- Ouro Preto
Mineração ameaça aquíferos e soterra caverna em Ouro Preto
Crime ambiental ocorre no Dia Mundial da Água enquanto evento científico denuncia impactos da mineração na Serra do Botafogo.

Enquanto pesquisadores e ativistas se reuniam na comunidade de Botafogo para o HidroGeoDia, evento que discute a importância da proteção das águas subterrâneas, uma mineradora em Ouro Preto cometia o crime que viria a simbolizar a emergência hídrica na região: na madrugada de 22 de março, a LC Participações soterrou uma caverna natural após ser flagrada por drones – exatamente no Dia Mundial da Água.
O evento revelou que sete empreendimentos minerários ameaçam os aquíferos que abastecem comunidades locais e parte da Grande Belo Horizonte, com licenças obtidas com suspeitas de fraude documental, aparelhamento do conselho ambiental municipal e estudos superficiais que ignoram a presença de espécies ameaçadas de extinção e potencialmente ainda desconhecidas pela ciência.
Crime ambiental em tempo real

Na madrugada que antecedeu o evento científico, uma caverna natural foi completamente soterrada por máquinas da mineradora a mineradora LC Participações, controladora da Mina Patrimônio, em um ato denunciado como crime ambiental. Pesquisadores e moradores locais, que já monitoravam o local, flagraram a ação e acionaram o Ministério Público e a Polícia Ambiental. A empresa responsável pela área havia negado a existência de cavidades no local em seus estudos de licenciamento, levantando suspeitas de fraude e omissão deliberada.
A arqueóloga Alenice Baeta, relatou que, no dia anterior, máquinas foram vistas operando próximo à caverna. “”Ontem à tarde nosso drone mostrou o maquinário trabalhando a menos de 100 metros de uma cavidade natural. No relatório ambiental, a mineradora afirmou que a caverna mais próxima estava a seis quilômetros! Hoje de manhã constatamos o pior: na calada da noite, eles cobriram completamente a caverna. Isso é crime ambiental, desobediência à ordem policial e fraude nos documentos de licenciamento”, afirmou.
O soterramento da caverna acendeu um alerta sobre a possibilidade de irregularidades no processo de licenciamento ambiental da empresa. Moradores e ambientalistas questionam a credibilidade dos estudos que embasaram a autorização da mineração. “Se omitiram a existência dessa caverna, o que mais pode ter sido escondido? Como confiar nos relatórios que dizem que a mineração não afetará nascentes ou a biodiversidade?”, questionou um ativista presente no local.
Ver Mais

Entrevista Primaz – Ronan Vaz

Estudantes da UFOP protestam após terceiro caso de racismo

Machismo – amargura de tempos idos
Inscreva-se no nosso canal de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.
Caso comprovada a intencionalidade, a mineradora pode responder por crimes ambientais, incluindo destruição de cavidade natural protegida por lei e falsificação de documentos. Especialistas alertam que o caso expõe falhas graves na fiscalização de áreas de mineração, especialmente em regiões ricas em formações geológicas sensíveis. “Isso não é apenas um dano ambiental, é um ataque ao nosso patrimônio natural. Se não houver punição, outras empresas podem seguir o mesmo caminho, destruindo cavernas, rios e ecossistemas para evitar custos e burocracias”, destacou o pesquisador.
A pressão por respostas e punições está crescendo, com entidades ambientalistas cobrando uma revisão urgente dos licenciamentos concedidos à mineradora. Enquanto isso, a comunidade local e cientistas seguem em alerta, temendo que outras áreas da Serra do Botafogo possam ser alvo de ações semelhantes.
"Não Bebemos Minério": Os Aquíferos de Ouro Preto em Perigo

