Luiz Loureiro/Agência Primaz, com colaboração de Andreia Donadon Leal*
Em assembleia ocorrida na noite desta terça-feira (15), no auditório do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Ouro Preto (ICSA/UFOP), em Mariana, com a participação de uma centena de atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, foi discutida e repudiada a medida de troca da empresa contratada para o desenvolvimento das casas nos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.
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Convocada pela Comissão dos Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Fundão (CABF) a assembleia contou ainda com a participação de representantes do Ministério Público, da Fundação Renova e de profissionais da empresa J+T Projetos, que executa os projetos das casas e obras do reassentamento dos dois distritos devastados pela lama da barragem. Ao final da reunião os atingidos aprovaram proposta de manutenção da empresa e da equipe que atualmente desenvolve os projetos, estabelecendo prazo de 10 dias úteis para que a Fundação Renova dê uma resposta definitiva sobre esta reivindicação.
Entenda a situação
Com o rompimento da barragem de Fundão, estrutura construída para armazenar os rejeitos de minério da Samarco, ocorrida em 5 de novembro de 2015, causando 19 mortes e o maior desastre ambiental do país, as empresas Samarco, Vale e BHP Billington constituíram a Fundação Renova, com a finalidade de implementar e gerir os programas de reparação de todo o território e população impactada. Entre seus programas está o reassentamento das comunidades atingidas, anteriormente residentes nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. Para isso a Renova contrata empresas prestadoras de serviços, entre elas a J+T Projetos, sociedade entre a Julião Arquitetos e a Tecservice Engenharia e Consultoria, especialmente “criada para desenvolver os projetos de arquitetura, urbanismo e engenharia dos reassentamentos das comunidades atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG)”, como apresentado na rede social de negócios LinkedIn.
A Agência Primaz apurou que o contrato da J+T Projetos, assinado há dois anos, tem vencimento previsto para o final deste mês, e que a empresa Tracbel já foi contratada para continuidade dos trabalhos, já bastante atrasados mas que deveriam redundar na entrega dos reassentamentos em agosto de 2020. Os projetos desenvolvidos pelos arquitetos junto aos atingidos precisam passar pelo crivo da Secretaria de Obras da Prefeitura de Mariana antes de receber o alvará de construção. Segundo informações obtidas na Prefeitura, em relação ao reassentamento de Bento Rodrigues, até o momento 100 projetos foram protocolados e analisados, tendo sido emitidos 18 alvarás de construção, além de 12 licenças de construção para muros de arrimo e/ou contenções. Dos projetos analisados, 55 foram devolvidos à empresa responsável pela elaboração para correções, dos quais 16 foram devolvidos. Um conjunto de 15 projetos está em fase final de aprovação e 8 autorizações de construção de muros de arrimo/contenções devem ser emitidas nos próximos dias.
“Não identificamos qualquer protocolo de projetos relacionados a esse reassentamento”, informou a Prefeitura em relação a Paracatu de Baixo.
No dia 29 de julho, em solenidade realizada na localidade denominada “Lavoura”, onde está sendo implantado o reassentamento de Bento Rodrigues, foi iniciada a efetiva construção das casas, com direito a assentamento simbólico de tijolos da casa do senhor Hedine José da Silva, a primeira a ser construída.
Posicionamento da Fundação Renova
Em nota enviada à Agência Primaz e outros órgãos locais de comunicação, a Fundação Renova “reafirma seu compromisso de entrega dos reassentamentos”, e informa que antecipou, no dia 13 de agosto, em reunião com a Comissão de Atingidos, sua intenção de contratar “mais uma empresa para elaboração dos projetos conceituais das casas das famílias dos reassentamentos, de modo a reforçar as equipes já mobilizadas para tal finalidade”.
Ressalta ainda a nota (leia a íntegra no final desta matéria) que o procedimento tem o objetivo de aumentar o número de projetos desenvolvidos simultaneamente, visando ao atendimento dos prazos combinados entre a Renova, a Comissão de Atingidos e a Assessoria Técnica. “(…) informamos que há uma negociação contratual em curso para finalização da etapa de elaboração de projetos conceituais das casas, escopo do seu contrato vigente. Tais tratativas seguem o fluxo de negociações comerciais previsto nos procedimentos da Fundação Renova, assim como aplicado a todo prestador de serviço que colabora com o processo de reparação”, finaliza o comunicado, referindo-se a empresa J+T Projetos, sem fazer menção ao prazo dado pelos atingidos para reavaliação da medida.
