Editorial: “Mais bela que outrora eu irei ressurgir”
325º Aniversário de Mariana
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Mariana completa hoje 325 anos. E esta quinta-feira, dia 15, marcou o centenário do falecimento de Alphonsus de Guimaraens, autor da letra de seu hino, com música de Antônio Miguel de Souza, primeiro maestro da Sociedade Musical União XV de Novembro.
Isso se deu em julho de 1911, por solicitação do Senador Dr. Gomes Freire de Andrade, ocasião em que Mariana comemorava o bicentenário de sua elevação de arraial a vila de Nossa Senhora do Carmo.
Poeta simbolista, Alphonsus de Guimaraens escreveu a letra do hino utilizando algumas das principais características do movimento literário, como a adoção de temas imaginários, místicos e subjetivos, com forte musicalidade e foco em um único indivíduo.
Nesse caso específico, Alphonsus coloca a Rainha Maria Ana D’Áustria, esposa de Dom João V, como a princesa que personifica a cidade à qual deu nome.
No seio dolente das idas idades
Em meio ao silêncio, fiquei a sorrir…
A Deusa de outrora só tinha saudades,
Chorando o passado, esperando o porvir!
Quem é que me vem perturbar o meu sono
De bela princesa no bosque a dormir?
Que há muito caiu sobre o solo o meu trono,
Que era emperolado de perlas de Ofir!
Com saudosismo simbólico, as duas primeiras estrofes do hino colocam a princesa/cidade lamentando a perda da suntuosidade do tempo do ciclo do ouro, em atitude de dormência que supostamente caracterizaria uma estagnação de Mariana, sonhando com o passado cheio de riquezas, comparáveis às da bíblica Ofir que ornamentavam seu rico e antigo trono.
Entre os coros das litanias
Que vêm do céu, na asa do luar,
Vivo de mortas alegrias,
Sempre a sonhar, sempre a sonhar!
Entremeando as estrofes, o estribilho – ou refrão, se preferirem – menciona o ambiente religioso, figurativamente representado pelas litanias, ou ladainhas, que embalavam o sono da princesa, saudosa do passado. Mas também apresenta uma alusão ao futuro, à espera do porvir, de dias melhores que, supostamente, viriam desse despertar, traduzidos nos versos da quarta estrofe pelas luzes e clarões representativos da esperança, também contida na alusão ao verde da bandeira nacional.
De estrelas o céu sobre mim se recama;
Há luz no zênite e clarões no nadir…
O campo auriverde da nossa auriflama,
É todo esperança: esperei o porvir!
Talvez seja muita ousadia, mas acreditamos ser possível uma analogia com o presente e o passado recente de Mariana. Durante quase cinco décadas, nossa princesa/cidade repousava lânguida e tranquilamente sobre a riqueza oriunda da exploração mineral e, se estivesse dormindo, estaria em berço esplêndido, auferindo fartos recursos, sem que nada lhe perturbasse o sono da prosperidade, supostamente infinita e duradoura.
Aí, em 2015, não é um príncipe que perturba o seu sono, mas a realidade brutal de uma tragédia/crime, com o rompimento da barragem de Fundão, que ceifou vidas, transtornou famílias, detonou o meio-ambiente e ainda afetou toda a economia local e regional.
E nesse despertar em sobressalto, nossa princesa/cidade vê-se na situação de lamentar, não só a riqueza eventualmente perdida em termos de arrecadação, mas de tempo desperdiçado na inércia, sem buscar soluções alternativas e sustentáveis. Horrorizada, nossa princesa/cidade constata que nenhum, ou quase nenhum benefício duradouro ficou de toda aquela riqueza. E busca, desesperadamente, luzes no zênite e clarões no nadir.
Não bastasse isso, há pouco mais de um ano, nossa princesa/cidade é chamada a lidar com uma pandemia que, novamente, nos rouba vidas, nos afeta em todos os níveis, inclusive o econômico.
Na situação atual, entretanto, pelo menos no nível econômico, a cidade bate recordes de arrecadação, como observado no primeiro quadrimestre deste ano.
Voltando ao hino:
Agora bem sinto, no peito, áureos brilhos;
De novo me voltam as perlas de Ofir…
Mas, no momento, as vistas estão mais voltadas para o hoje e não para o futuro, já que os efeitos deletérios da pandemia exigem ações urgentes e imediatas.
Para que o passado não se repita como farsa, mesmo nessa ocasião festiva, é preciso alertar para a necessidade de assimilar as lições anteriores e buscar, com serenidade e persistência, encontrar caminhos que não permitam que nossa cidade venha a vivenciar esse ciclo de chorar/lamentar o passado, seguido de períodos efêmeros de prosperidade.
E esse recado, obviamente, é direcionado também, e muito especialmente, aos nossos políticos.
Desse modo, quem sabe, em breve possamos nos juntar à princesa/cidade e cantar, com convicção, os versos finais de nosso hino:
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Este Editorial contém, com a devida autorização, inspiração e aproveitamento de ideias e conceitos do texto “Hinos de Mariana – Em Cantos de Alphonsus”, de Ana Cláudia Rôla, Coordenadora do Museu Casa de Alphonsus de Guimaraens, publicado no site do Portal da Cidade de Mariana, em 14/07/2020.