Aires Gomes, Capitão de Caravela
Dedicado ao cronista Edmílson Caminha
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A esquadra do Almirante Pedro Álvares Cabral – dez naus e três navios – aportou na baiana Porto Seguro em 22 de abril de 1500, trazendo em seu bojo um Gomes. Era, certamente, um homem do mar com razoável experiência nas artes da marinhagem, pois veio comandando um navio, cujo nome não se sabe exatamente qual era.
De que região de Portugal teria vindo esse Aires Gomes da Silva, que integrava a companhia de 1.200 homens sob as ordens do Senhor de Belmonte?
Parece que essa memória se perdeu no tempo e nas brumas do vasto, misterioso mar-oceano dos reis ibéricos.
Por acaso ou intenção, estava descoberto o Brasil, oficialmente, em nome del Rei D. Manuel, o Venturoso. Nus em pêlo, na inocência ainda da Criação e do Éden, indígenas cor de cobre, antes assustados, vão chegando para perto das caravelas ancoradas em porto aconchegante. Batéis seguem para terra firme. A posse da terra, a primeira Missa, a carta célebre do nosso primeiro escriba, Pero Vaz de Caminha, futuro escrivão da feitoria de Calicute, na Índia distante, meta comercial da frota cabralina.
Pois a carta de Caminha a “El Rei Nosso Senhor” é que iria perpetuar o nome desse Gomes quinhentista, Capitão de longo curso. Com efeito, Aires Gomes da Silva está citado, dentre poucos outros, no famoso documento do maneiroso, hábil escrivão-escritor da armada descobridora. Discorrendo sobre os silvícolas ( vá lá, índios) , Caminha fez a pena correr sobre o papel, registrando este trecho para os povos e os ventos que viriam:
“Porém não levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco, a saber: o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pajem; e Aires Gomes a outro, pajem também”.
Aires Gomes vem mencionado na célebre carta que trouxe à posteridade os nomes de apenas mais sete companheiros da marítima aventura brasílica: Pedro Álvares Cabral (então Pedro Álvares Gouveia), Pedro Escobar, Vasco de Ataíde, Nicolau Coelho, Afonso Lopes, Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Aires Corrêa, Bartolomeu Dias, João Telo, Frei Henrique, Diogo Dias, Afonso Ribeiro e Jorge de Osório.
Descoberta a Terra de Vera Cruz, regressa a Lisboa a caravela de Gaspar de Lemos, levando a carta, a dar alvíssaras. E a 2 de maio a armada zarpa para a Índia, como dois anos antes a de Vasco da Gama, o grande herói da epopeia camoniana. Segue em direção àquele eldorado de riquezas a brava frota do Senhor de Belmonte, com objetivos de ocupação, domínio e comércio.
E o Capitão Gomes comandava a sua nau, sequioso, por certo, de riqueza, de brasão nobre, de peripécias no Oriente sedutor. Lá ia ele afrontando o mar tenebroso, rota de especiarias, mas também cemitério marinho. Na nau capitânea, o grande Almirante singrava as águas intermináveis. Semanas e semanas de céu e mar, má alimentação e temor.
Mas cuidará o leitor, talvez, que faço praça e gabo de descender do valoroso Capitão Aires Gomes da Silva? Pensará, quem sabe?, que este modesto escriba busca uma nobre ancestralidade, contemporânea da Descoberta, na pessoa do Capitão de longo curso imortalizado na carta de Pero Vaz de Caminha?
Ledo engano! Pobre Aires Gomes!
Pois lembro a todos que, na demanda da Índia, perderam-se pelos caminhos alguns navios, como os de Barlomeu Dias, de Simão de Pina, de Diogo Dias e de Aires Gomes. Naufragaram antes de chegar ao assustador Cabo das Tormentas (agora já Cabo da Boa Esperança). Tempestades, ventos bravios, raios, trovões, lemes desgovernados. E lá se foi Aires Gomes para o outro mundo. Coitado, não veria a Índia promissora, nem retornaria à sua jeira de terra portuguesa (no Douro, no Minho, na Beira Alta?) Meus Gomes vieram do Minho para Minas no intuito de catar ouro, arar a terra, melhorar de vida. Vieram e ficaram.
Pode ser até que esse Gomes da frota de Cabral e da carta de Caminha tenha sido mesmo antepassado deste que agora vos lembra um episódio histórico feliz, que, entretanto, para muitos redundou em naufrágio, quiçá numa noite escura, feita de medo, espanto e sofrimento. Pode ser.
Seja como for, relendo a carta do escrivão-mor da frota, senti vontade de evocar esse Aires Gomes da Silva que viveu os lances da descoberta do Brasil, já lá se vão 521 anos.
Descanse em paz, Aires Gomes, que levou nas retinas a visão talvez de alguma bonita índia brasileira, alguma Iracema ou Bartira de Porto Seguro, a quem talvez tenha dado um colar de rútilas miçangas, um espelho ou uma flor silvestre da Bahia, na esperança de voltar.
Descanse em paz, Aires Gomes da Silva, que viu o Brasil nascendo no Monte Pascoal, e foi morrer no mar, sob longínquas estrelas, que de repente se apagaram.