A impossibilidade do novo normal

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Antes de 2020, o sarcasmo de um negacionista poderia parecer apenas deboche. Quem levaria a sério a teoria da Terra plana em pleno século XXI? Sabe-se lá! Talvez, estejamos, muitos de nós, em sono profundo como personagens dos contos de fadas, enquanto a História se desfaz, apagando páginas seculares. Quem poderá negar? É bem possível que, debaixo de uma macieira, Newton tenha enlouquecido. Furioso após a queda da maçã, seguiu em desvario, publicando fake news. Quem poderá provar o contrário? Ainda chegamos à praia e vemos o horizonte nos convidando para o fim do mundo. Não há curvas no mar. Tudo some depois que os olhos já não alcançam o que gostaríamos de ver. E assim nos limitamos a ver, pois, o que queremos. Não todos, mas muitos de nós.

O mundo não acabou como tantos esperavam. Virou o século e duas décadas já se findaram. Jaz em uma lápide qualquer o choro apocalíptico. Mas, não podemos nos enganar, porque há várias formas de forjar uma tragédia. Quem acredita em castigos sem razão aparente, é bem provável que tenha se esquecido do ditado popular: “A gente colhe o que planta.” Mas, é mais fácil empurrar responsabilidades individuais ao outro do que assumir o feito. Assim, uma vez negligenciadas, resvalam seus efeitos ao coletivo. Nesse sentido, não há problema algum no caso específico do novo coronavírus, porque, se houve algum tipo de conspiração, não temos nada a ver com essa história, ou melhor, estória. São tantos dias de quarentena, que tudo pode parecer apenas uma narrativa mal contada, engendrada mesmo para enlouquecer até o mais cético de todos. No entanto, mesmo acreditando no que melhor lhe convier, o fato é que a colheita não tem sido das melhores.

Há esforços para mil teorias. Contudo, para o uso da bendita máscara e apoio à vacina não parece haver consenso. Ignoram o óbvio. Em determinadas situações, há quem saia de casa pronto para montar o seu palanque. Pobre da triste plateia, que, entre esbarrões e cusparadas, reserva, sem querer, seu último paletó, o de madeira. Ao completar um ano de pandemia, o país, depois de ver Manaus agonizar mais uma vez, assiste ao crescente número de mortos dia a dia. Porém, seguindo a teoria da conspiração, é possível que os números não sejam fidedignos. Impossível uma gripe fazer um estrago tão grande assim. Melhor aceitar o novo normal. Por que não romantizar uma realidade absurdamente assustadora? Pobreza sempre existiu. O país nunca deixou de ser desigual e automedicação já é legado cultural faz tempo. E, claro, se muitas pessoas adoecem, algumas morrerão. Não é preciso tanto alarde para as aglomerações. Fique em casa quem quiser. E nessa onda de cada um fazer o que bem entende, adoecemos gravemente o país. Salve-se quem puder! Mas para onde fugir? Não há conspiração pior do que aquela infligida a nós mesmos. De tanto nos ocupar com o absurdo, depois da perda da lucidez, chorar sobre o leite derramado será, no mínimo, inútil.

Se podemos considerar, de algum modo, que ainda estamos no início de um novo século, e diante de uma nova realidade a qual temos de nos adaptar, que seja já uma mudança de hábitos diários de higiene, como andar com um vidrinho de álcool em gel, na bolsa ou na mochila, por exemplo. Isso é justificado e aponta para uma nova realidade. Por outro lado, forjar uma nova revolta da vacina não pode ser uma ação entendida como escolha ou sarcasmo. É atitude que ultrapassa o limite do bom senso e da tolerância de quem leva a foice separando o joio do trigo.

(*) Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana

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