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Hoje é segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Retirada de postes do Centro Histórico de Mariana limita capacidade de acesso à internet

Vários anos depois de iniciada, a obra de cabeamento subterrâneo das redes de energia elétrica, telefonia e dados será concluída sem uma solução satisfatória para a questão de conectividade digital

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Postes da Rua das Mercês serão retirados a partir desta quinta-feira (09). O mesmo vai acontecer em outras 14 ruas do Centro Histórico da cidade – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz
Iniciadas ainda no governo Celso Cota (2013-2015), as obras de substituição da rede elétrica aérea por lampiões, com cabeamento subterrâneo, ficaram um longo tempo paralisadas. Durante o último mandato de Duarte Júnior (2017-2020), a alegação era que havia problemas com a importação de uma chave específica para finalização da rede, o que foi conseguido no início deste ano. Com a retirada dos postes, as redes de fibra ótica de vários provedores de internet serão desativadas, e a única opção de moradores e comerciantes da região afetada será a rede da Oi, detentora dos dutos subterrâneos, que só permite o acesso por meio de linha telefônica (conexão ADSL: Asymmetric Digital Subscriber Line), com velocidade de conexão bem inferior à da fibra ótica.

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O anúncio da retirada dos postes, a partir da próxima quinta-feira (09), foi feito pela Prefeitura Municipal de Mariana, via redes sociais e por release enviado na última sexta-feira (03). No comunicado, a administração municipal informa que 15 ruas do Centro Histórico serão interditadas na quinta e sexta-feira, de 9 às 11h, para a retirada dos postes, esclarecendo que a “medida faz parte de um acordo envolvendo todas as cidades de Minas tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que busca a valorização dos conjuntos arquitetônicos dos municípios” e que, “no período de manutenção, poderá ocorrer instabilidade na energia elétrica”. Além disso, enfatiza que “o cabeamento subterrâneo valoriza o conjunto arquitetônico, diminui a poluição visual, reduz os riscos de acidentes, além de ser mais resistente”, bem como representa manutenção mais simples, “auxiliando para que a população não fique sem energia por longos períodos”.

Adiamentos e insatisfação

Em março a Prefeitura de Mariana divulgou a previsão, para maio, da finalização dos serviços relacionados ao cabeamento subterrâneo. A medida, embora não foi concretizada, deu início a uma série de iniciativas de mobilização da população, para que a retirada dos postes somente fosse feita após a disponibilidade de outras opções de acesso além da linha telefônica da Oi, já instalada em dutos subterrâneos. Entre as tentativas, um ofício foi encaminhado ao Ministério Público em julho, por e-mail, solicitando a “suspensão da retirada dos postes, sem que o Município apresente uma solução viável de compartilhamento das redes ou lançamento de redes de tubulação que possam ser utilizadas pelas operadoras locais com serviços de melhor qualidade e que permitam também livre concorrência pois caso contrário teremos apenas a operadora Oi operando localmente com baixíssima velocidade ofertada”. Como justificativa foi argumentado que “nos locais em referência existem tubulações subterrâneas da CEMIG e da operadora de telefonia Oi, que também opera com internet, mas tem limitação ao número de usuários e também limitação de velocidade – 20 MB/s [megabytes por segundo] – baixa velocidade – para atendimento e nenhuma delas permite que suas tubulações sejam compartilhadas com outras empresas”, o que obrigaria os usuários afetados a “sair da fibra ótica, com 300 MB -400 MB/s de velocidade para uma internet a rádio de, no máximo, 30 MB. Isso, num momento de pandemia, de aumento de contágio, de restrição de locomoção, de pedidos da própria Prefeitura para ficar em casa, de reuniões e aulas online, de virtualização do trabalho, onde a internet está sendo considerada como item ESSENCIAL e esta medida da Prefeitura constitui verdadeiro desserviço e um enorme dano para todos os afetados, suas famílias e negócios, TODOS muito dependentes de uma boa conexão de internet, que lhes será tolhida por ato da Prefeitura sem que tenha sido feito um planejamento – extremamente necessário para o momento que vivemos – de troca dessas conexões e de compartilhamento das redes afetadas”.

Segundo informações colhidas junto aos signatários do ofício, não houve resposta à solicitação e a reportagem da Agência Primaz não conseguiu contato com os representantes do Ministério Público na cidade.

Outra iniciativa foi o encaminhamento de um pedido à Câmara Municipal, para apresentação de requerimento, solicitando do poder público informações a respeito da possibilidade de passagem de fibra ótica nos dutos subterrâneos existentes e agendamento de reunião com moradores e usuários, para buscar uma solução que atendesse ao interesse de todos. O documento, de autoria do vereador Ronaldo Bento (PSB), entretanto, ficou prejudicado por questões regimentais, pela apresentação do requerimento n º 172/2021, de autoria do vereador Zezinho Salete (MDB), contando ainda com a assinatura de Ronaldo Bento, que foi aprovado por unanimidade na reunião extraordinária realizada em 20 de julho. Em resposta à solicitação de informações, o poder público municipal, em documento datado de 21 de julho e assinado pelo engenheiro eletricista Amarildo Júnior, alegou que:

– “Desde o início do projeto, a Prefeitura de Mariana convidou e notificou todas as empresas que distribuem internet para participar na continuidade do planejamento das ações. A CEMIG, concessionária responsável pela distribuição elétrica, comunicou oficialmente todas as empresas que possuem contrato de uso mútuo para utilização dos postes para distribuição de energia”.

