Duas vezes atingidos: Com o descomissionamento da Barragem Doutor, escola pode fechar na Vila Antônio Pereira

Colégio Renascer foi fundado após a unidade II do Colégio Arquidiocesano encerrar as atividades em razão do rompimento da Barragem de Fundão.

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Vila Antônio Pereira sofre com a crise da Barragem Doutor - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O Colégio Renascer pode encerrar suas atividades caso não consiga alternativas de financiamento, essa foi a notícia dada a pais de alunos, alunos e professores no dia 20 de novembro. Caso se confirme o fechamento, será a segunda vez que uma barragem interrompe o funcionamento da escola.

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O descomissionamento da Barragem Doutor em Antônio Pereira e a remoção de moradores da Zona de Auto Salvamento (ZAS),  pode deixar a comunidade da Vila Samarco sem escola mais uma vez. O Colégio Renascer, fundado após o fechamento da unidade do Arquidiocesano na comunidade que por sua vez fechou em função da quebra do convênio entre a escola e a mineradora Samarco, já colocou todos os seus funcionários em aviso prévio. Caso não surjam alternativas até o próximo dia 18, as atividades serão encerradas.

A situação atual da escola, reflete a condição em que o distrito de Antônio Pereira e Vila Samarco se encontram desde o início do processo de descomissionamento da Barragem Doutor. Desde agosto, a Agência Primaz acompanha os desdobramentos da crise entre a Vale e os moradores: Insegurança, remoções, ameaça sobre patrimônios ambientais e arqueológicos, são alguns dos diversos problemas que a comunidade passou a enfrentar.

A situação de abandono da comunidade, trouxe incertezas para aqueles que precisaram ser retirados de suas casas e também àqueles que permanecem. A escola começou o ano de 2020 com 154 alunos e a lista de interessados em permanecer na instituição para o próximo ano é de 75 de acordo com o último levantamento realizado pela instituição.

A secretária escolar, Kerly Pettinati, explica que o principal motivo apresentado pelas famílias para a não renovação das matrículas são as remoções. Apesar da escola não estar localizada sobre uma ZAS, várias casas de alunos estavam nesses locais e com a mudança forçada de endereço para Mariana ou outras localidades, a escola ficou distante das novas moradias.

Além da distância, as famílias temem pela segurança dos filhos. A única rodovia de acesso à Vila Antônio Pereira é considerada muito insegura devido ao grande tráfego de ônibus e caminhões e além disso, boa parte do trecho da via está localizado sob uma ZAS.

Além de funcionária, Kerly tem dois filhos matriculados na escola e teme pelo futuro da comunidade. “Eu não estou perdendo só o meu emprego, eu estou perdendo também a escola dos meus filhos que eles estudam desde pequenos, minha casa que compramos e reformamos aos poucos e a gente não sabe se amanhã eles chegam aqui e falam que estamos na ZAS, então afeta todo o nosso sonho com essa incerteza”.

Cláudia Pinheiro, diretora da escola, explica que diante da grande perda de alunos, a única maneira de manter as atividades para o próximo ano seria através de convênio, “eu não vejo outra alternativa, como eu vou fazer uma campanha de matrícula? Eu não tenho onde buscar alunos novatos, se eu for fazer uma campanha de matrícula em Mariana, o que vão pensar da gente? Vão levar meus filhos daqui para um local onde estão retirando famílias?”, desabafa.

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A situação do colégio é crítica e o processo de descaracterização da barragem foi o que levou ao aprofundamento da crise. “Nós somos atingidos, mesmo a escola não estando na ZAS, os alunos foram embora, como podemos continuar o nosso trabalho? Os professores perguntam: Cláudia o que vai ser da gente? São 30 profissionais aqui dentro, onde eles vão arrumar emprego agora em uma situação dessas?”, questiona a diretora.

Kerly teme ainda pelo futuro da comunidade, “neste momento estão tirando tudo da gente, já tiraram o (clube) Frazão que a comunidade usava, de repente agora essa notícia da escola, amigos que moravam aqui faz tempo e estão deixando a comunidade, aí você questiona: O que eu estou fazendo aqui também? Nossos imóveis passam a não valer nada, quem vai querer vir para um lugar que não tem nada? Agora você só vê empreiteira aqui, a comunidade está triste e tem muita gente ficando doente com essa situação”.

