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Hoje é segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Pra não deixar cair no esquecimento

No dia em que são completados 6 anos do rompimento da barragem de Fundão, atingidos fazem ato na Praça Minas Gerais, em Mariana

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Ato reuniu representantes de entidades e atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Gesteira, Barra Longa e Brumadinho – Foto: Lui Pereira/Agência Primaz
Com coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e apoio da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais e da Arquidiocese de Mariana, ato realizado às 11h de hoje (sexta-feira, 05) reuniu atingidos de Mariana e Brumadinho, contando com a participação de representantes de Gesteira e Barra Longa. “Por Justiça” foi a palavra de ordem utilizada pelos manifestantes, sendo a programação completada por uma visita ao reassentamento de Paracatu de Baixo e missa celebrada no antigo Bento Rodrigues.

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A lentidão do processo de reparação e o desrespeito com os atingidos foram tema de todas as falas ao microfone durante o ato, com ênfase para palavras de ordem como “Por Justiça” e “Pra não deixar cair no esquecimento”, acompanhadas de duras críticas ao modelo predatório de mineração implantado há décadas no estado, especialmente em termos de disposição de rejeitos, causando mortes e destruição, como nos casos de Fundão (novembro de 2015) e Córrego do Feijão (janeiro de 2019).

Letícia Oliveira, representante do MAB, afirmou que o ato é uma manifestação de descontentamento dos atingidos em relação à demora dos reassentamentos, ressaltando que “as pessoas estão falecendo, à espera dos reassentamentos, sem conseguir alcançar a nova comunidade”. Segundo Letícia, era esperada a participação de aproximadamente 300 pessoas nos diferentes momentos dos atos previstos nesse dia, lembrando que os atos que estão ocorrendo em outros locais da bacia do Rio Doce, como em Governador Valadares, também integram os protestos.

Hoje é um dia de luta, que precisa ser mostrado e cobrada agilidade no processo de reparação. Seis anos depois, é um absurdo não ter nenhuma casa pronta no Paracatu de Baixo, nenhuma no Gesteira e [só] 10 casas prontas em Bento Rodrigues! E não há prazo para que essas comunidades, de fato, sejam finalizadas”, declarou a representante do MAB.

Antônio Pereira Gonçalves, conhecido como Da Lua, relembrou as perdas decorrentes do rompimento da barragem e a luta travada desde 2015, lamentando que a situação esteja longe de ser resolvida. “Infelizmente a gente tá perdendo até hoje. Porque, há seis anos completando hoje do rompimento da barragem, a luta continua. A gente vive clamando por justiça, querendo que as coisas sejam feitas, e até hoje nada! Nós pensamos que em pouco tempo a gente estaria na nossa [nova] comunidade, e até hoje não conseguimos. Isso afeta muito, a gente está se sentindo ainda afetado pelo rompimento da barragem”, desabafou Da Lua, lamentando que já tenham sido definidas e descumpridas três datas para a conclusão dos reassentamentos.

Hoje eu tenho 57 anos, e tudo que eu construí na minha vida foi embora num piscar de olhos, perdi tudo o que eu tinha. Não sobrou nada pra mim!”, declarou Jerônimo Batista, que morava em Paracatu de Baixo quando aconteceu o rompimento da barragem. Ele afirmou, ainda, que não recebeu nenhuma indenização da Fundação Renova. “Isso é uma pouca vergonha. A justiça brasileira é muito fraca a esse respeito aí, porque eles tinha que tá preso. Quem fez isso tinha que tá preso. Isso é um crime”, desabafou Jerônimo.

Andresa Rodrigues, de Brumadinho, ressaltou o significado da união entre os atingidos de Mariana e Brumadinho. “A simbologia, na prática, significa que nós não esquecemos e não esqueceremos. É também uma forma de nos solidarizar com o que aconteceu, com as mortes, com as perdas que ocorreram aqui em Mariana, pra não repetição do crime”, declarou. Segundo Andressa, depois da tragédia de Mariana, a falta de maior mobilização e cobrança por mais segurança nos locais onde existem barragem, talvez pudesse ter evitado o que aconteceu em Brumadinho. “Se nós tivéssemos gritado por Mariana, talvez tivéssemos as nossas joias aqui. Então, é esse o nosso intuito, gritar por justiça para que não haja repetição do crime”, afirmou, referindo-se às vítimas de Brumadinho.

