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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Relatório final da CPI das Obras é lido na Câmara de Mariana

Documento será encaminhado ao Ministério Público em Mariana, ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA/MG)

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Nove dos 15 vereadores compareceram ao plenário da Câmara, enquanto os demais acompanharam a sessão remotamente – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito nº 001/2021, conhecida como CPI das Obras, foi lido na reunião ordinária da Câmara Municipal de Mariana, realizada na tarde desta segunda-feira (20). A Comissão recomendou o indiciamento das empresas Construtora Israel e GMP Construções, além de outras 11 pessoas, entre as quais os ex-secretários de obras, Fábio Fernandes Vieira e André Lima Belico.

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A 44ª reunião ordinária de 2021 da Câmara Municipal, anteriormente prevista para o dia 27, foi antecipada para as 15h desta segunda-feira (20). Na abertura, o Presidente Ronaldo Bento esclareceu que a reunião seguiria o trâmite normal dos trabalhos, seguida da leitura do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) nº 001/2021. Após isso, a reunião seria interrompida para a leitura e deliberação da ata, abrindo-se espaço para as manifestações referentes ao relatório.

Início da leitura do relatório da CPI, pelo Assessor Jurídico da Câmara, Luciano Guimarães Pereira– Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Cumpridas as formalidades dos trabalhos previstos na pauta da reunião, Ronaldo Bento solicitou, às 16:15h, que o Assessor Jurídico, Luciano Guimarães Pereira, que desse início à leitura do relatório. Depois de 1h de leitura, Luciano Guimarães foi substituído na leitura pelo Procurador Jurídico, Cor Jesu Quirino Filho.

Durante aproximadamente 1h, Cor Jesu Quirino, Procurador Jurídico da Câmara, deu prosseguimento à leitura do relatório da CPI – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

A terceira parte da leitura coube a Skarllet Sobreira, funcionária da Câmara e secretária “ad hoc” da reunião ordinária.

Skarllet Sobreira foi a responsável pela terceira etapa da leitura do relatório da CPI – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Decorridas mais de 3h de leitura, Luciano Guimarães retomou a tarefa, seguido Cor Jesu Quirino, cabendo a Skarllet Sobreira uma nova rodada de leitura. Em seguida, na parte referente aos indiciamentos, Ronaldo Bento, Presidente da Câmara, assumiu o encargo, terminando às 21h24, totalizando 5 horas e 09 minutos de leitura do relatório

Indiciamentos propostos pela CPI

Em relação às empresas envolvidas no escopo de atuação da CPI, o relatório propõe o indiciamento da Construtora Israel e da GMP Construções, afirmando que “estas duas empresas devem ser responsabilizadas de modo a ressarcirem ao Município os prejuízos apontados nas perícias. Novas perícias realizadas pelos órgãos de controle podem avaliar as demais obras e verificar se persiste a prevalência de medições de itens inexistentes e os excessos em administração local”, e que “serviram apenas para que se direcionasse subcontratações, realizadas à revelia, sem controle da capacidade técnica e operativa e causando prejuízos ao Município na maioria das obras. Desconfia-se de que negociações causaram dano ao Fisco, na ausência de rigor no recolhimento de tributos. Neste sentido, também a Previdência e questões trabalhistas podem ter sido flagrantemente ignoradas”. Além disso, o relatório aponta que “há elementos que apontam que algumas obras foram realizadas com material e mão de obra da própria Prefeitura e as empresas receberam como se houvessem executado os serviços”.

Entre as pessoas físicas com indicação de indiciamento proposto no relatório da CPI, o Engenheiro Fábio Fernandes Vieira, ex-Secretário de Obras, é o que reúne o maior número de supostos ilícitos, com indicação de enquadramento por fraude em licitação ou contrato (art. 337-L, incisos I, IV, V do Código Penal), agravada pelo disposto no Art. 61, por ter colocado vidas em risco em decorrência da execução da obra de contenção do talude na localidade de Constantino. Pelo relatório, ainda, Fábio Vieira é citado em função de suas ações, consideradas como correspondentes a condutas vedadas pela Lei de Improbidade (Incisos VI, VII, VIII e IX do Art. 10, da Lei 8.429/92).

