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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Novos relatórios apontam mais supostas irregularidades em obras sob responsabilidade da Construtora Israel

Casa do Leite (Águas Claras) e Praça de Eventos (Monsenhor Horta) não são obras de reformas ou manutenção, em desacordo com o objeto do contrato entre a Prefeitura de Mariana e a Construtora Israel

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Fachada da obra da Casa do Leite, em 07 de junho de 2021. Documento da Secretaria de Obras informa que a obra foi finalizada – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz
Novos relatórios entregues à CPI das Obras, na quarta-feira (16) apontam supostas irregularidades nas obras da Casa do Leite (distrito de Águas Claras) e Praça de Eventos de Monsenhor Horta, ambas de responsabilidade da Construtora Israel e com indícios de desrespeito à Lei das Licitações, entre outros problemas identificados no relatório de vistoria elaborado pelo vereador Manoel Douglas (PV).

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Praça de Eventos de Monsenhor Horta

O relatório referente à Praça de Eventos de Monsenhor Horta menciona a existência de vício de origem, uma vez que se trata de obra nova, em desacordo com o objeto do contrato da Construtora Israel, que prevê “serviços de reforma e ampliação a serem realizados em prédios públicos, praças, parques e equipamentos públicos do município de Mariana”.

Assim como nas obras vitoriadas anteriormente, o relatório de vistoria aponta vários itens com medições inferiores aos verificados no local, tais como gabarito de obra; estrutura de telhado; calha galvanizada; tubos e joelhos para descida vertical de água, entre outros. Também é apontado o pagamento de itens que não foram concluídos ou que não foram executados. No primeiro caso é citado o pátio de estacionamento em piso intertravado, indicando que “conforme nosso relatório fotográfico, este item não se encontra concluído, sendo executado apenas uma pequena parte, bem inferior ao já pago”. Em relação aos itens não identificados no local, o relatório cita o pagamento da execução de passeio em concreto e de 514 m2 de grama em placas, ressalvando que “a grama existente em pequena parte do local é claramente remanescente do antigo campo de futebol que existia no local”.

O relatório, entretanto, não inclui nenhuma informação sobre eventual subempreitada da obra, tendo como anexos, além dos relatórios fotográficos, três notas fiscais eletrônicas e suas correspondentes planilhas de medição.

De acordo com documento (Comunicação Interna nº 451) emitido pela Secretaria de Obras e Gestão Urbana, datado de 27 de maio, a situação da obra foi descrita como “medição em aberto para análise do fiscal, até a presente data não existe planejamento definido para a retomada”, sem explicar as razões que teriam motivado a paralisação dos serviços.

Nas notas fiscais e medições anexadas ao relatório, é possível identificar o pagamento total de R$202.208,68 correspondendo a aproximadamente 39% do valor total estimado para a obra (R$569.357,45).

Casa do Leite de Águas Claras

Esta obra foi vistoriada na manhã do dia 07 de junho e foi acompanhada pela reportagem da Agência Primaz. Entre as observações mencionadas no relatório entregue à CPI, constam, novamente, questões referentes a desvio de objeto e finalidade do contrato, por ser obra nova, mas também a questão de subcontratação ou subempreitada integral da obra. De acordo com informações colhidas por Manoel Douglas, a obra, que estava paralisada na data da visita, teria sido executada por Flávio Silva, proprietário da empresa Flávio Acabamentos.

O relatório salienta ainda duas informações importantes:

– “(…) recebemos documento assinado pelo senhor André Belico, Secretário Municipal de Obras, afirmando que esta obra se encontrava concluída, sendo que faltaria apenas o pagamento da 4ª medição, fato que é completamente inverídico, pois em vistoria conforme mostra nosso relatório fotográfico, a obra se encontra muito longe de sua finalização”.

– “Além disso, nos causa grande perplexidade, um servidor do Município presente no local informar que o pessoal responsável pela execução recebeu ordem que paralisasse a obra imediatamente, visto que o vereador Manoel Douglas tinha descoberto as irregularidades e ainda informado que muitos materiais foram repassados a moradores devido a paralisação”.

Local onde deveria ter sido instalado o quadro de distribuição – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz
Apenas metade das caixas de embutir foram encontradas na obra – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Especificamente em termos das “inconformidades e divergências, o relatório aponta, mais uma vez, disparidade dos quantitativos pagos e executados de itens como alvenaria; reboco; contrapiso; caixas de instalações elétricas e tubos para instalações hidráulicas e de esgoto, bem como o pagamento de itens não executados, como quadro de distribuição e disjuntores; fiação elétrica e registros hidráulicos, além do “pagamento integral de limpeza final de obra.

