Flores de um adolescente
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Ouça o áudio de "Flores de um adolescente", do colunista Saulo Camêllo:
Naquele espaço de ausência, não me encaixava. Nenhum som reconhecível, nenhuma melodia que me chamasse. Então retornei ao meu eu. Pelo caminho, perscrutava o céu com desespero. Como eu queria que uma estrela piscasse para mim… Não precisava ter nome, poderia ser qualquer uma: um cometa, uma constelação, um ponto ínfimo no infinito, qualquer coisa. Menos o sol.
Não gosto de falar do sol, mas não posso ignorar as sombras que projeta. A luz que emite me é difícil, e encará-lo por muito tempo me cega. Por um instante, considerei buscar seu brilho, mas desisti. Talvez já estivesse soterrado sob a indiferença da noite.
Saí do curso naquele dia porque acordei tomado pelo desejo de sentir o vento. Busquei até encontrar. E encontrei. O sopro que me tocou satisfez a pele, mas logo percebi o vazio. Faltava algo. Talvez um calor que se firmasse, uma chama que não fosse efêmera. Mas ali não havia faísca. Era apenas brisa. E, ainda que eu raramente crie laços com as correntes que me atravessam, sinto falta de um abrigo.
É que as raízes que me atam a esta terra são tortas e mudas. Sempre sussurraram que eu nunca pertenceria ao jardim. Vivi me fazendo uma árvore robusta, cavando nutrientes, buscando água, ansiando flores. Nunca vieram. Agora percebo que fui moldado por ventos que não comando. Os galhos do destino se estendem em direções que não escolho.
Essas árvores áridas, que, enfim, aceitei que não posso fazê-las florir. Já me desgastei em tentativas vãs. Pois que permaneçam como queiram.
Mas, voltando ao que importa, após sentir o vento, vaguei. Não havia ninguém ao meu lado, apenas uma estrela que não me pertencia. Meu desejo maior era perder-me, fosse onde fosse. Na véspera, dancei com neblinas, bebi do esquecimento. Mas, ao regressar a mim, lá estava eu novamente. Nenhuma miragem apagou o brilho breve que me enganou. Hoje, não encontrei miragens, apenas reflexos trêmulos. E eu não queria reflexos. Queria tocar algo verdadeiro, escapar da ilusão, não apenas errar sem norte.
Poderia ter chamado um cometa errante. Tenho tantos… Mas nenhum disponível para mim naquele momento. Todos vagando por suas próprias órbitas. E não estão errados. Então percebi: teria mesmo que voltar para o meu rumo.
E, certo dia, inevitavelmente, cai dentro de mim. Uma epifania, vislumbrei meu avesso. Um cheiro terroso me envolveu, aroma de floresta viva. Formigas subiam por minhas pernas, suas trilhas metódicas ignorando meu caos. De repente eu aprendi a deixar morrer o que não mais servia, enquanto, em silêncio, regava os brotos do que eu ainda seria. E quando me ergui, não era mais o mesmo. Eu mesmo que me devolvi ao mundo, mas agora com suas marcas em mim: o odor de húmus, o ciclo das estações, a paciência das raízes.
Crescer é encerrar o dia consigo mesmo e mais ninguém. É domar os próprios sentimentos sem precisar fugir deles. Crescer é frio, exaustivo, quase uma punição.
Ou será essa apenas mais uma ilusão que criei para mim?
Talvez, no fim, só eu possa me salvar de mim mesmo. E, se nada mais restar, que ao menos eu seja solo fértil para aquilo que um dia há de florescer. Se o sol me fere e a noite me apaga, que eu aprenda a ser minha própria luz. Talvez crescer seja isso: carregar o peso das raízes sem deixar de olhar para o céu. Se as estações nunca me pertencerem, ao menos aprendi a escolher o outono dentro de mim. No fim, entre dores e flores, sou apenas um adolescente, uma semente, tentando brotar no solo que me coube.

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