- Mariana
Duarte Jr.: “Todos os secretários eram ordenadores de despesa”
Depoimento do ex-prefeito na CPI das Obras durou mais de 5 horas
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Na manhã e tarde desta quarta-feira (20), o ex-prefeito Duarte Júnior (2015/2016 e 2017/2020) prestou depoimento na CPI das Obras e, antes mesmo de responder à primeira pergunta feita pelo vereador Pedrinho Salete (Cidadania), solicitou uma correção relacionada ao anúncio de seu depoimento. “Primeiro, Senhor Presidente, eu queria pedir uma correção. No início, quando é falado que eu sou convidado por ser ordenador de despesa, na nossa gestão, desde o primeiro momento, a gente entendeu por bem, que todos os secretários passassem a ser ordenadores de despesas”, declarou Duarte Jr., esclarecendo que essa medida foi tomada devido ao “fluxo e enorme responsabilidade em relação aos trabalhos”.
Na sequência, negou ter autorizado a adesão à ata de preços que gerou a contratação da empresa Israel, bem como a assinatura do contrato 148/2020, celebrado pela administração municipal com a empresa GMP. “O processo se inicia na própria secretaria a que se refere o assunto. A própria secretaria inicia o processo e você não define qual a ata vai ser aderida. Você busca no mercado e não é uma decisão que cabe ao Chefe do Executivo, nesse sentido”, declarou Duarte Jr., acrescentando que “Por não estar como ordenador de despesa, esses trâmites correm através de cada uma das secretarias que, em um determinado momento, decidem o que é mais viável em relação à administração”
Questionado sobre ter feito acompanhamento ou visitas nas obras executadas pela GMP e Israel, o ex-prefeito iniciou sua resposta fazendo uma longa explanação sobre a situação das finanças do município em 2015, quando assumiu o cargo de Chefe do Executivo, ressaltando as perdas de arrecadação ocorridas, o rompimento da barragem de Fundão e a pandemia da Covid-19. “Eu vou contextualizar, porque senão a pergunta pode ficar vaga. A gente assumiu o governo no ano de 2015, em uma situação bem delicada. Antes até da tragédia [rompimento da barragem de Fundão], o município de Mariana já vinha perdendo receita, por causa do preço do minério de ferro”, declarou Duarte Jr., relacionando as medidas tomadas para a redução dos gastos públicos, demissões de ocupantes de cargos comissionados e, até mesmo o encerramento de contratos. “E aqui, de todos os vereadores, quem estava na Câmara antes, o vereador Marcelo [Macedo] lembra das demissões de funcionários que nós tivemos que fazer; do corte de funções gratificadas; a cooperativa tinha uma despesa de quase R$3 milhões e a gente teve que reduzir para R$1,7 milhões; a empresa de coleta de lixo, nós reajustamos a prestação de serviços e conseguimos uma economia de quase 40%, que dava em torno de R$400 mil. (…) Nós tínhamos empresas que prestavam serviços de eventos, que custavam aos cofres públicos R$300 mil e a gente teve que cortar totalmente essa empresa, e não tivemos mais essa prestação de serviço, fora os cortes com publicidade, aluguéis e renegociação de contratos… Então, foi um início de gestão muito difícil”, afirmou o depoente, justificando a contextualização para “dizer que, de qualquer forma, o governo não parava. Ele continuava a reunir com as comunidades, e cada comunidade tinha o seu pedido, tinha a sua solicitação”.
Ressaltando que, durante o período sem “poder aquisitivo de investimento”, com queda de arrecadação de aproximadamente R$310 para R$240 milhões por ano, mesmo com o crescimento vegetativo das despesas, as demandas continuavam a ser atendidas, na medida do possível. “Então, todas as demandas que chegavam até o Chefe do Executivo, ou todas as reuniões que a gente fazia, nós sabíamos qual era o desejo da comunidade. (…) E aí, entrando na pergunta do Presidente, não houve uma obra que eu falasse ‘Eu quero que faça essa obra’. Pelo contrário, houve várias obras que não aconteceram, que estavam dentro da relação que nós tínhamos conversado e que não foram executadas”, afirmou Duarte Jr., esclarecendo que, vez ou outra, passava pelo local de alguma obra, mas não fazia acompanhamento constante, ou visitas, acompanhado do secretário ou de algum engenheiro, inclusive devido à ocorrência da pandemia, quando foi necessário priorizar a área da saúde.
