Como os homens podem apoiar a pauta de igualdade das mulheres
- Kelson Douglas (*)
- 08/03/2021
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”
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Quem colocava na cama era a mamãe. A macarronada de domingo era na casa da vovó e não do vovô. “Somos uma geração de homens criados por mulheres”, é o que resume o protagonista de “Clube da Luta”, um clássico cult muito mal interpretado pelos machões barbados fazedores de cerveja artesanal.
A ironia da história é que mesmo com a maioria das pessoas sendo criadas por mulheres há várias gerações (tendo ou não as figuras masculinas em casa), nossa sociedade continua não entendendo o peso disso.
No Brasil, 13 mulheres são assassinadas por dia, vítimas de feminicídio, segundo os dados de 2018 do Mapa da Violência. Um número que cresceu ainda mais com a pandemia. Além disso, mesmo com metade dos lares brasileiros sendo sustentados por mulheres, elas são as que ganham menos nos trabalhos, mesmo quando exercem as mesmas funções que nós, homens.
Com tudo isso em mente e o acaso da minha coluna aqui da Agência Primaz ter caído justamente no dia 8 de março, resolvi aproveitar o espaço para mostrar alguns caminhos por onde os homens podem colaborar com a pauta de igualdade das mulheres, que é o que de fato motivou a existência desta data ao redor do mundo.
Reconheça a desigualdade
O primeiro passo precisa ser reconhecer que existe uma desigualdade de gênero na sociedade em que vivemos.
As mulheres, hoje, precisam trabalhar 91 dias a mais por ano se quiserem ganhar o mesmo que os homens. E isso com o detalhe de que elas trabalham em média 7,5 horas a mais todos os dias por conta das famosas jornadas duplas, que não raro envolvem tarefas domésticas não remuneradas.
Só que toda essa desigualdade não fica apenas no campo da economia.
Na pesquisa Tolerância social à violência contra as mulheres, realizada pelo IPEA em 2014, 33,3% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que “Casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família“. Ou seja: 1 em cada 3 pessoas acredita que a violência doméstica não deve ser levada às autoridades.
Para a afirmação de que “A questão da violência contra as mulheres recebe mais importância do que merece“, cerca de 25% dos entrevistaram concordaram, enquanto para “A mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tem vontade” o índice foi de 14%.
Entender que tudo o que foi colocado aqui são dados de pesquisas e levantamentos oficiais e não informações retiradas aleatoriamente da cabeça de alguém, precisa ser o primeiro passo para que homens, ou mulheres que não reconhecem a desigualdade de gênero, comecem a pensar melhor a respeito do assunto.
Se nada disso combina com o cenário que você cresceu vendo na casa de amigos ou na sua, você é uma pessoa privilegiada ou iludida.
Identifique os problemas estruturais do dia a dia
Depois de reconhecer que, sim, existe uma grande desigualdade de gênero em nossa sociedade, é importante começar a identificar os problemas estruturais do dia a dia que fazem com que essa desigualdade se mantenha. E aqui o olhar precisa começar a ficar mais atento.
Um começo é conferir se os filmes e séries que você assiste passariam no Teste de Bechdel. Esse é um teste simples que avalia se um filme faz bom uso de personagens femininas. Nele, a trama precisa cumprir três regras: ter duas personagens com nome; ao menos uma cena em que conversam entre si; e o papo não pode ser sobre homem.
As personagens que você gosta na cultura pop são do tipo Manic Pixie Dream Girl, com manias estranhas, gostos muito excêntricos, personalidade aparentemente forte e que na história servem apenas para que o protagonista (homem) possa evoluir como personagem?
Entender os problemas do que é vendido para a gente no mercado do entretenimento é um bom passo para saber identificar como a desigualdade se mantém na sociedade.
Fique de olho também se você é do tipo que diz que vai “ajudar a mulher em casa” ao invés de entender que o certo é ter uma divisão clara e justa de tarefas.
Entenda mais sobre a pauta de igualdade
Nada de cor de rosa e florzinha. O dia 8 de março não tem nada a ver com essa estética de feminilidade imposta pelo mercado e o patriarcado.
Marcado na história por causa de um incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York em 1911, quando cerca de 130 operárias morreram carbonizadas, o dia das mulheres já era relacionado há anos com uma pauta de luta por direitos iguais entre trabalhadores e trabalhadoras.
Antes disso, o primeiro Dia Nacional da Mulher foi celebrado em maio de 1908 nos Estados Unidos, quando cerca de 1500 mulheres aderiram a uma manifestação em prol da igualdade econômica e política no país. No ano seguinte, o Partido Socialista dos EUA oficializou a data como sendo 28 de fevereiro, com um protesto que reuniu mais de 3 mil pessoas no centro de Nova York e culminou, em novembro de 1909, em uma longa greve têxtil que fechou quase 500 fábricas americanas.
Com tudo isso em mente, talvez um outro excelente passo seja entender melhor a história por trás do dia 8 de março e da luta de igualdade das mulheres.
Se quiser ir mais a fundo, indico o excelente O Calibã e a bruxa, da italiana Silvia Federici, onde podemos ver, com dados históricos, de onde começou toda a construção dessa desigualdade através de uma aliança entre os representantes feudais do capital e a igreja.
Entendendo mais profundamente toda a luta das mulheres, será impossível continuar rindo daqueles comentários machistas dos amigos que adoram dar respostas com “nem todo homem”.
Comece a fazer a diferença
Ao compreender melhor o que está de fato por trás da pauta de igualdade de gênero e porque ela é tão importante, podemos, de verdade, apoiar a luta das mulheres por espaços e salários iguais. Veremos, até mesmo, como é ridícula a tentativa de criar um Dia do Homem, tão falso e sem sentido quanto uma promessa do atual presidente.
Por isso, no dia das mulheres, não dê promessas e agrados vazios, dê posicionamento. Comece a fazer a diferença.
Porém, saiba o seguinte: assim como em Clube da Luta, aqui a luta não é apenas contra o machismo nosso de cada dia, a luta é contra um sistema que precisa ser derrubado, e se você não estiver vendo isso como sendo o maior problema, talvez o seu mundo ainda esteja florido demais.
(*) Kelson Douglas é Diretor criativo da I Love Pixel, fundador do Valin, o vale de inovação de Mariana e Ouro Preto, embaixador do Montreal International e líder local do Startup Weekend e da IxDA, a associação mundial de design de interação.
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