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Hoje é quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Drogar alguém é crime?

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Conhecida há tempos nas baladas e casas noturnas, a prática de drogar uma pessoa a fim de reduzir sua resistência ou deixá-la inconsciente para tirar proveito da situação (por meio de um conjunto de drogas conhecido popularmente como ‘Boa noite, Cinderela’), ainda é largamente utilizada, demandando grande cuidado de quem frequenta esse tipo de local. Neste sentido, você pode se perguntar: ao colocar um tranquilizante no copo de alguém, qual crime a pessoa está cometendo?

A resposta é surpreendente: inicialmente, nenhum. Não existe tipificação no Código Penal ou na legislação extravagante que preveja pena por drogar outra pessoa. Pode parecer um absurdo, mas a ideia do legislador é simples: para que se puna o ato de drogar alguém, deve-se analisar o que foi pretendido com isso. O agente, ao colocar um sonífero no copo de uma pessoa, visa tirar proveito da vulnerabilidade gerada por essa situação. Mas que tipo de proveito? Praticar um roubo, cometer violência sexual, extrair um órgão, ou qualquer outra coisa… Cada uma dessas situações incorre em uma pena diferente. Nestes casos, o fator determinante é a finalidade da prática, e não o ato de dopar por si só.

Ou seja: drogar alguém não gera uma pena automática, a situação deve ser analisada, porque o que determinará a pena será a conduta subsequente do agente. Se o indivíduo dopar alguém para subtrair bens materiais, estará cometendo o crime de roubo (e não o de furto. No furto, não há violência, grave ameaça, ou emprego de qualquer meio que impossibilite a resistência da vítima). Neste caso, a droga é usada justamente para a redução da resistência, caracterizando a conduta como roubo, crime previsto no art. 157 do Código Penal.

Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Por outro lado, se a conduta que se segue é a de violência sexual, trata-se de estupro de vulnerável (art. 217-A, § 1o do Código Penal), que tem uma pena muito maior.

Art. 217-A – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

  • Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

(…)

Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

Se um cidadão dopa outro visando retirar-lhe um órgão, o dispositivo penal existente é o artigo 14 da lei 9.434:

Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta lei:

  • 3º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:

I – Incapacidade para o trabalho;

II – Enfermidade incurável;

III – Perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

IV – Deformidade permanente;

V – Aborto:

Pena – reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

E por aí vai… Para cada conduta criminosa subsequente ao ato de drogar alguém existe uma pena distinta, razão pela qual o ordenamento não tipificou este crime, dando ênfase no comportamento que vem em seguida.

Não se trata de dizer que a visão do legislador é unânime no meio jurídico ou que o assunto está encerrado. No espaço de cidadania do Senado, onde é possível propor ideias legislativas, há quem defenda a tipificação desse tipo de crime, ainda que não seja uma matéria de grande repercussão. O fato é que, hoje, nossa legislação penal foca em punir conforme o caso concreto, e não no ato de dopar por si só.

Picture of Vítor Morato
Vitor Morato é Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto e pós-graduando em Direito Público. Instagram: @vitormorato.
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