Em Ouro Preto, onde o solo guarda tanto minério quanto água, o Cacique Danilo Borum-Kren tem um alerta simples mas poderoso: “A gente não bebe minério de ferro, a gente bebe água.” Essa frase resume o conflito que se agrava na região de Botafogo, onde os aquíferos que sustentam comunidades e ecossistemas estão sendo minados para a extração do ferro.
A Serra do Botafogo abriga três aquíferos de extrema importância: o Aquífero Cauê, o Aquífero Cercadinho e o Aquífero Gandarela. Esses reservatórios subterrâneos de água são essenciais para a manutenção das nascentes e abastecem aproximadamente 15 mil pessoas, além de contribuir para as bacias hidrográficas do Rio das Velhas e do Rio Doce. O Aquífero Cauê, em particular, é um dos mais valiosos, pois sua formação ferrífera bandada possui alta porosidade e grande capacidade de infiltração e armazenamento de água. O impacto da mineração sobre esse aquífero pode causar rebaixamento dos níveis d’água, perda de nascentes e comprometimento do abastecimento hídrico regional.
A professora Adivane Costa, coordenadora da Cátedra UNESCO Água Mulher e Desenvolvimento, explica que as formações ferrosas da Serra de Ouro Preto possuem três características essenciais de um excelente aquífero: alta porosidade da canga, fissuras naturais que aumentam a capacidade de absorção de água e uma camada inferior impermeável que mantém a água armazenada. “Isso é um tesouro do ponto de vista de águas subterrâneas. A formação ferrífera que é tão almejada pelas mineradoras é um tesouro”, enfatiza.
*** Continua depois da publicidade ***

Botafogo está sobre quatro aquíferos estratégicos e eles alimentam o Ribeirão do Funil, que abastece 15 mil pessoas em cinco distritos e contribui para o Rio das Velhas – fonte de água para a Grande BH.”As sete mineradoras aqui querem explorar justamente a Formação Ferrífera, que é o nosso principal reservatório subterrâneo. Quando você tira essa ‘esponja geológica’, secam as nascentes e morrem os rios”, explica.
O que acontece quando se mexe nesses aquíferos? No processo de extração mineral, é preciso baixar o nível da água para viabilizar a exploração, então as mineradoras bombeiam milhões de litros para fora. Além disso, durante o beneficiamento mineral, grandes volumes de água são utilizados para separar o minério do rejeito. Esse processo pode secar nascentes e reduzir a água disponível. Quando as rochas são retiradas, a “esponja” que armazenava água desaparece, e no lugar ficam crateras inférteis, incapazes de reter água.

Enquanto o minério segue para exportação, as comunidades ficam com o prejuízo hídrico. Depois que a rocha é removida, a capacidade de armazenamento de água desaparece para sempre. O cacique Danino Borum-Krem explica que o povo Borum-Kren pertence ao tronco Botocudo e o seu território ancestral abrange o Alto Rio Doce, Alto Rio das Velhas e Alto Paropeba. “Aqui em Botafogo, somos guardiões há séculos. Mineração? Isso é morte disfarçada de progresso. Ninguém bebe minério, ninguém come ferro! Nossa riqueza está na floresta em pé – cada planta é remédio, alimento e cultura. Quando soterram cavernas ou abrem minas, estão matando nossa história e envenenando o futuro de todos, indígenas e não indígenas”, diz o cacique.
Além do aquífero Canga e Cauê, ameaçados em um terreno de predominância de Campos Rupestres pela LC Participações, o aquífero Cercadinho se vê ameaçado por um outro empreendimento que também já está em operação, da RS Mineração Ltda que potencialmente pode contaminar ou secar algumas nascentes importantes do Ribeirão do Funil, como seria o caso da Cachoeirinha e da Cachoeira do Botafogo.
Os Bastidores do Licenciamento: Como as Mineradoras Driblam as Regras