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Contestações da Comissão de Atingidos e do Ministério Público
“É a mesma coisa de um médico fazer uma operação
e vir um outro para fazer o acompanhamento da recuperação
do paciente” (Mauro Silva, integrante do Comissão de Atingidos)
Em contato com a Agência Primaz, Mauro Silva, integrante da Comissão de Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Fundão, rebate os argumentos da Renova, alegando ser fundamental a manutenção dos profissionais que iniciaram trabalho, uma vez que foi criado um laço de proximidade destes com os atingidos, facilitando muito as etapas de compreensão das necessidades para elaboração dos projetos e de suas eventuais correções e adaptações. Defendendo que o trabalho de um arquiteto não se encerra na finalização do projeto arquitetônico e deve continuar no processo de acompanhamento da obra, ele usa como exemplo o exercício da medicina. “É a mesma coisa de um médico fazer uma operação e vir um outro para fazer o acompanhamento da recuperação do paciente”, compara Mauro Silva. Ele afirma, ainda, que a comunicação da Renova não havia deixado clara a intenção de encerrar o contrato da J+T Projetos e sim aumentar a capacidade de produção, em virtude do início dos trabalhos do reassentamento de Paracatu de Baixo, que encontra-se em fase mais atrasada que o de Bento Rodrigues, sendo ainda executados os serviços de terraplanagem. Mauro diz que, por fontes não oficiais, ficou sabendo de um aditivo que teria sido assinado com a empresa atual, até 21 de janeiro do próximo ano, mas com pessoal reduzido e para finalização de alguns dos projetos ainda em andamento.
O Promotor de Justiça Guilherme Meneghin informou à Agência Primaz que a notícia da mudança da empresa chegou a ele apenas por intermédio da Comissão de Atingidos, sem comunicação oficial por parte das empresas ou da Fundação Renova e que considera não haver razões claras para a medida adotada. “Muitas das coisas que as empresas e a Fundação Renova fazem não tem uma justificativa. Eles simplesmente tomam uma decisão e não apresentam argumentos, elementos ou provas a respeito daquilo”, declarou o promotor, acrescentando que as respostas apresentadas na assembleia do dia 15 foram vagas e imprecisas.
“Eu vejo [a medida] como descumprimento do respeito aos atingidos, causando mais uma aflição à comunidade, e também à clausula que exige participação dos atingidos em qualquer tomada de posição a respeito do processo de reassentamento”, acusa Guilherme Meneghin, considerando que o trabalho dos profissionais da J+T Projetos têm sido satisfatório, e que uma mudança da equipe de arquitetos pode prejudicar sim o cronograma acertado para a conclusão dos reassentamentos. Ele ressalta também a violação do princípio da isonomia, ao privar os atingidos que ainda não tiveram seus projetos elaborados por profissionais que estão fazendo um bom trabalho. “Quanto a eventuais medidas, não é possível aqui adiantar. Nós estamos analisando essa questão e, após a resposta da Renova, que tem aí 10 dias para se manifestar, é que nós vamos avaliar se é cabível ou não alguma providência por parte do Ministério Público”, finalizou o promotor.
Íntegra da nota da Fundação Renova
“A Fundação Renova reafirma seu compromisso com a entrega dos reassentamentos. Para tanto, tem ampliado as contratações de empresas que possam garantir o cumprimento do cronograma proposto, as quais atuam conjuntamente e em parceria com as equipes técnicas da Fundação.
É nesse contexto que a Fundação Renova, antecipadamente, realizou em 13/08/2019, reunião com os representantes das Comissões de Atingidos de Paracatu de Baixo e de Bento Rodrigues para prestar esclarecimentos sobre a contratação de mais uma empresa para elaboração dos projetos conceituais das casas das famílias dos reassentamentos, de modo a reforçar as equipes já mobilizadas para tal finalidade.
Esclarece, assim como informado na referida reunião e, novamente, no encontro realizado no dia 15/10 com as comunidades de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo, que tal procedimento visa tão somente ampliar a capacidade de elaboração de projetos simultaneamente e prezar pelo atendimento dos prazos, mediante manutenção da mesma metodologia acordada entre Fundação Renova, Comissões de Atingidos e Assessoria Técnica.
O procedimento proposto pela Fundação garante celeridade ao processo e possibilita que haja profissionais capacitados e recursos suficientes e variados para atuar na elaboração dos projetos, respeitando-se a metodologia determinada e principalmente o respeito às famílias dos reassentamentos.
No que se refere à empresa citada, informamos que há uma negociação contratual em curso para finalização da etapa de elaboração de projetos conceituais das casas, escopo do seu contrato vigente. Tais tratativas seguem o fluxo de negociações comerciais previsto nos procedimentos da Fundação Renova, assim como aplicado a todo prestador de serviço que colabora com o processo de reparação”.
Andreia Donadon Leal é escritora, artista do movimento Aldravista e colaboradora/colunista da Agência Primaz