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Hoje é sábado, 23 de novembro de 2024

Cartas pra mãe – Somos nós por nós

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A senhora se lembra quando era bonito ser gentil? Ter educação. Querer bem. Chorar com o outro suas dores. Ou saber calar quando a dor do outro não doía na gente.

De repente (aliás, não tão de repente assim), o sarcasmo virou moda. Parece que alimentar o pior que há em nós se transformou em regra.

Cuidar da maldade, do egoísmo e do desprezo a pão de ló até que eles cresçam e engulam o fiozinho de luz que habita em todo ser.

Alimentar tudo isso até que aquela risada cruel e nojenta ecoe forte, fazendo doer os ouvidos de quem ouse escutar. Tampando o grito de quem se arrisca a gritar.

Por que eu estou dizendo tudo isso, Mãe? Há alguns dias, uma foto oficial do governo mostrou o presidente e seus abutres segurando uma placa de “CPF cancelado”. Entre sorrisos e apertos de quem lava as mãos. E festeja.

Eles reduzem todas as histórias, sonhos e rostos a uma combinação de números. A transações financeiras. A gastos fiscais. Eles são frios, Mãe. Eles são maus.

Assistir a uma cena assim de qualquer pessoa já seria horrível. Mas eles são aqueles que decidem. São quem (des)governa. São aqueles que poderiam fazer algo e fazem: pioram o horror, elevam o que já é tão doído.

Eles escolheram o desamparo, podendo amparar. Escolheram a doença, podendo curar. Escolheram o caos. O caos que os alimenta e abafa.  O plano vil para entrar na história a todo custo. Do pior jeito.

Mais de 400 mil CPFs cancelados, eles dizem. Nem sequer ousam pronunciar a palavra “vida”. São vidas interrompidas. São traumas para quem ficou. São saudade e ausência. Eles preferem dizer “CPFs”.

Então, Mãe, a senhora se lembra de quando era bonito querer bem? Se importar? Agora não é bonito, é urgente. Em um emaranhado de fios, somos nós por nós.

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Jamylle Mol é jornalista e marianense
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