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Outras divergências nas planilhas de medição

A reportagem da Agência Primaz teve acesso às notas fiscais e planilhas de medição anexadas ao relatório entregue à CPI.

A primeira medição, realizada no dia 09 de outubro de 2020, e referente ao período de 09/09 a 08/10, indica o valor estimado de R$147.164, 83 para a obra, chegando ao valor de R$56.631,73 para os serviços executados no período, valor correspondente à Nota Fiscal Eletrônica (NFe) nº 2554, emitida pela Construtora Israel, no dia 05 de novembro, e paga no dia seguinte, conforme informações obtidas no Portal da Transparência.

A segunda medição foi realizada em 17 de dezembro, referente aos serviços executados no período de 09/11 a 08/12, portanto deixando em aberto um período de 30 dias (de 09/10 a 08/11). A planilha correspondente indica que o valor da obra sofreu redução de pouco mais de R$2,4mil, passando a R$144.724,87. Entretanto, no campo para informação do valor acumulado pago anteriormente, consta R$32.585,23. Portanto, mais de R$24 mil a menos que o valor pago na primeira NFe. O valor dos serviços pagos na segunda medição foi de R$42.589,65 (NFe nº 2682, emitida em 17/12 e paga no dia seguinte).

A discrepância permaneceu na planilha da terceira medição, realizada no dia 09 de fevereiro de 2021, referente aos serviços executados de 04/01 a 08/02, deixando desta vez um período ainda maior entre as verificações da execução da obra. A NFe nº 2830, emitida em 03 de março, apontou o valor de R$52.561,78, com liquidação dois dias depois.

Portanto, a Construtora Israel já recebeu mais de R$151 mil, sendo que o valor estimado era inferior a R$ 145 mil. Além disso, pelas informações da Secretaria de Obras, ainda há uma medição em análise, sendo que os serviços, comprovadamente, não foram concluídos.

Prefeitura de Mariana

No dia 14 de junho nossa reportagem enviou à Secretaria de Obras, via Assessoria de Comunicação, por e-mail, um pedido de encaminhamento da documentação referente ao contrato da Construtora Israel, uma vez que as informações disponíveis indicavam que a validade seria até 20 de dezembro de 2020. No mesmo pedido, encaminhamos solicitação de esclarecimentos a respeito da obra da Casa do Leite e também do campo de futebol do subdistrito de Campinas. No mesmo dia recebemos uma resposta, referente apenas à questão da documentação, a Agência Primaz foi informada que o pedido de acesso aos documentos deveria ser feito mediante protocolo físico. Porém, tendo conseguido acesso ao contrato e seus aditivos, via Portal da Transparência, renovamos o pedido de informações, mediante o agendamento de entrevista com o Secretário de Obras, mas não recebemos retorno com a marcação de dia e horário, até o momento da publicação desta reportagem.

O contrato 447/2019 foi assinado no dia 20 de dezembro de 2019, amparado em processo de “adesão à ata de preços nº 07/2019, deflagrada pelo Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável do Alto Parnaíba (CISPAR), através do Pregão nº 005/2019, para contratação de empresa para execução de serviços de reforma e/ou ampliação, para atender a SEMOB [Secretaria Municipal de Obras e Gestão Urbana]”, com vigência de 12 meses e valor total de R$27.060.668,15.

Em 2019, de acordo com informações disponíveis no Portal da Transparência, foram feitos dois aditivos de valor do contrato. O primeiro foi assinado em 21 de setembro de 2019, com acréscimo de R$226.561,81 no valor do contrato. Pouco mais de 30 dias depois, novo aditivo foi feito no dia 26 de outubro, agora com acréscimo de R$876.863,97. Com isso, o valor total do contrato chegou a pouco mais de R$28 milhões.

No final do ano passado, dois dias antes do vencimento original do contrato, foi feito um aditivo de prazo, prorrogando a vigência até 19 de junho deste ano. Mas, no dia 25 de maio, um novo aditivo foi feito, agora prorrogando a vigência até 19 de setembro.

Ainda de acordo com os dados disponíveis no Portal da Transparência, a Construtora Israel recebeu quase R$99 mil da Prefeitura de Mariana, em 2021. No ano passado o faturamento ultrapassou R$17 milhões, sendo de R$8,5 milhões em 2019, valor próximo dos R$8 milhões recebidos em 2018, quando ainda prestava serviços de coleta de resíduos e de manutenção e limpeza de vias públicas.