Além disso, juntamente com Rosilene Margarida de Souza Resende (contratada, responsável pela consolidação das planilhas), Sebastião Carlos Lamounier (contratado, chefe da equipe de fiscalização), Marcos Paulo da Costa (engenheiro responsável pela Construtora Israel), Wallace Teixeira da Silva (um dos operadores da Construtora Israel) e Dorimar de Lima Soares (representante comercial da GMP Construções), o relatório recomenda o indiciamento de Fábio Vieira pelo crime de associação criminosa, afirmando que “estavam unidos em desígnios e ações para a prática de crimes contra a Administração Pública” e que, portanto, incorreram no disposto no art. 288, que prevê pena de “reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos”, por “associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”.

Márcia Regina Damásio (contratada, fiscal de obras), Carlos Henrique Reis Antunes (servidor efetivo, fiscal de obras), Eustáquio Antônio Veiga de Souza (contratado, fiscal de obras), André Lima Belico (ex-Secretário de Obras e Gestão Urbana) e Elbert Carlos Damásio (ex-funcionário da Construtora Israel, atualmente prestando serviços à GMP Construções) são citados com sugestão de indiciamento com base em diferentes incisos do Art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa.

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Antecedentes

Antes mesmo da instalação da CPI, em maio deste ano, a Agência Primaz vem acompanhando o assunto, tendo publicado 18 reportagens antes da finalização do relatório, reunidas em uma única página de nosso site. Clique aqui para acessar as reportagens publicadas anteriormente, juntamente com as Entrevistas Primaz realizadas com os vereadores Manoel Douglas, autor do requerimento de instauração, e Pedrinho Salete, Presidente da CPI.

Relatório da CPI

Assinado por Pedro Ulisses Coimbra Vieira, Presidente da CPI; Marcelo Monteiro Macedo, Vice-Presidente; José Sales de Souza, Relator, Cor Jesu Quirino Filho, Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Mariana, e Luciano Guimarães Pereira, Assessor Jurídico, o relatório tem 99 páginas, acrescido de outras cinco que relacionam as 78 pastas anexadas ao processo, contendo relatórios de considerações referentes a obras, registro de preços, relatórios de serviços prestados, documentos entregues à Comissão, medições, ofícios e respostas, perfazendo o total de 9.904 folhas. Clique aqui para acessar a integra do relatório final da CPI das Obras.

Após um minucioso relato cronológico das atividades da Comissão, o relatório apresenta uma lista de oito requerimentos não atendidos (ou atendidos parcialmente pela administração municipal e apresenta, em seguida, o tópico “Dos Fatos”, analisando a situação da adesão à ata de registro de preços que originou o contrato 447/2019, celebrado com a Construtora Israel, aditado em 26/10/2020, com “acréscimos e decréscimos diversos”, apontando, entre outros aspectos, a não exigência de garantia da empresa (contratação de seguro), fato considerado como fator de fragilidade da defesa do interesse público e de concessão de favorecimento ilegal à empresa, uma vez que isso era exigido no edital.

Em seguida o relatório analisa questões relacionadas ao Pregão 057/2020 e ao Registro de Preços 051/2020, que originaram o contrato nº 148/2020, celebrado com a empresa GMP Construções. Para este pregão, a planilha orçamentária previa “o valor total de R$63.988.313,52 a ser utilizado em serviços de manutenção e conservação de prédios públicos e vias do Município”, sendo que a proposta vencedora, apresentada pela GMP atingiu R$51.099.694,40. Constam do relatório todas as tramitações referentes ao certame licitatório, incluindo recursos apresentados e indeferimentos, alguns realizados em tempo recorde, além de ser apontada a coincidência da emissão de cinco empenhos, no dia 1º de dezembro de 2020, cuja soma de valores (R$ 1.699.601,75) corresponde exatamente ao total das notas fiscais 2020/70 e 2020/71, emitidas em 28/12/2020 e pagas dois dias depois, cujas medições foram assinadas apenas por Fábio Fernandes Vieira, então Secretário de Obras e Gestão Urbana do município. Outro ponto apontado pela Comissão, a exemplo do contrato da Construtora Israel, foi a não exigência da garantia contratual.

Outro contrato analisado detalhadamente pela Comissão foi o relativo ao Programa 168/2019, tendo como integrantes o Consórcio Intermunicipal Multissetorial do Vale do Piranga (CIMVALPI) e o Município de Mariana, tendo como objeto “a gestão associada de prestação de serviços públicos com transferência parcial de encargos, serviços e de bens necessários à análise, aprovação, licenciamento e fiscalização da execução de obras, projetos urbanísticos e arquitetônicos vinculados ao rompimento da Barragem do Fundão”.