O ex-prefeito negou ter contato anterior com os proprietários das empresas envolvidas na CPI, afirmando não ter tido contato com eles durante o período das obras, mas que passou a “conhecer, saber quem são as pessoas, depois de tudo que aconteceu”. E, mais uma vez, negou que assinasse as ordens de pagamento, pois era impossível saber tudo o que acontecia em todas as secretarias. “No início da nossa gestão (…) eu chamei todos os secretários e disse que ‘eu não vou assinar, porque eu sei que eu não tenho condição de acompanhar’. (…) Então nós baixamos um decreto aonde todos os secretários passam a ser ordenadores de despesas, para que eles assumam essa responsabilidade”. Mas ressaltou, ainda, que o secretário de obras assinava as medições junto com os fiscais, “porque ele também não tem condição de acompanhar todas as obras”.
Questionado pelo Presidente da CPI sobre ter chegado ao seu conhecimento qualquer informação sobre a ocorrência de qualquer tipo de irregularidade na Secretaria de Obras, Duarte Jr. negou. “Em momento algum, nunca uma única pessoa chegou até a mim, para informar eu poderia haver algum tipo de irregularidade. Isto tá sendo levantado, a gente precisa aguardar o trabalho da Câmara, mas isso nunca chegou até a minha pessoa”, declarou o depoente, lembrando sua defesa da transparência, inclusive quando foi favorável à investigação referente à questão das exposições agropecuárias. O ex-prefeito aproveitou também a ocasião para elogiar a posição da atual administração: “E quero aqui reconhecer o trabalho do Executivo local no momento. Porque no momento que o Executivo teve informação da Câmara de possíveis irregularidades, a primeira atitude foi suspender [os contratos]. E é isso mesmo, quando você tem ciência do problema, você tem que agir”, enfatizou.
Duarte Jr. também negou conhecimento das chamadas “químicas” feitas nas planilhas, mencionadas em várias oitivas, como pontuado pelo Presidente da CPI, relativas a pagamentos de serviços executados, mas cujos itens não constavam nas planilhas contratuais ou das atas de preços. “Isso nunca foi repassado nem por secretário, nem por Procuradoria, pra mim em relação a isso. Não tenho nenhum conhecimento em relação a esse tema”, respondeu o ex-prefeito, dizendo ainda ter ficado preocupado com a notícia de possibilidade de terem sido feitos pagamentos por obras não executadas, mas ressaltando que no depoimento do ex-secretário de obras, teria ficado claro que a ordem de serviço foi dada, o serviço dos muros de arrimo não foi executado, mas não houve o pagamento dessa obra.
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Embora o depoimento tenha sido bastante longo, com continuidade no período da tarde, ocorreram muitas situações de repetição de perguntas e respostas, bem como longas explanações chamadas de “contextualização” pelo depoente.
Ao longo da intervenção do vereador Marcelo Macedo (MDB), integrante da CPI, foram tratados, especificamente dois casos que merecem destaque, referentes ainda a muros de contenção e a serviços de regularização de taludes no subdistrito de Constantino.
Questionando o ex-prefeito, Marcelo Macedo indagou sobre a execução do muro de gabião da Mina Del Rei ter sido executado pela empresa 3T, mas com ordem de serviço emitida para a GMP, a qual teria recebido o pagamento da administração municipal para repasse à 3T, ressaltando ainda que, quando o serviço foi iniciado, o contrato sequer havia sido assinado. De acordo com o vereador, todo o processo foi irregular. “A empresa foi lá, pagou a outra, uma executa e a outra paga… Isso não foi dentro de um caminho legal, declarou Macedo.