– “A obra da região central ficou paralisada por pouco mais de 2 anos e após sua retomada em 2020, o departamento de elétrica fez contato com os provedores na região por email. WhatsApp, ligações telefônicas e conversas presenciais informando sobre a retomada”.

– “Apresentamos então um cronograma para a retirada dos postes em abril de 2021, que foi prorrogado para agosto e ainda assim muitas empresas não buscaram a readequação”.

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Ainda no dia 21 de julho, em entrevista concedida à Rádio Real FM, o prefeito interino de Mariana, Juliano Duarte, referendou as informações contidas na Comunicação Interna nº 624/2021, afirmando que a Oi foi a única empresa a responder ao chamamento público publicado em 2014 e “passou três cabeamentos”, acrescentando que “as outras, não sei porque, não tiveram interesse”, e que, após três adiamentos da retirada, ele não consegue mais postergar o contrato”, tendo excedido “todas as formas legais e possíveis”, já que o contrato tem um prazo de conclusão. “Se eu não retirar agora eu não vou retirar mais, porque o contrato vai vencer”, declarou Juliano, recomendando que as empresas interessadas entrem em contato com a Oi. “Ela [empresa provedora de internet]vai ter que alugar agora o cabeamento que a Oi passou, o duto, para passar sua fibra ótica. Mas isso é uma negociação entre empresas privadas, que o município não tem nenhuma parcela [de participação] disso”.

Nas redes sociais, o empresário e advogado Flávio Almeida fez, na última quinta-feira (02), uma veemente manifestação contrária à retirada dos postes sem o oferecimento de uma alternativa além da disponibilizada pela Oi. “Internet é considerado um serviço ESSENCIAL! (Decreto 10.282/20). Ainda mais em tempos de pandemia, de #fiqueemcasa, estude e trabalhe em casa. Mas não em Mariana: os postes e o cabeamento serão retirados e o Centro Histórico ficará mais bonito, como disse recentemente o Prefeiterino em entrevista”, afirmou Flávio, relacionando uma série de sugestões de iniciativas que, a seu juízo, poderiam ser tomadas pela administração municipal. E, ainda, afirmou que “em pesquisa com as empresas, a Vero não oferta fibra no Centro Histórico de Mariana, a Valenet NEM FOI NOTIFICADA da retirada desses postes, a Vivo TALVEZ vai ofertar fibra em JANEIRO, a Oi só oferta com velocidade baixíssima de uns 20 MB e a CMT estava tentando ver a viabilidade do cabeamento subterrâneo, mas, o valor do investimento inviabiliza manter o serviço, como consta do comunicado”. Flávio Almeida ainda lembrou que as atividades de ensino vão ser retomadas, em formato híbrido, a partir de 13 de setembro, ressaltando que existem escolas no Centro Histórico, cujas atividades serão seriamente prejudicadas, inclusive em termos de acesso dos usuários às atividades remotas. “NÃO INTERESSA quem vai fornecer a internet de fibra, Vivo, CMT, Valenet, Vero, Oi ou outra, desde que tenhamos AO MENOS UMA OPÇÃO. A primeira que ofertar fibra ótica subterrânea com velocidade aceitável, no mínimo, 100 MB, terá clientes desesperados com essa situação criada pelo Município de Mariana”, declarou o advogado na postagem.

Na postagem de anúncio da retirada, feita no Facebook, vários moradores e moradoras da cidade criticaram a decisão, tendo sido feitos 33 comentários até as 19h desta segunda-feira (06). Entre as reclamações, uma pessoa até criticou a qualidade da iluminação da Rua Salomão Ibrahim da Silva, recebendo como resposta a informação que a demanda seria encaminhada ao setor responsável. Em resposta a vários outros comentários, porém, a administração pública limitou-se a repetir o texto “Esclarecimento – obras de cabeamento subterrâneo”, no qual apenas narra os acontecimentos prévios, sem mencionar a possibilidade de reversão ou adiamento da medida.

Empresas envolvidas

A Agência Primaz fez contato com empresas provedoras de internet em Mariana, em especial aquelas que utilizam os postes para o suporte da fibra ótica. Não conseguimos contato com a Vivo mas, embora sem receber autorização para identificação das fontes, e sem manifestação pública de suas respostas, nossa reportagem apurou que uma das empresas está estudando a proposição de medidas judiciais para impedir a retirada dos postes e que está apta a fornecer o serviço via rádio, limitada à velocidade de 10MB/s. Outra empresa já está recusando novos clientes na região afetada e não tem planos, a curto prazo, para implantar o acesso via rádio em Mariana.