O relatório informa que o contrato foi assinado em 09/05/2021, mas deve ter ocorrido um erro de digitação, porque a data de vencimento é apontada como 31/05/2021, prevendo-se o valor original de “R$5.724.310,54 a serem pagos em uma parcela de R$ 238.513,15 (junho de 2019) e as outras (23) vinte e três parcelas de R$ 238.512,93”. Portanto, é provável que o documento tenha sido assinado em maio de 2019, sendo ainda informado que a vigência foi antecipada para o dia 11/12/2020, não sem antes ter sido aditado para o valor total de R$6.957.627,62 para permitir a contratação de sete profissionais adicionais. Também foi destacado no relatório que o engenheiro civil Carlos Henrique Reis Antunes foi designado gestor do contrato, embora o mesmo, em depoimento prestado à Comissão, tenha se mostrado “surpreso por não ter conhecimento de ter sido designado como gestor e [afirmado] que não teve nenhum ato de gerência neste processo”.

Após essas considerações, o relatório apresenta a análise de questões relacionadas à incompatibilidade dos procedimentos adotados pela Administração Municipal em relação ao Sistema de Registro de Preços (SRP); da “ausência de ordem de serviço em boa parte das obras” analisadas pela Comissão; da “desconsideração de nota técnica da Controladoria e manutenção de procedimentos ilegais”; das “’químicas’ e dos pagamentos de obras não realizadas”; da inobservância das normas preliminares; e da contratação de engenheiros pelo CIMVALPI, pela GMP e pela Telsan.

Uma importante parte do relatório refere-se às perícias realizadas em 18 obras pelo Engenheiro Daniel Henrique dos Santos Garcia. Neste trabalho, o profissional procedeu à avaliação das obras, confrontando os itens medidos e pagos em cada uma. Das obras periciadas, apenas em quatro não foram identificadas irregularidades, enquanto nas demais foram apontados indícios de problemas, com pagamentos a mais variando entre 5 e 58% dos totais pagos à Construtora Israel e GMP Construções. Esse percentual 58% foi apurado na obra de contenção de talude em Constantino, com valor pago de R$ R$929.872,35. Portanto, mais de R$539 mil teriam sido pagos irregularmente, segundo a perícia realizada.

Em uma próxima reportagem, a Agência Primaz vai apresentar os detalhes das irregularidades encontradas pelo profissional perito, discriminando os valores dos pagamentos considerados irregulares e as observações feitas pelo Engenheiro Daniel Garcia.

No encerramento do relatório, a Comissão “sugere o envio deste Relatório ao órgão de execução do Ministério Público em Mariana, ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA/MG)”.

Manifestações a respeito do relatório

Concluída a leitura do relatório e da ata da reunião, esta última aprovada por unanimidade, Ronaldo Bento abriu a palavra aos vereadores, para as considerações relacionadas ao relatório da CPI, parabenizando os membros da Comissão pelo trabalho realizado, incluindo nas congratulações o corpo jurídico da Câmara, passando a palavra ao relator, vereador José Sales (PDT), que fez um breve relato do espírito de isenção e transparência que norteou os trabalhos. “Ressalto que através dessa CPI, os trabalhos foram realizados de forma ética e transparente. Cumprimento meus pares na Comissão e espero que o caminho da administração pública, sempre possa ser percorrido com base nos princípios básicos da integridade, moralidade e eficiência”, pontuou o relator.

Em seguida, o Presidente da Comissão, Pedrinho Salete, manifestou seus agradecimentos aos demais membros, ao vereador Manoel Douglas (PV), extensivos aos funcionários, ressaltando a imparcialidade, transparência e isenção com que presidiu a CPI. “Finalizo os trabalhos desta Comissão Parlamentar de Inquérito, com muita seriedade, com muita transparência, e com total imparcialidade. O sentimento que sinto agora é de dever cumprido. Agora, encaminhamos [o relatório] para o Ministério Público, e todas as autoridades competentes, como o Tribunal de Contas e CREA, para que tomem conhecimento e exerçam o seu trabalho, punindo a quem tiver que ser punido, dentro dos parâmetros da lei”, declarou Pedrinho Salete.