O projeto de convênio capaz de dar uma sobrevida á escola já existe a mais de um ano. De acordo com Cláudia, desde agosto de 2019, quando a Barragem Doutor foi reclassificada, a escola passou a receber orientações e consultoria pedagógica da Vale, uma proposta de apadrinhamento de 75 alunos pela mineradora passou a ser estudada, e as bolsas seriam destinadas à população carente do distrito.

Ainda segundo a diretora, o projeto foi construído em conjunto com a mineradora, “eles sempre nos ajudaram a fazer com que o projeto ficasse no formato de projetos que a Vale já executa em outros locais. Eles deram esse suporte, mas quando foi em agosto desse ano eu comecei a cobrar deles que precisava de um retorno se ia ou não poder fazer esse projeto, mas não recebemos mais respostas”.

Uma comissão compareceu na última sexta (27) ao fórum de Ouro Preto para buscar ajuda junto ao Ministério Público, mas até o momento nenhum tipo de apoio foi oferecido pela promotoria.

Apesar de todas as dificuldades, a comunidade escolar mantém a esperança, eles acreditam  que a Vale ainda pode firmar a parceria com a escola. O prazo final é dia 18 de dezembro e funcionários, alunos, ex alunos, mães e pais começaram uma campanha online através da criação de vídeos e relatos com suas histórias com a intenção de sensibilizar as pessoas para os problemas da comunidade e buscar auxílio.

Relatos

A Agência Primaz conversou com pais de alunos que estudam atualmente no Colégio Renascer. Silvânia Mara Almeida Carmo, é mãe de João, de 10 anos. Silvânia relata que quando soube do possível encerramento das atividades ficou muito triste, pois já estava acostumada com a escola. Para ela é muito bom por ser próximo da sua atual residência. Ela nos conta que ficou sabendo do possível encerramento das atividades letivas através de uma reunião com a diretoria da escola. As suas alternativas a partir do ano que vem caso confirme o fechamento do colégio são escassas, pois ela possui deficiência física e segue cuidando de sua tia de 92 anos. “A escola perto pra mim ajuda no caso de uma emergência, precisando de uma necessidade a gente tem como fazer com que um fique em casa e outro leve para a escola”, explica Silvânia.

“Eu vejo que a escola tem um trabalho pedagógico muito bom. Elas trabalham muito bem. Meu filho está muito bem orientado, a educação dele está muito boa. Pra mim, na minha realidade, está muito difícil. Essa minha dificuldade é muito grande.”, finaliza Silvânia. 

Além desse possível fechamento da escola, Silvânia e a família correm o risco de ter que deixar a casa também.  A incerteza de Silvânia e seus familiares ocorre devido ao fato de morarem no meio da vila e até o momento a Vale não os procurou para a remoção da casa, mas há um comentário de que as pessoas de toda a Vila serão retiradas. O comentário que se refere Silvânia não vem diretamente da empresa, mas de diálogos e conversas. A família segue em sua residência aguardando orientações oficiais. 

Em caso de permanência na Vila Antônio Pereira, Silvânia terá que levar o filho para Mariana o que para ela é um transtorno, pois apenas o marido pode levar para outra cidade. Outro ponto importante levantado pela mãe é a segurança do filho que precisaria pegar estrada todos os dias. 

“Na minha opinião não deveria fechar porque a educação está perdendo muito com o fechamento da escola”, afirma Silvânia. Ela acredita que a melhor solução para resolver esse impasse seria seguir a lógica de que se Vale retirar todo mundo da Vila, ela deveria colocar a escola em outro local para que continuem dando continuidade ao trabalho.

Marina Martins também foi contatada pela Agência Primaz. Ela foi aluna do Colégio Arquidiocesano e hoje seu filho Miguel estuda no colégio. “Ficamos desesperados com a possibilidade de fechar. Como levar uma criança com 3 anos para estudar em Mariana todos os dias?”, relata Marina que mora na rua abaixo ao colégio. 

Marina afirma que ao receber a notícia do possível fechamento da escola ela perdeu o chão e não dormiu a noite direito, pois ficou imaginando o que faria caso viesse a fechar de fato. “Provavelmente nem colocaria ele na escola ano que vem, pois o risco de transito indo para Mariana todos os dias é muito alto”, diz Marina. 