A professora Lia Porto, do Departamento de Engenharia Ambiental da UFOP, explicou durante o evento como o processo de licenciamento ambiental funciona e como as mineradoras encontram brechas para agilizar sua aprovação.
O licenciamento ambiental é dividido em três etapas principais:
- Licença Prévia (LP): Avalia a viabilidade do projeto e seus impactos ambientais. É o momento em que o órgão ambiental diz se a atividade pode ou não ser realizada.
- Licença de Instalação (LI): Permite a construção do empreendimento, caso a LP tenha sido concedida.
- Licença de Operação (LO): Autoriza o funcionamento da atividade, garantindo que todas as exigências anteriores foram cumpridas.
No entanto, as mineradoras costumam usar um mecanismo conhecido como Licenciamento Ambiental Concomitante (LAC), que permite a obtenção das três licenças de uma só vez. Isso impede a comunidade de reagir a tempo, pois quando a população toma conhecimento do processo, a mineradora já está operando.
Outro subterfúgio é fragmentar os empreendimentos em pequenas minas ao invés de apresentar um único grande projeto. Dessa forma, cada operação individualmente aparenta ter um impacto menor, facilitando aprovações rápidas.”Elas fragmentam um grande projeto de mineração em vários pequenos empreendimentos para se enquadrarem em licenciamentos simplificados. Enquanto a lei exige estudos detalhados para projetos de grande porte, essas ‘mini-minas’ conseguem aprovações rápidas, sem a devida análise dos impactos cumulativos”, explicou Porto. Na prática, essas pequenas operações formam um grande complexo minerário.

Além disso, por lei a mineração é considerada uma atividade de utilidade pública, o que permite sua instalação até mesmo em áreas de preservação, territórios de comunidades tradicionais e regiões de recuperação florestal. “Esse é um dos maiores desafios”, explica a professora Lia Porto. “Mesmo quando a legislação impõe restrições ambientais, o fato de a mineração ser classificada como atividade de utilidade pública dá a possibilidade de se sobrepor a essas restrições, permitindo sua instalação em áreas que deveriam ser protegidas.”
Essa classificação permite que empreendimentos minerários avancem sobre territórios sensíveis sem necessidade de consultas mais amplas à população afetada. “O que vemos é um uso recorrente desse mecanismo para aprovar projetos que, em situações normais, não deveriam ser licenciados. Assim, comunidades tradicionais e ecossistemas em recuperação acabam perdendo sua proteção legal”, alerta Lia. Outro ponto que já foi abordado na reportagem Mineração ameaça Botafogo e Ouro Preto: Comunidade resiste, os processos correm em diferentes unidades da FEAM, o que dificulta o processo de acompanhamento do impacto cumulativo.
Essas estratégias resultam em um licenciamento acelerado, onde os impactos ambientais são minimizados nos documentos oficiais, mas se mostram devastadores na prática. Como alertado por especialistas no evento, o território de Botafogo já sofre com esses impactos, e se a expansão minerária não for controlada, o futuro hídrico da região estará seriamente comprometido.
Estudo Independente Contradiz Relatório Oficial da BHP Billiton
Ainda durante o HidroGeoDia, a professora Livia Echternacht, do Departamento de Biologia da UFOP, apresentou um estudo realizado por ela e seus alunos que contradiz o relatório de impacto ambiental da mineradora BHP Billiton. A maior mineradora do mundo também quer ser a maior da região, a anglo-australiana, uma das responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015 já tem autorização de pesquisa para explorar uma área de 956 hectares no topo da Serra de Ouro Preto, sobre o Aquífero Cauê, Canga e Gandarela.
Um estudo independente revelou a presença de espécies de plantas que não foram mencionadas no estudo da mineradora, incluindo quatro espécies ameaçadas de extinção e uma potencialmente nova para a ciência “Em apenas um dia de campo com alunos da pós-graduação, identificamos 56 espécies de plantas do campo rupestre. Dessas, 46 sequer apareciam no estudo de impacto ambiental apresentado pela maior mineradora do mundo”, denunciou.
Segundo a professora, “é inadmissível que uma mineradora do porte da BHP Billiton apresente um estudo de impacto ambiental que ignora tantas espécies presentes na região”, denuncia a professora Lívia. “Nosso levantamento, feito em um único dia de campo, já revelou falhas graves na documentação oficial. Isso evidencia a baixa qualidade dos estudos que embasam o licenciamento dessas atividades”, denuncia.