Contratada inicialmente em 2013, ainda como Construtora Império Eireli, a empresa recebeu dos cofres públicos municipais mais de R$21 milhões até 2017, tendo mudado sua razão social para Construtora Israel Eireli em 30 de outubro de 2017, mantendo o mesmo CNPJ.

Construtora Israel

No dia 10 de junho a reportagem da Agência Primaz fez contato com Wallace Teixeira, gestor da Construtora Israel em Mariana, para obter o posicionamento da empresa em função das situações levantadas na CPI das obras, instaurada na Câmara de Mariana. Afirmando não poder falar desse assunto em nome da empresa, Wallace solicitou que os questionamentos fossem endereçados, por e-mail, à gerência geral da empresa, prometendo manifestação oficial a partir da análise do setor jurídico.

Os questionamentos encaminhados incluíam, entre outros, aspectos ligados ao suposto desrespeito à Lei das Licitações, com subempreitada ou subcontratação da integralidade dos serviços contratados, bem como em termos da prática de reter 25% do valor dos contratos.

No dia 16 a Agência Primaz voltou a fazer contato telefônico com o gestor, mas não tivemos retorno até o momento da publicação desta reportagem

Flávio Acabamentos

Flávio Silva é proprietário da empresa Flávio Acabamentos, e também presidente da associação de moradores do distrito de Águas Claras. Por telefone, nossa reportagem conversou com ele em duas oportunidades, buscando esclarecimentos sobre a situação da obra.

Se acordo com Flávio Silva, a obra ficou paralisada um tempo, desde o final do ano, e foi retomada no final de maio, quando foram feitos os serviços de contrapiso e hidráulica do banheiro, com expectativa de concluir a obra em 30 dias. “Quando procurei informações a respeito de pagamento, tive a informação, passada pelo Wallace, que os pagamentos da Prefeitura para a Israel estão suspensos. O material de acabamento chegou e pedi ao vizinho que guardasse os itens pequenos, como registros e itens de instalação elétrica e hidráulica, deixando a cerâmica e a argamassa dentro da obra”, relata Flávio, negando que a obra tenha sido abandonada em função da investigação da CPI, ou que tenha doado materiais não utilizados. “Com a notícia dos pagamentos suspensos, fiz contato com o comerciante que me forneceu o material e pedi que passasse a argamassa pra frente [para outro cliente]”.

A negociação de Flávio com a Construtora Israel seguiu o mesmo roteiro de outros casos relatados na CPI. “Como empreiteiro aqui em Mariana, a gente só consegue se manter em atividade, prestando serviços para empresas maiores, como já tentei na Renova, em empresas que prestam serviços pra Samarco. Quando eu fiquei sabendo que a Israel estava passando obras, eu procurei para saber como funcionava e se seria possível trabalhar com eles”, relata, informando que o contato foi feito com Wallace Teixeira e que foi feito um contrato que, inclusive, englobou o serviço, já concluído, de reforma de uma quadra em Mainart.

Flávio Silva confirma que as bases do contrato eram as mesmas de outras situações, ou seja, receber 75% do valor da obra. “Não sei se o valor é exatamente esse, mas acho que a obra foi estimada em R$160 mil e eu receberia aproximadamente R$120 mil, com o material todo por minha conta”, diz Flávio, revelando ter recebido, até agora, alguma coisa em torno de R$70 mil, o que corresponde, aproximadamente, a 75% do valor recebido pela Construtora Israel nas duas primeiras medições.

A empresa Flávio Acabamentos não tem engenheiro civil em sua equipe. A experiência do próprio Flávio é decorrente da vivência em serviços de construção e de um curso de mestre de obra, mas no caso da Casa do Leite, Flávio revela que a supervisão técnica era feita pela Construtora Israel. “Sempre que havia dúvidas a gente procurava o escritório aqui em Mariana para conseguir orientações técnicas, ou solicitava a presença deles na obra. Esses contatos eram feitos com o Helbert, no escritório, mas quem mais acompanhou a obra foi o Eustáquio”, informa Flávio.

Em relação à situação de também ser presidente da associação de moradores, Flávio afirma que não vê problemas, porque sabe separar as coisas, tendo feito contatos com o Secretário de Obras na condição de presidente da associação. E revelou que é um desejo dos moradores de Águas Claras, conseguir a construção da sede da associação e local de trabalho do pessoal do artesanato no 2º pavimento da Casa do Leite. “Aquela obra foi construída com total segurança, com gosto, porque a gente estava fazendo uma coisa que era para o lugar da gente”, finalizou.

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