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Confira abaixo algumas imagens do ato (Fotos: Lui Pereira/Agência Primaz):

Lentidão da Justiça e interesses econômicos

Também marcaram presença no ato os deputados federais Rogério Correia e Padre João, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT). Atendendo à reportagem da Agência Primaz, Padre João questionou duramente a atuação do Judiciário. “O poder econômico contamina o Congresso, contamina o setor do Judiciário. É muito triste quando a Justiça nega sua natureza de ser. Porque, em que pese o empenho do Ministério Público, um setor do poder Judiciário é cúmplice da Vale e da Samarco não terem cumprido ainda [suas obrigações]”, afirmou Padre João.

Em relação ao modelo de atividade de mineração, o deputado declara que não traz riqueza para a população, mas somente atende a interesses econômicos de poucos, refutando os argumentos de quem o defende e contrapondo, a despeito dos lucros gerados, a persistência da desigualdade social. “Muitos falam que sem a mineração não tem jeito. Não é verdade! Nós temos aqui 300 anos de atividade minerária. Se isso fosse tão lucrativo [para toda a população], aqui não poderia ter miséria, não poderia ter pobreza, não poderia ter déficit habitacional. São 300 anos de mineração, e é uma vergonha as contradições que a gente tem de desemprego, de moradia, de educação. E esse aparato do Estado, infelizmente, é para favorecer o capital”, finalizou.

De acordo com reportagem publicada hoje (05) pela Folha de São Paulo, o município de Mariana “já arrecadou R$347,2 milhões no ano [com os royalties sobre a produção mineral], o dobro do valor registrado em 2019”, como resultado da retomada das operações da Vale e da Samarco e da escalada do preço do minério no mercado internacional, mesmo com produção longe da capacidade total. Citando dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), a reportagem afirma que “a receita de 2021 é quase três vezes a verificada em 2015, antes do rompimento da barragem de Fundão em 05 de novembro daquele ano, operada pela Samarco, mesmo considerando a inflação do período”. A reportagem informa, ainda, que o lucro da Vale foi recorde no segundo trimestre de 2021, fechando o período com resultado positivo de R$40,1 bilhões, 31% acima do recorde obtido no primeiro período do ano, totalizando R$70,6 bilhões no acumulado do ano.

É uma situação muito séria. O que a gente consegue vê é que a questão econômica foi resolvida, então tinha condição de resolver o resto dos problemas. Tinha condição de reparar os atingidos, construir as casas e reconhecer todos os atingidos, já que são milhares de atingidos não reconhecidos até hoje, em toda a bacia do Rio Doce. É mais uma prova que as empresas têm capacidade, têm recursos financeiros para fazer a reparação adequadamente. E devem ser cobradas para que isso seja feito. A Justiça tem que fazer seu papel de cobrar e garantir que os direitos [dos atingidos] sejam respeitados”, comenta Letícia Oliveira.

Para Andresa Rodrigues, o resultado financeiro da Vale é mais um motivo de continuidade da luta dos atingidos, em busca de justiça. “A gente vê com tristeza e indignação. E por isso a gente segue na luta. Não é possível que matar em nome do lucro, em nome do dinheiro, siga valendo a pena. Somos nós que carregamos no coração, na alma, a dor de perder as nossas joias, de perder aquele espaço que a gente vivenciava, que podemos dizer e seguir gritando que basta dessa mineração predatória, que mata a vida, que assassina as pessoas! Nós precisamos de emprego, nós precisamos de geração de renda, mas precisamos primeiro garantir a segurança e a vida”, finaliza a representante de Brumadinho.

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