Falando em seguida, Marcelo Macedo (MDB), vice-presidente da Comissão, repetiu os agradecimentos anteriormente feitos, agradecendo ainda aos vereadores José Sales e Pedrinho Salete, pelo “companheirismo” durante os seis meses de duração da CPI; ao vereador Manoel Douglas, pela colaboração e participação ativa nos trabalhos, e aos vereadores que “tiveram a coragem, e assim exercendo o papel de vereadores, de ter assinado o documento” que originou a instalação da CPI. “Exercemos o nosso papel, enquanto fiscalizadores, enquanto vigilantes dos recursos públicos. Essa é a nossa função, esse é o nosso papel, e isso, esse papel, quem delegou foi a população marianense”, enfatizou Marcelo Macedo.

O vice-presidente da CPI aproveitou a ocasião para relembrar as descrenças manifestadas nas redes sociais quanto ao resultado da CPI, ressaltando que os trabalhos foram conduzidos com total transparência, isenção e imparcialidade. Mas também lembrou que, em determinado momento, não era mais possível falar em supostas irregularidades, e sim em crimes cometidos, demonstrando sua indignação com os bloqueios de recursos feitos, principalmente da saúde e da educação, e que resultaram nas situações de irregularidades apuradas pela CPI. “Quando você chega no final deste relatório, não tem ninguém aqui vangloriando não. É triste! É triste o que a gente acabou de ouvir aqui! [Em relação] |às pessoas que estavam no governo, a palavra correta é que estavam fazendo farra, festa, roubando da população marianense”, lamentou o vereador.

Último a se manifestar, o vereador Manoel Douglas, autor do requerimento de instalação da CPI, fez os agradecimentos de praxe, demonstrou sua satisfação com o resultado obtido, mas fez questão de apresentar alguns reparos e comentários, em especial quanto à ausência de recomendações relacionadas a alguns nomes mencionados em depoimentos colhidos pela Comissão, ressaltando a importância da CPI em termos de mudança de comportamento já verificada na administração pública municipal e sua confiança na Justiça. “A gente ouve vários relatos pela rua, falando que a CPI vai terminar em pizza, mas eu sempre acredito na Justiça, uma vez que aqui [no relatório] tem várias provas documentais, vários relatos. E, em várias situações, muita gente chegou amedrontada aqui nesta Casa, sempre com medo da corda arrebentar do lado mais fraco. E a gente fica triste de ver um relatório com tantas irregularidades, com tanto dano ao erário, mas eu espero que a Justiça faça o trabalho dela”, declarou Manoel Douglas. E acrescentou que algumas situações ainda não foram plenamente apuradas, referindo-se a depoimentos que colocam o prefeito interino como participante do processo, em situações relacionadas à permanência da contratação, pela GMP, de pessoal especializado; da real responsabilização por pagamentos efetuados nos últimos dias do mandato anterior, além da participação de outras empresas, como a 3T, em todo o processo de subcontratação, inclusive com repasse de recursos pela Construtora Israel, sem as devidas notas fiscais. “Eu acho que aí caberia também uma quebra de sigilo, tanto bancário quanto fiscal, mesmo porque, em todas essas obras, não eram emitidas notas fiscais, Geraldo também um prejuízo para a cidade de Mariana”, declarou o vereador. Manoel Douglas afirmou que suas ponderações têm também o objetivo de esclarecer a população, de forma a não deixar nenhuma dúvida quanto à imparcialidade da Comissão. “Eu vejo que, chegando [o relatório] ao MP [ Ministério Público], todos esses que eu estou citando aqui, no meu entendimento, tanto Renova, CIMVALPI, Telsan, 3T, Newton [Godoy, vice-prefeito anterior], Duarte [Júnior, prefeito anterior], Juliano [Duarte, atual prefeito interino], todos esses precisam aí estar prestando seus esclarecimentos à população marianense”, afirmou Manoel Douglas, enfatizando que não poderia deixar de fazer essas manifestações, porque isso significaria deixar de exercer sua função de vereador. “No que depender da gente para esclarecer para a população marianense, podem ter certeza que a gente está à disposição. Esse é o meu trabalho, e me coloco à disposição da Câmara de Mariana”, finalizou.

Da esquerda para a direita, Luciano Guimarães, Manoel Douglas, Cor Jesu Quirino, Pedrinho Salete, José Sales, Marcelo Macedo e Ronaldo Bento - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Ronaldo Bento elogiou a postura e o comprometimento do vereador Manoel Douglas, ao setor de comunicação pelo empenho durante os trabalhos, e em especial os desta segunda-feira, ao setor jurídico, aos vereadores, citados nominalmente, bem como à imprensa presente à reunião, declarando encerradas as atividades às 22h39.