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Hoje é sábado, 23 de novembro de 2024

Cartas pra mãe – A voz que teima

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Mãe,

A senhora cresceu escutando que o Lula era a ameaça comunista, não foi? Era época da dita cuja, da “noite que durou 21 anos”: a ditadura militar.

Lula era do tipo que sequestra criancinhas, que saqueia a poupança da gente de bem. Era a antimoral. A barba grande (que então não era moda), a voz rouca, o jeito rebelde de falar, o sotaque, a coragem de quem não aceita o seu lugar.

Por essas e tantas outras, te diziam que Lula era a ameaça, num é, Mãe? Vou te contar a verdade: ele era mesmo. E ainda é. Talvez mais que antes.

Nas eleições de 2002, eu tinha 12 anos. Descobri quem era o Lula, de onde ele vinha. Eu, acostumada a ver o FHC falando na TV, cheio de pompa e não-me-toques, me encantei por Lula. Instantaneamente.

E te enchi a paciência durante toda a campanha, num foi? Era “Lula-lá” pra cá, “Lula-lá” pra lá. “Vota 13, Mãe”, “Vota no Lula, Mãe”. Ganhei até a estrela do PT pra abotoar na mochila, lembra?

No fim, quando chegou o dia da eleição, a senhora, talvez de saco cheio da minha insistência ou talvez rendida aos encantos do barbudinho, falou: entra comigo na cabine e aperta o número que você quiser. Eu apertei 13 e saí pulando pelas ruas de Mariana.

Quando o Lula ganhou, eu estava CONVENCIDA de que a vitória dele era por causa dos meus votos. Mas eles não mentiram, Mãe. Lula era, de fato, a ameaça. A ameaça à desigualdade social, ao trabalho precário, à exploração das domésticas, ao elitismo das universidades, ao analfabetismo. A ameaça à fome, principalmente.

14 anos depois, quando ainda faltava tanto por ameaçar, veio o golpe. E, hoje, em um dos cenários mais infelizes de nossa história, a esperança vem da mesma voz. Um pouco mais rouca. Um pouco mais triste, talvez. Mas da mesma voz. A voz que afaga a gente. Que fortalece a gente. A voz de quem já enfrentou tanto – por si e pelos outros.

Dona Lindu, mãe como a senhora, dizia: “é só teimar”. Vamos teimar, então, em ameaçar o obscurantismo que vem tapando nossas janelas. Em vencer, com amor, tanto ódio disseminado gratuitamente. Em acreditar na ciência. Em zelar por nós. Em dividir. Em evoluir.

Um ano e meio é muito, é tempo demais para tanto absurdo. Mas é bom começar a ouvir, de novo, ela: a voz que teima.

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Jamylle Mol é jornalista e marianense
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