Lupin e O Tigre Branco, sucessos da Netflix que conseguem dialogar entre si

Minissérie francesa e longa indiano estão na lista de Top 10 da Netflix e, de certa forma, possuem uma certa linha que se assemelham. A começar por não serem obras diretas de Hollywood.

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Divulgação das séries Lupin e Tigre Branco

Ouça o áudio de "Lupin e O Tigre Branco, sucessos da Netflix que conseguem dialogar entre si ", de Kael Ladislau

Estamos acostumados a consumir muito do que os Estados Unidos produzem na indústria cinematográfica.

Quando nos deparamos com obras como o premiadíssimo “Parasita”, filme sul-coreano que levou o Oscar de melhor filme em 2020, o primeiro de língua não inglesa a ser consagrado pela academia, nos deparamos com histórias incríveis, de uma realidade que pouco vemos nas telas como filme.

Agora, a Netflix tem seus primeiros fenômenos de 2021 justamente fora desse circuito americano: a minissérie francesa Lupin e o longa indiano O Tigre Branco.

A minissérie já é de fato o primeiro grande fenômeno do streaming neste ano. A empresa anunciou que a série francesa será vista em 70 milhões de lares ao redor do mundo antes de se completarem 28 dias de sua estreia, que foi no último dia 8 de janeiro. O Gambito da Rainha, grande sucesso de 2020, atingiu 62 milhões no mesmo período!

Inspirada nos contos do personagem francês Arsène Lupin, de Maurice Leblanc, a série nos apresenta Assane Diop, vivido por Omar Sy do clássico francês “Intocáveis”. Assane está em busca de vingança por seu pai, que foi acusado de roubar um precioso colar de posse de seus poderosos patrões.

Para isso, Diop utiliza das artimanhas que aprendeu lendo os famosos livros do “Ladrão de Casaca”, que dá nome à série. É a partir daí que os espectadores se vislumbram com uma história levada pelo carisma de Omar e os diversos truques de disfarces do seu personagem.

São 5 episódios dessa primeira parte – a segunda já foi anunciada para ainda esse ano. Os mistérios que envolvem o caso de roubo, emoldurado por perseguições, fugas e muitos disfarces de Diop, prendem a atenção do telespectador.

Ainda que algumas ações não sejam tão reais. O que acaba sendo uma “licença poética” para uma história que se vale pelo seu teor misterioso e como ela traz para o público em geral um personagem que não é tão famoso assim no mundo, mas tem um público fiel na França, no caso o Lupin da obra de Labranc.

A abordagem da vida de Assane é envolvente, mostrando sua relação com o filho e a mãe dele, alguns amigos e personagens ocasionais que tentam ajudar a incriminar os verdadeiros ladrões do colar que seu pai foi acusado de roubar.

Em alguns momentos, a série lembra a novelesca La Casa de Papel, outro fenômeno da Netflix e de nacionalidade distante de Hollywood, a espanhola. Diferente, porém, a série francesa permite nos aprofundarmos na história do protagonista de uma forma mais pé no chão, mesmo que, vez ou outra, se utilize de recursos bem exagerados, como uma simulação de enforcamento pouco provável.

Lupin, de uma forma muito sutil, ainda nos traz à tona a realidade dos imigrantes africanos na França. Sem ser panfletário, a série mostra como é “fácil” para um negro se disfarçar quando na verdade as pessoas do país não notam muito os imigrantes.

Nem tão sutil assim é O Tigre Branco. Por sua vez, o longa, que acabou de estrear na Netflix e já está há alguns dias nos Top 10 do site, conta a história de ascensão social de Balran. O personagem é das castas mais baixas do país e mesmo mostrando ser bem inteligente na infância, não tem muitas possibilidades de crescer na vida graças à estrutura social da Índia.

Mas ele não desiste e se torna motorista de uma importante família da cidade de Laxmangarh. Quem assiste já conhece o final de Balran porque o filme começa já com o personagem bem de vida. E ganha mais a atenção quando nos revela, ainda no início, um evento que acontecerá pelo meio da obra.

Por isso, quase todo em flashback, o filme repassa por momentos em que Balran supera as dificuldades em seu vilarejo até descobrir a cruel vida que levam os empregados de castas baixas trabalhando para as poderosas famílias da Índia.

O Tigre Branco é uma impressionante história que em alguns momentos lembram outros filmes como Quem Quer Ser um Milionário? e até mesmo Parasita, com algumas rimas de roteiro – como o fato de Balran ser um motorista menosprezado pelos patrões que quer subir na vida.

Uma realidade da Índia que nem sempre é representada pela indústria cinematográfica, quando não, pelas já famosas obras de Bollywood, como é chamado a indústria de cinema da Índia.

A jornada de Balran não é das mais louváveis – pra não dizer NADA louvável – mas, a sua luta e seu instinto de sobrevivência, traz ao espectador aquela torcida mesmo que não merecida por conta dos atos que o personagem acaba cometendo ao longo do filme.

Ainda assim, choca ver uma história provável de alguém que quer subir na vida, mesmo que a vida – no caso, a sociedade mesmo – não dê qualquer chance para isso. Portanto, é preciso se virar.

De formas bem diferentes, Lupin e o Tigre Branco se assemelham ao passar uma imagem de lugares do globo que nem sempre estão no mundo do cinema. Mais que isso, pessoas que talvez não sejam retratadas nesse universo.

Por mais que Lupin seja uma obra que muito lembra as aventuras de Sherlock Holmes – uma comparação quase que inevitável, inclusive – mostra um lado pouco debatido de uma França extremamente diversa em sua sociedade. Sem ser panfletária, reforçando.

E o Tigre Branco, por sua vez, relembra que nem tudo é Gandhi na Índia. Se Quem Quer Ser Um Milionário? – outra comparação quase que necessária – mostra uma improvável e empolgante ascensão social, o novo sucesso da Netflix mostra isso de maneira mais crua e mais terrível.

Dois sucessos que, coincidências ou não, estão disponíveis na Netflix, tendo cada um o seu sucesso e que devem gerar mais debates ao longo desse início de ano. E você pode assisti-los agora mesmo!

Picture of Kael Ladislau
Kael Ladislau é Jornalista graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).