A escola é uma das poucas instituições coletivas que restaram para a comunidade da Vila de Antônio Pereira e a tendência é a de que muitos pais possam ir embora por falta de uma escola na vila é grande. “Estamos vendo, aos poucos, a nossa comunidade acabar!”, desabafa a moradora. 

“Nem consigo imaginar que uma instituição com essa estrutura possa fechar, às vezes não damos valor quando temos, mas a facilidade e tranquilidade de levar meu filho aqui tão pertinho e deixar lá sabendo que está bem cuidado e que qualquer coisa estou aqui do lado. Como não levar em conta? Se vier a fechar nossa comunidade acaba. Já perdemos tanto. Com a saída dos vizinhos, a desvalorização das casas e agora nosso único colégio. Muito complicado”, relata Marina. 

A casa de Marina e sua família está fora da atual ZAS, mas ainda sim eles se  consideram atingidos pela barragem. Eles perderam vizinhos, estão com casas abandonadas, sofrem com o mercado reduzindo horário de atendimento e, por fim, o risco de fechamento da escola. 

“O silêncio da Vale diante de tudo isso é perturbador, não saber se a intenção dela é realmente o fim dessa comunidade ou se ela olhará por nós”, diz Marina. A família segue aguardando resposta da Vale quanto ao fechamento do Colégio Renascer. “Seria o justo pelo dano que nos trouxe. A Vale sendo a responsável por tudo isso, deveria ser realmente responsabilizada. Tanto pelas pessoas que foram removidas, quanto pelas pessoas que ficaram. Melhorias deveriam ser feitas na comunidade que já perdeu tanto, deveriam olhar pelo colégio e alunos, comerciantes e moradores. Quem ficou, ficou abandonado realmente”, finaliza Marina.

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Histórico

Antes de iniciar suas atividades como Colégio Renascer, o prédio acomodava o antigo Colégio Arquidiocesano – Unidade II desde 1999. A partir de uma parceria entre a Empresa Samarco e a Instituição de Ensino de Ouro Preto, a escola mantinha em média 350 alunos, entre eles filhos de funcionários e crianças da comunidade local. Eram oferecidas bolsas parciais e sociais para os jovens do Distrito de Antônio Pereira.

Devido ao rompimento da Barragem de Fundão em 2015, o convênio entre a empresa e o Colégio Arquidiocesano não foi renovado. Assim, a Fundação Marianense de Educação anunciou o fechamento da escola.

Com isso, em 2017, a Samarco Mineração ofereceu por 5 anos e com possibilidade de renovação o comodato do prédio e o Centro Educacional Renascer – Cônego Paulo Dilascio foi fundado. Mas diante da crise, o número de alunos foi reduzido e a demanda de bolsas para jovens em condições de vulnerabilidade social não pôde ser alcançada. 

Em 2019, a Agência Nacional de Mineração (ANM) reclassificou a Barragem da Mina Timbopeba, em Antônio Pereira, causando mais alterações nas atividades da escola que sofreu quedas após o anúncio da Vale do início do Plano de Descaracterização da Barragem de Doutor. Assim, o centro educacional perdeu 12 alunos de famílias que foram realocadas e que optaram por morar em Mariana e região. Além disso, o Colégio Renascer teve contratos de aluguel da Pirâmide cancelados, espaço que era locado para festas, treinamentos e outros eventos.

O Colégio Renascer iniciou o ano de 2020 com 154 alunos. De acordo com a diretora da escola, o espaço perdeu cerca de 50% dos alunos que tinha no início do ano e que essa situação da Barragem atingiu significativamente as atividades do centro educacional não possibilitando as condições necessárias para se manter aberto. Diante disso e se aproximando do processo de campanha de matrícula da escola, não restou opção e o Colégio Renascer pode ser fechado.

Procuramos a mineradora Vale e questionamos sobre as medidas que podem ser tomadas para evitar o fechamento da escola, uma vez que a comunidade entende que a instituição foi atingida pelo processo de descomissionamento da Barragem Doutor. Até o fechamento desta matéria não recebemos respostas, quando e se recebermos um posicionamento, ela será atualizada.

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