“A BHP Billiton é a maior mineradora do mundo, com recursos praticamente ilimitados para realizar estudos ambientais detalhados e precisos”, critica a professora Livia Echternacht. “Mesmo assim, seu relatório de impacto ambiental falha em relatar a presença de dezenas de espécies de plantas, incluindo algumas ameaçadas de extinção. Como podemos confiar em um processo de licenciamento baseado em um estudo tão falho?” A descoberta reforça as preocupações sobre a credibilidade dos processos de licenciamento e a necessidade de estudos independentes para garantir a preservação da biodiversidade na Serra do Botafogo.
Essas estratégias resultam em um licenciamento acelerado, onde os impactos ambientais são minimizados nos documentos oficiais, mas se mostram devastadores na prática. Como alertado por especialistas no evento, o território de Botafogo já sofre com esses impactos, e se a expansão minerária não for controlada, o futuro hídrico da região estará seriamente comprometido.
Outra suspeita é do aparelhamento do poder público municipal e o uso de uma anuência antiga do CODEMA durante o processo de licenciamento da Mina Patrimônio, a suspeita da comunidade é que a documentação teria sido obtida irregularmente segundo Ronald Guerra, vice-presidente do Instituto Guaicuy, “A LC Participações mentiu descaradamente. Declarou que não faria lavra, mas já tinha iniciado o complexo minerário completo. E o pior: conseguiram anuência no gabinete do prefeito, sem passar pelo CODEMA”.
Comunidade se mobiliza

Indignados com o soterramento da caverna, moradores de Botafogo marcharam até a portaria da Mina Patrimônio em protesto. O ato, pacífico, reuniu cerca de cem pessoas. Durante a manifestação, um idoso foi agredido por um segurança da empresa.
Nossa reportagem tentou sem sucesso conversar com a LC Participações para esclarecimentos.
Também questionamos a Prefeitura de Ouro Preto sobre as acusações de desrespeito à autonomia do CODEMA/OP nos processos de anuência e sobre a denúncia de crime ambiental, mas até o momento de fechamento desta reportagem, não tivemos retorno.

O Evento HidroGeoDia
No Dia Mundial da Água (22/03), a comunidade de Botafogo, em Ouro Preto (MG), sediou a terceira edição do HidroGeoDia — iniciativa global criada pela Associação Internacional de Hidrogeologistas para dar visibilidade à importância das águas subterrâneas e aos conflitos socioambientais que as ameaçam. Organizado pela professora Adivane Costa, coordenadora da Cátedra UNESCO Água Mulher e Desenvolvimento (UFOP), em parceria com o PET de Engenharia Geológica e a Associação de Moradores e Amigos do Botafogo (AMAB), o evento reuniu centenas de pessoas, incluindo acadêmicos, sindicatos, movimentos sociais e representantes políticos.
Durante a programação, os participantes percorreram nascentes e cachoeiras da Serra do Botafogo, região estratégica por abrigar aquíferos que abastecem comunidades locais e a região metropolitana de Belo Horizonte. Com debates técnicos e rodas de conversa, o foco foi denunciar os impactos de sete empreendimentos minerários em licenciamento na área, que colocam em risco não apenas os recursos hídricos, mas também o patrimônio histórico — como a Capela de Santo Amaro (séc. XVII), em processo de tombamento. O evento reforçou a urgência de proteger o território, classificado como “caixa d’água” do Quadrilátero Ferrífero, contra a expansão predatória da mineração.
Para Helena Alves Bosze, estudante e membra do PET de Engenharia Geológica, o evento é uma oportunidade de colocar em prática os conhecimentos adquiridos na faculdade, além disso, a estudante encara o evento como uma prestação de serviço que retorna para a comunidade: “Como estudantes de uma federal, temos obrigação de devolver esse conhecimento à sociedade. O relatório que produzirmos será usado pela associação de moradores”, explica.
O evento contou com a participação de ativistas, sindicatos, ongs e partidos políticos e teve o apoio do programa Geociências Sem Muros, da PROEX/UFOP, Frente Mineira de Luta das Atingidas e Atingidos Pela Mineração (FLAMa-MG), da Associação de Proteção Ambiental de Ouro Preto (APAOP), do Instituto Guaicuy, da Associação dos Docentes da UFOP (ADUFOP), do Programa Participa Minas de Educação e Cultura da Água, da Associação Aqua, do Projeto Manuelzão da UFMG.