Janeiro branco?
In memoriam de Aliete/Eliete/Geralda
- Andreia Donadon Leal (*)
- 19/01/2021
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Missão impossível ter saúde mental neste século de múltiplas tarefas, notícias execráveis, pandemia, pandemônio, morte batendo à porta, morte por falta de oxigênio em UTI, toxicidade e violência nas vielas, competições entre desiguais, cizânias, justiça patinando em análises processuais, pessoas em processos de autoafirmação ou loucura. Preciso puxar meus freios/minhas rédeas, para não enlouquecer de estresse; morrer de enfarto, pânico, revolta ou depressão. Que minha mente possa equilibrar-se feito rodopio veloz e preciso de bailarina rodopiando na lua amarela. Trajo luto no peito dorido em tardes vazias na varanda de casa. Que mistério e força inominável trazem as brumas que engolem as nuvens algodoadas? Minha infância esvai-se na última batida do coração de mãe: cardiopatia! Sufoco meu egoísmo para vislumbrar mãe bater suas asas para o infinito, livre, solta, liberta. Que céu borrado recebe meus sonhos? O inconsciente emerge em pesadelos consecutivos, insônias e tristezas fartas. Minhas sessões de psicanálise e psiquiatria fazem-se necessárias. Limpo o cavalete jogado no terraço. Abro os potes de tintas ressecadas. Tela branca/vazia/ imaculada/mãos espalham gotas vermelhas, laranjas e verdes. Ninguém compreende minha pintura, aqui! Canto músicas da adolescência em sessões de musicoterapia. Freud sabia a imensidão da dor espiritual. Van Gogh desafogou suas tristezas em girassóis impressionistas. Os depressivos nunca foram loucos, só doentes, doentes e engravidados pelas noites insones, vendo o sol nascer, brotar, se esparramar pelo céu. Guardo no rosto expressões de tristeza, mas não sou profundamente triste. Há alegrias escondidas em mim, prestes a explodirem. Meu olhar traz profundezas oblíquas, desconfianças naturais, sombras e luzes. Tenho porte de amor à disposição para quem quiser. Para quem desejar, sou mel, sou fel… Disparo vocábulos, letras e orações, gotas suadas em liberdades de expressão. Dói-me, profundamente, criticar péssimos governos e governantes. Assassinaram Eliete/Aliete/Geralda e a jogaram num matagal em Santa Bárbara, MG. Não tenho palavras à altura para homenagear Eliete, rosa colhida, decepada brutalmente do canteiro. Nem Quintana, nem Cecília explicam o motivo dessa colheita de rosa! Meu Deus, que triste mundo é este? Lúcifer aparece todos os dias, possuindo seres desavisados, descuidados, doentes. Rezem, pelo amor à vida, para espantar o demônio do corpo! Tratem-se, pelo amor de Deus, para abrandar os males do corpo e os arroubos da alma. Justiça, ainda que tardia, seja feita. Será? Elietes/Alietes/Geraldas vivem no coração de todas as mulheres, vítimas de feminicídio ou desejosas de JUSTIÇA! Gira, Eliete/Aliete/Geralda, pelos céus azuis, claros; pelos canteiros de rosas vermelhas, laranjas, brancas… Cadê a esperança do nosso coração choroso? A poesia. Poesia é oração dos que amam. Poesia salva, aprumando filmes linguísticos para cantar versos de AMOR PULSANTE vinicianos: “amo-te tanto, meu amor… Amo-te como amigo e como amante / numa sempre diversa realidade… / Dentro da eternidade e a cada instante / Amo-te afim, de um canto amor prestante / E te amo além, presente na saudade. / Amo-te enfim, com grande liberdade / Dentro da eternidade e a cada instante…”
Som de sirene de ambulância se silencia nas brumas. Janeiro branco libertou mãe. Janeiro branco colheu, abruptamente, Elietes/Alietes/Geraldas; janeiro branco, motivo de Freud, Lacan, Melanie Klein, Nise. “Não se curem além da conta”, mas procurem equilíbrio entre corpo e alma. Não olhem demais pra trás, “quem olha para trás, fica”. Janeiro branco: POESIA VIVA. Janeiro branco: JUSTIÇA VIVA! Janeiro branco: oração em dobro. Janeiro: cuidado redobrado e isolamento. Janeiro branco: livrai-nos das doenças físicas, mentais e das do descaso, que deixa faltar oxigênio em UTIs…
(*) Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura pela UFV e autora de 16 livros; Membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Presidente da ALACIB-Mariana
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