Cartas pra mãe – O presidente comemorou o aniversário

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Mãe,

O presidente comemorou o aniversário. Não sei se teve bolo, champanhe ou cloroquina. Não sei se teve abraço, cuspe e planos tortos. Se teve laranja, tiro ou leite condensado.

O que sei, Mãe, é que o presidente comemorou o aniversário. Enquanto o país agoniza. Enquanto o mundo repara, com medo, as notícias daqui. Enquanto seguimos atônitos, apavorados. Ele ri, debocha, imita, mente.

Não é incompetência. Não é (só) burrice. Não é preguiça. É um descaso como antes não se viu. Uma crueldade de quem poderia fazer e não faz. Um lavar de mãos de encher os olhos das figuras mais nefastas da história. Um cinismo que dói.

Mas, Mãe, não podemos falar nada disso: fica aqui, entre nós. Não podemos dizer que o presidente é genocida. Não podemos denunciar o oxigênio e as vacinas que não comprou. Não podemos sequer criticar os remédios que mais matam que curam.

Anote aí, Mãe: não comente com ninguém. Não fale com os vizinhos que o presidente é o culpado. Xingue seus alunos se eles falarem mal do 17. Tape a boca com força cada vez que der vontade de gritar que a culpa é dele.

Não diga que estamos à própria sorte. Que somos cada vez mais pobres. Que, a cada dia, estamos mais sós. Não fale dos adeus: é preciso parar com esse “mimimi”. Vamos “chorar até quando”, não é? Não fale das filas nos hospitais. No medo nos ônibus lotados. Na espera por um auxílio que não vem.

Não denuncie, de jeito nenhum, que a pandemia, no Brasil, é um genocídio.

O presidente comemorou o aniversário, Mãe. Não sei se teve parabéns, arminha com a mão, votos de (má) fé. Não sei se teve brigadeiro, flexão de pescoço, corrida de atleta. O que sei, Mãe, é que a volta do mundo é grande e os falsos messias sempre mostram quem são.

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense.

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