A única empresa provedora de internet na cidade, que fez um posicionamento público foi a Conecta Minas Telecom (CMT). Em comunicado divulgado nesta quinta-feira, a empresa reconhece ter tido interesse no Chamamento Público da Prefeitura de Mariana, em 2014, mas não dispunha, na ocasião, da tecnologia de fibra ótica. Também menciona que, “em 2016, na segunda etapa da obra, que compreendia da Rua Direita até a Rua do Rosário, fomos novamente convocados, mas o investimento era elevadíssimo, fora da realidade das Prestadoras de Telecomunicações de Porte Médio e Pequeno, devido ao cenário econômico da cidade naquele momento”.

A nota pública também informa que, “em 2021, a Prefeitura comunicou sobre o início das obras para a retirada dos postes. Neste momento, continuamos o diálogo com as partes envolvidas, protocolamos um ofício na Prefeitura, e as respostas sempre foram contrárias à paralização/postergação da obra, muito embora tenhamos reiterado as consequências que adviriam a todos, em especial à população usuária de nossos serviços”. A empresa ainda ressalta que fez contato com a Oi, detentora da tubulação subterrânea, recebendo a resposta de não haver, por parte da Oi, a intenção de compartilhar a tubulação ou a rede de telecomunicações, o que, na visão da CMT, contraria a legislação.

“Diante do exposto, por ora, infelizmente, a partir da remoção dos postes, programada para 09/09/2021, a CMT não consegue garantir a conectividade do Centro Histórico de Mariana em virtude das obras, contudo, permaneceremos diligenciando e envidando todos os nossos esforços para tentar retomar a prestação dos serviços no local”, encerra o comunicado.

A reportagem da Agência Primaz fez contato com o canal de vendas da Oi, sendo informada que a empresa não tem disponibilidade de conexão por fibra ótica na região central da cidade. Em e-mail encaminhado para o setor de imprensa da Oi, apresentamos uma série de questionamentos a respeito da possibilidade de compartilhamento dos dutos subterrâneos e da perspectiva de instalação de fibra ótica no local, em substituição aos cabos de conexão ADSL, mas não obtivemos retorno. Também tentamos contato pelo telefone do setor de comunicação institucional, mas nenhuma das várias tentativas de ligação foi atendida.

Em contato com usuários atuais da Oi, nossa reportagem constatou, através de testes realizados pelos próprios usuários, que a conectividade sofre bruscas e constantes oscilações, com baixa velocidade, tanto de download (baixar arquivos) quanto de download.

Em um desses testes, a velocidade de download chegou a 0,04 Mbps (megabits por segundo), correspondente a 0,32 MB/s, enquanto o upload chegou a apenas 0,02 Mbps (0,16 MB/s), ressaltando-se que a velocidade fornecida pelas operadoras é expressa em Mbps, cujo valor representa 1/8 de MB/s. Em outras palavras, de acordo com o site Tecnomundo, “as operadoras estão vendendo 10 mega, porém nunca é especificado que esse valor é em bits. A enganação acontece justamente nessa confusão de unidades. Nós, consumidores, acreditamos que as conexões são em megabytes, mas, na verdade, as velocidades contratadas são oito vezes menores, justamente porque o megabit é oito vezes menor do que o megabyte”.

Câmara Municipal

Quase ao final da reunião ordinária da Câmara Municipal, realizada na última sexta-feira (03), o Presidente Ronaldo Bento fez uso da palavra para comentar sobre a postagem de Flávio Almeida no Facebook, no qual seu nome foi marcado, afirmou que, “em nenhum momento a Câmara se furtou de buscar o entendimento” para a solução do problema da retirada dos postes do Centro Histórico. Fazendo menção ao requerimento nº 172/2021, aprovado em 20 de julho, Ronaldo afirmou compartilhar da preocupação da população envolvida, fazendo um apelo ao entendimento para a busca de soluções. Em aparte, o vereador Fernando Sampaio (PSB), líder do Governo na Câmara, ressaltou que ainda estamos vivendo a pandemia, com atividades escolares pelo menos parcialmente remotas, e que a questão de limitação de acesso à internet vai causar prejuízo a muitas pessoas, incluindo aquelas que exercem atividades profissionais em casa. “A gente deveria propor, Senhor Presidente, enquanto a gente estiver nesse período de pandemia, que não fossem retirados os postes, para não prejudicar [o funcionamento] da internet nessa região”, sugeriu Sampaio.

Depois de outras manifestações de vereadores, todas favoráveis à manutenção temporária dos postes, lembrando também que até a Casa de Leis vem realizando suas reuniões de modo virtual, Ronaldo Bento apresentou notificação ao Secretário de Governo, Edvaldo Andrade, que na oportunidade participava da reunião, para a realização de uma reunião on-line, na qual, o Poder Executivo, juntamente com representantes das empresas, vereadores e associação de moradores do Centro Histórico, possa rediscutir o assunto, incluindo também o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o COMPAT (Conselho Municipal do Patrimônio Cultural).

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