Em resposta, Duarte Jr. justificou a pressa devido a uma grande pressão popular para atendimento da reivindicação, mas fez questão de defender seu ex-colaborador. “Não há nada em relação ao ex-secretário de obras que desabone o trabalho dele, mas essa pergunta deve ser feita a ele”, declarou Duarte, referindo-se a uma nova convocação de Fábio Fernandes Vieira, para mais um depoimento, nesta quinta-feira (21).
Outro ponto destacado por Marcelo Macedo foi a obra executada pela Israel, no subdistrito de Constantino, para contenção de um talude que ameaçava desabar sobre algumas casas. De acordo com os levantamentos feitos pela CPI, afirmou Marcelo, a ordem de serviço indicava o custo de R$959 mil, mas as vistorias apontaram um valor bem mais baixo pelos serviços executados, atingindo apenas R$300 mil, fato agravado pelo pagamento integral sem a execução de todos os serviços.
Duarte Jr. pediu informação sobre a data do pagamento e, informado que aconteceu em dezembro de 2020, afirmou que não poderia responder por essa questão, uma vez que, além de não ter acompanhado a obra, esteve afastado da administração municipal em virtude de ter contraído o novo coronavírus.
Avaliação do depoimento
Por telefone, nossa reportagem ouviu o vereador Marcelo Macedo a respeito do depoimento do ex-prefeito. Para o membro da CPI, as respostas de Duarte Jr. serviram apenas como uma tentativa de transferência de responsabilidade. “Mas é obrigação do Chefe do Executivo fiscalizar os atos de seus subordinados”, afirmou Marcelo Macedo, ressaltando que esse não é um entendimento dele, mas dos tribunais.
Também comentou sobre o posicionamento do ex-secretário Fábio Vieira na oitiva da quinta-feira, quando o mesmo usou seu direito de permanecer em silêncio, o que foi respeitado pela comissão, mas “sem abrir mão do direito de fazer as perguntas e pedir o registro em ata, assinada pelo Fábio e por seus advogados, cabendo ao Ministério Público, ao final do processo, tomar as devidas providências”.
Em relação ao prazo de conclusão dos trabalhos da CPI, Marcelo informou que não será possível concluir até 12 de novembro, e que uma prorrogação, por mais 90 dias será submetida ao plenário da Câmara, na próxima segunda-feira (25). “Mas isso não significa que todo esse prazo será necessariamente utilizado”, finalizou o vereador.
Possíveis implicações da CPI
Ainda antes de seu depoimento, o ex-prefeito Duarte Jr. concedeu uma breve entrevista à Agência Primaz, antecipando o posicionamento apresentado à CPI, tanto em relação à questão da competência dos responsáveis pelas secretarias municipais pela ordenação de despesas, quanto em relação à atitude de suspensão dos contratos, tomada pela administração atual. “Primeiro é importante que todos saibam que eu sempre me pautei pela transparência. Eu fui procurado por alguns vereadores que assinaram [o pedido de abertura da CPI] e disse que a obrigação da Câmara é fiscalizar, e torço para que a verdade seja esclarecida. Nunca, em hipótese alguma nunca foi sugerida essa situação [de irregularidades] e, enfrentando um momento muito delicado, em relação ao Covid, eu estava extremamente sobrecarregado com aquela situação, e é impossível eu um prefeito consiga acompanhar compra de medicamentos, acompanhar fiscalização de obras. Por isso que os secretários, todos eles, eram ordenadores de despesas”, declarou Duarte Jr.
Em relação a implicações que o resultado da CPI possa ter sobre uma eventual candidatura a deputado, estadual ou federal, o ex-prefeito preferiu comentar sobre suas preocupações atuais: “Pelo contrário, o sentimento que eu tenho é que dificilmente você vai encontrar, no Brasil, qualquer Chefe do Executivo que tenha se pautado através de tanta transparência. (…) Eu não tenho nada a esconder e acho que isso tem que ficar bem claro. Em relação à candidatura, isso é uma outra pauta, que vai ser discutida no momento adequado, e nesse momento nós estamos trabalhando pelo Fórum de Prefeitos, conquistando muitas vantagens pelos municípios que foram atingidos [pelo rompimento da barragem de Fundão], e isso é que é o importante, finalizou Duarte Jr.