Cine Teatro Municipal

f9a335_ede9aacd1a264d1691e33f5719c2c0e2~mv2.jpg
Créditos

“Indignaram-se com as imagens vivas que o próspero comerciante dom Bruno Crespi projetava no teatro com as bilheterias de boca de leão, porque um personagem morto e sepultado num filme, e por cuja desgraça foram vertidas lágrimas de aflição, reapareceu vivo e transformado no filme seguinte”.

Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão

Não, não chegou a esse ponto no Cine Teatro Mariana, onde até pouco tempo funcionava o Centro Cultural do SESI. Pelo menos não durante o tempo em que eu o frequentava, até o fim dos anos 1970. Mas algumas histórias pitorescas ainda persistem em minha memória.

Uma das mais fortes é a do garoto, hoje fotógrafo na cidade, vendendo pacotinhos de amendoim torrado logo na entrada do cinema. Também as constantes interrupções das exibições dos filmes, devido a defeitos dos equipamentos ou ruptura das fitas. Nesses momentos, independentemente da idade, a algazarra era enorme, com vaias e bater de pés no surrado assoalho de madeira.

Em uma ocasião, a ordem dos rolos dos filmes foi alterada e ninguém estava entendendo nada, até que, no terceiro rolo, um personagem que havia sido morto no início apareceu vivo. Muitos espectadores, furiosos, deixaram a sala de exibição, reclamando o dinheiro de volta. Não porque, como os habitantes da fictícia Macondo, estivessem convencidos de bruxaria ou coisa semelhante, mas por pura e justificada indignação com a falta de atenção do funcionário.

Mas também tenho outras lembranças marcantes. Como assistir ao primeiro Stars Wars – que depois virou o quarto episódio da série –, em uma das várias sessões, todas com superlotação, sentado na escada, em 1977, mesmo ano do lançamento do filme, algo raro naquela época. Ou, ainda adolescente, ter criado um ritual, religiosamente seguido por cinco anos consecutivos, de ir à primeira sessão (18h) todo dia 1º de janeiro, não importa qual filme estivesse em cartaz. Não me perguntem o porquê dessa tradição, e muito menos quais filmes eu vi.
 

É difícil encontrar alguém, “das antigas”, que não tenha uma boa história pra contar do “cinema”, como a gente se referia. Meu pai mesmo, durante um tempo, fâ incondicional de amendoins e incomodado com sua dentadura que teimava em cair, ia às sessões apenas para comer sossegadamente uns dois pacotinhos, sem se importar em passar vergonha. E isso aproveitando a gratuidade que o status de funcionário da Justiça do Estado. Havia também um certo senhor idoso, que julgava-se proprietário de uma certa poltrona, e não tinha o menor pudor em cutucar com sua bengala o incauto que nela distraidamente estivesse sentado.

O cinema era também o local dos namoros às escondidas, das mãos dadas no escuro, dos beijos roubados, mas consentidos. Eu mesmo, tive meu primeiro encontro com minha esposa em uma sessão de cinema. O filme? Ora, quem estava prestando atenção nisso? E depois das sessões, nos chamados dias de semana, ficávamos no jardim jogando conversa fora. Aos domingos a preferência era pela 1ª sessão, para poder aproveitar o “footing” das meninas no jardim, engrossado por aquelas que vinham da Sé, depois da missa das 6.
 

Foi naquele prédio que, se não estou enganado, assisti à primeira peça de teatro. Um grupo de pessoas da cidade juntou-se, de modo amador mas apaixonado, para encenar o texto “Um erro judiciário”, escrito pelo Zizi Sapateiro, ainda antes da fama como pintor.

Passaram-se os anos, cresci, constitui família e tenho 2 netas. Ainda me pego em ondas saudosistas, lembrando filmes, brincadeiras e conversas antes e depois das sessões. Depois que o SESI assumiu as instalações, infelizmente só frequentei algumas poucas vezes: atrações musicais, shows e apresentações de trabalhos finais dos alunos do curso de Jornalismo na disciplina comandada pelo Prof. Adriano Medeiros. Eu mesmo tive o prazer de apresentar, junto com Lui Pereira, Carmem, Ingrid e Jasmine, o resultado de nosso trabalho, o mini-documentário “Aprendiz de Joãozinho”.
 

Hoje o prédio está fechado. Nem os filmes de antigamente, nada de atrações musicais ou de teatro, nem mesmo os tais documentários estudantis. A Prefeitura promete reativar as atividades, mas com quê roupa, ou melhor, com que dinheiro?

Luiz Loureiro é jornalista e editor-chefe do Jornal Primaz