Notícias de Mariana, Ouro Preto e região

Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Documentários na Netflix: o real que a ficção não consegue representar

Nem tudo é fantasia no catálogo da Netflix. A vida real também é bem representada e possui ótimas obras que te ensinarão e inspirarão.

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Compartilhe:

Documentários na Netflix: real e ficção

Ouça o áudio de "Documentários na Netflix: o real que a ficção não consegue representar", de Kael Ladislau

Filmes baseados em fatos reais existem ao monte. A pegada documental deles pode até ser crível, mas ainda assim tratam-se de ficção. Os documentários, esses sim, trazem histórias e personagens reais para uma obra.

E ainda que pensemos no catálogo na Netflix como um bom repertório (que é) de filmes (ou seja, ficção), há bom leque também de documentários. Eles trazem uma parte da realidade para nossas vidas, com depoimentos e amostras de imagens históricas de determinados eventos.

Alguns deles mostram o dia a dia de uma pessoa, geralmente de algum apelo popular ou a interação de uma pessoa com coisas da vida, ajudando a inspirar o espectador. É muito comum assistirmos obras experimentais de autores que tentam mostrar o mais perto possível a realidade ao seu redor.

Há infinidade de possibilidades desse tipo cinematográfico. E a Netflix te disponibiliza bons exemplos. Há alguns meses, ficou em alta o documentário Dilema das Redes, mostrando depoimentos de pessoas que ajudaram os mecanismos das mídias sociais a funcionar.

Essa coluna falou sobre ele na época e acredita que a vastidão de documentários disponíveis na Netflix vale mais atenção. E para suprir a falta de críticas por aqui de obras documentais, leia agora sobre três que, de alguma forma, podem te ajudar a ver a vida, o passado, o presente e o futuro – por que não? – de outro jeito.

Professor Polvo

O que você imagina que um polvo pode ensinar a um ser humano? Se não faz ideia do que, talvez esse documentário, que levou o Oscar esse ano na categoria, te ajude a achar respostas.

No extremo sul da África, o cineasta Craig Foster consegue fazer amizade com um polvo. A incomum relação acontece graças a um exercício de imersão do homem com o seu próprio momento. A imersão é literal quando ele resolve desbravar o mar raso da África do Sul e percebe que uma criatura estranha pode ajudar a entender mais sobre a sua vida observando a natureza exótica marítima.

Ainda que seja um documentário, é de se notar alguns flertes com a ficção principalmente com a estrutura do roteiro, que, claro, não compromete – pelo menos aparentemente – a veracidade da obra.

A narrativa começa com a descoberta, indo pela exploração, passando pelo clímax e para chegar a um desfecho dessa relação tal como podemos ver em várias outras histórias ficcionais, sobretudo aquelas que lidam com amizades.

Aqui, o ponto mais forte é a incomum relação do homem com o estranho animal. Tudo é explorado pelo homem para descobrir as nuances da vida do Polvo no fundo do mar: sua locomoção, a caçada pela alimentação, a fuga dos predadores e a sua incrível capacidade de camuflar.

As belas imagens do fundo do mar ajudam a emoldurar essa delicada história e uma narrativa muito bem estruturada que faz o espectador sentir menos estranheza com a incomum história.

Crip Camp: a revolução da inclusão

Aqui, temos um tipo mais convencional de documentário. Mas não menos impactante. Essa obra tem o poder de revisitar a história: apresentar fatos poucos explorados para ajudar a contar o momento presente. O agora.

Crip Camp traz imagens de acervo histórico de um acampamento da época do Woodstock. Você pode pensar que seria, então, algo meio hippie, pessoas querendo a paz, o amor e o fim da Guerra do Vietnã.

Não estaria totalmente errado, mas talvez não poderia saber que se trata de um acampamento para pessoas com deficiências. Das mais diversas.

Em plena década de 60, jovens deficientes encontravam no acampamento Janed o lugar ideal para serem o que elas realmente gostariam de ser. Não presas às suas “limitações” motoras, mas livres de julgamentos, cuidados exagerados que os sufocavam e pudessem celebrar, da sua forma, a vida.

Mas, o documentário não trata de mostrar como era a vida dessas pessoas no acampamento. Jim LeBranch, um dos personagens (reais) de Crip Camp, diz que o acampamento mudou o mundo e ninguém conhece a história.

Isso porque daquele acampamento saíram cabeças importantes que estariam por trás de profundas mudanças no sistema de saúde dos EUA. Judy Heumann, à época uma jovem que foi vítima da pólio, liderou um movimento em San Francisco pelos direitos iguais de todos os cidadãos, mesmo aqueles com deficiência.

Não é só, portanto, um apanhado de imagens históricas de um acampamento inspirado no Woodstock ocupado com pessoas que, fora deles, eram mais aprisionadas pelos seus próximos do que por suas cadeiras de rodas. Não. É sim um entendimento completo de como essas pessoas conseguem se articular e se movimentar em prol delas próprias. Vale muito a pena conhecer!

Emicida: AmarElo – É tudo pra ontem

Já o documentário brasileiro tem um pouco dos dois últimos listados. Isso porque o rapper Emicida conta a história por trás da criação do seu álbum AmarElo, que é um processo de observação, entendimento da natureza a sua volta e respeito por tudo o que os elementos que o compõem precisam.

E ele faz isso resgatando a história. Uma história que muitos poucos conhecem. A história do povo negro, a história do Brasil.

Falar que AmarElo é apenas mais um documentário não é o suficiente para mostrar a grandeza da obra. É uma aula de história, de criação de roteiro, de debate filosófico, social e, claro, artístico.

A obra de Emicida perpassa o momento agora. Ele costumeiramente volta do antes para explicar todos os significados da sua obra, que é ilustrada – de maneira real – em um show no Theatro Municipal de São Paulo.

A ocupação desse lugar tem uma lógica. As pessoas convidadas para fazer parte desse show tem uma lógica. As pessoas sentadas nas cadeiras para assistir a esse show tem uma lógica.

E tudo é muito bem explicado, detalhado e ilustrado no documentário. Ele não é só musical, ele é vivido pelo protagonista, Emicida, que nada mais é do que um “mestre de cerimônias” que nos mostra não a sua história, mas a história que o Brasil parece querer esquecer. Ou parece não se importar.

AmarElo é arte em sua forma mais pura. É um documentário que poderia ser rotulado em qualquer embalagem, mas é uma obra talvez única e incrível. Você pode não querer ser fã de rap e ainda assim entender esse movimento – por mais que esse estilo seja, apenas, uma pecinha nesse gigantesco mundo de AmarElo.

Picture of Kael Ladislau
Kael Ladislau é Jornalista graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Veja mais publicações de Kael Ladislau