o distrito ao meio e, às suas margens, houve o estabelecimento de comerciantes e prestadores de serviço ao longo dos últimos 75 anos. De acordo com os dados apresentados por Pedrosa Júnior, 54,5% das empresas instaladas no distrito de Cachoeira do Campo dependem exclusivamente do fluxo de veículos na rodovia, gerando mais de 300 empregos formais e representando 45% da receita gerada no distrito.

De acordo com o empresário, a construção do anel rodoviário, em pista dupla, incentivaria o turista a não entrar em Cachoeira do Campo, atrapalhando o comércio local já consolidado, colocando como alternativa a implantação da alça rodoviária em pista simples, destinada apenas ao tráfego de caminhões e veículos mais pesados, com implantação de pista dupla, mas com limitação de velocidade a 40km/h no trecho urbano, chamado de Avenida Pedro Aleixo.

Modelo de concessão da BR-356 não garante redução de acidentes

Outro ponto tratado na audiência foi a segurança rodoviária dos trechos contemplados pelo projeto do Executivo, visto que a redução de acidentes é um dos maiores argumentos do Governo de Minas para a concessão, principalmente a partir da duplicação da BR-356.

Embora seja uma demanda antiga da população, participantes da audiência questionaram se a obra seria suficiente para resolver a questão dos acidentes, uma vez que o projeto fala em suavização de curvas, mas sem revelar detalhes mais precisos. “O objeto de discussão aqui não é a necessidade ou urgência da duplicação, mas o modelo que está sendo apresentado”, afirmou Luiz Carlos Teixeira, presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop).

Ele acredita que a presença de mineradoras na região seria a grande responsável pelo alto número de acidentes nas estradas, citando ocorrências recentes em diversas comunidades de Ouro Preto, como Amarantina, Bocaina, Botafogo e Saramenha. Para Luiz Carlos, caso o projeto do Executivo não venha acompanhado de uma revisão do esquema de transporte de minérios, a tendência é agravar a insegurança nas estradas, com o aumento do fluxo de carretas.

A preocupação foi compartilhada por Ronald de Carvalho Guerra, vice-presidente do Instituto Guaicuy, que atua com comunidades atingidas pela mineração na região. Ele lembrou que parte do projeto de concessão esteja sendo financiado com recursos da repactuação do acordo de Mariana, apontando a contradição de que, ao final, as mineradoras também serão beneficiadas com a duplicação da BR-356.

Governo defende concessão da BR-356 e demonstra falta de sintonia com órgão federal

Com a mesma apresentação de slides utilizada em Mariana, nas audiências realizadas em dezembro do ano passado e em janeiro último, Fernanda Alen Gonçalves da Silva, diretora da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e ex-subsecretária de Concessões e Parcerias da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), fez a defesa do modelo de concessão proposto, enfatizando os mesmos pontos positivos, mas sem apresentar soluções para os pontos negativos apresentados anteriormente e na audiência pública da ALMG.

Ela explicou que, de acordo com dados do programa, experiências anteriores apontam que, nos primeiros cinco anos de concessão, há uma redução de 38% no índice de acidentes nas rodovias. Isso porque tais modelos viabilizam obras de adequação de capacidade das estradas e um dos maiores motivos de acidentes, segundo Fernanda, seria a colisão frontal de veículos em trechos não duplicados.

Entre os benefícios para os usuários, a representante do Executivo elencou serviço de atendimento 24 horas por canal 0800 e aplicativo, atendimento médico de urgência, socorro mecânico e instalação de paradas de descanso.

Um dos questionamentos do deputado Leleco Pimentel, na audiência da concessão da BR-356, é referente à competência legal do Governo de Minas para fazer a concessão de uma rodovia federal
Um dos questionamentos do deputado Leleco Pimentel é referente à competência legal do Governo de Minas para fazer a concessão de uma rodovia federal - Foto: Reprodução/Youtube

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Durante a fala da Fernanda Alen, alguns pontos de falta de sintonia foram evidenciados, como quando o deputado Leleco Pimentel questionou a competência do Governo de Minas para fazer uma concessão de rodovia federal. A diretora da Codenge, em resposta, citou o Termo de Transferência nº 129/2021, assinado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Governo de Minas, com a finalidade de transferência/doação de cinco trechos da BR-356, desde o km 28, em Nova Lima, até o km 108, em Passagem de Mariana.

Entretanto, em manifestação anterior, Antônio Gabriel Oliveira dos Santos,  superintendente regional do órgão em Minas Gerais, o projeto de concessão ainda está sob análise pelo Dnit, que tem contrato de manutenção vigente e desenvolve projetos de adequação em trechos da BR-356. “O que podemos dizer hoje é que temos um contrato de manutenção vigente da rodovia. Existe inclusive um projeto de adequação, com alargamento das faixas. Não é uma duplicação. A previsão de entrega desse projeto é para início do segundo semestre”, informou o superintendente.

Ele explicou também que a palavra final sobre a concessão só pode ser dada pelo Ministério dos Transportes, que também está em fase de estudos do projeto.

Por sua vez, o deputado federal Padre João (PT-MG) relatou que participou de uma reunião com o ministro dos Transportes, Renan Filho. “Ele me disse que, se houver de fato um projeto de duplicação que for trazer segurança para a população, nós não vamos atrasar ou prejudicar a comunidade”, afirmou.

Nessa reunião ficou claro que o que existe é só um desenho, sem nenhuma certeza ou garantia. É muita desinformação. Por isso a importância dessa audiência pública”, completou o deputado federal.

Queixas dos moradores da Vila São Vicente em relação à concessão

Raquel de Souza Cruz falou em nome dos moradores da Vila São Vicente, localizada à margem da BR-356, no distrito de Passagem de Mariana

Moradores de Passagem de Mariana compareceram à audiência e manifestaram preocupação relativa à possibilidade de desapropriação de seus imóveis, obtidos por doação da Prefeitura de Mariana. “Nós estamos aqui com uma grande dúvida. As nossas casas margeiam a BR-356 e elas foram doadas pelo Poder Executivo, em conformidade com o Poder Legislativo há mais de 30 anos. Nós temos documentação registrada em cartório e aquelas pessoas que não tem, tem em minuta. E com a possível duplicação, nós temos uma grande dúvida se a Vila São Vicente vai permanecer onde ela está, se os moradores vão continuar dentro das suas casas”, declarou Raquel Aparecida de Souza Cruz, afirmando que a preocupação é ainda maior porque não há clareza desse ponto na proposta de concessão.

Raquel informou que a incerteza de seus vizinhos aumenta à medida que o processo de concessão da rodovia avança, sem que nenhum órgão governamental apresente uma resposta satisfatória à questão. “Nós fizemos essa pergunta ao executivo, não fomos atendidos. De certa forma, fomos até ignorados em algumas questões. Levamos até a Câmera para entender o que vai ser feito com os moradores. E estamos aqui tentando entender como que é o projeto, como que é o traçado, porque na primeira audiência nada foi explicado sobre o que vai acontecer com as pessoas”, complementou a moradora da Vila São Vicente.

Aproveitando a ocasião, o vereador Wemerson Titão (PT), de Ouro Preto, reiterou a necessidade urgente de ser incluída na discussão a questão da MG-129, principalmente no trecho entre Mariana e o distrito ouro-pretano de Antônio Pereira, estrangulada pelo intenso tráfego de veículos pesados a serviço das mineradoras instaladas naquele território.

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Luiz Loureiro é jornalista graduado pela UFOP, fundador, sócio proprietário e editor chefe da Agência Primaz de Comunicação.